21 de dezembro de 2010
18 de novembro de 2010
Aldo Rebelo denuncia interesses escusos de ONGs estrangeiras na discussão do novo código florestal
Em entrevista ao jornal amazonense A Crítica, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) denunciou a atuação de ONGs estrangeiras na discussão do novo código florestal, cujo relatório de sua autoria foi aprovado em uma comissão especial da Câmara que discutiu o tema. “Eu estou sendo caluniado por ONGs a serviço de interesses internacionais, entre elas o Greenpeace que tem sede na Holanda, onde não há proteção para florestas e para os rios. E essa ONG, aliada a outras, acha que pode tutelar o país e principalmente a Amazônia. Que ela pode ser transformada em uma reserva. A minha posição é de um brasileiro que conhece seu país. Defendo a Amazônia desde meus tempos de estudante”, disse.
O parlamentar defendeu o relatório aprovado, “elaborado a partir de interesses do país”, pensado no interesse do seu desenvolvimento: “Acho que a proposta que fiz é em defesa do povo brasileiro, embora contrarie as ONGs internacionais a serviço dos Estados Unidos e da Europa”.
Segundo Aldo, ao contrário do que tem sido divulgado, a proposta para o novo código florestal prevê apenas um caso de flexibilização dos limites das áreas de proteção permanentes (APPs). “Não há nenhuma flexibilização das APPs. A única exceção que fizemos foi para os córregos de até 5 metros de largura, e não há outra. Propomos a redução de 30 para 15 metros com a finalidade de não impedir a viabilidade das pequenas propriedades que estão cortadas por esse curso d’água. E fizemos isso em acordo com pareceres do Ministério do Meio Ambiente”, frisou.
Sobre os interesses estrangeiros sobre a região amazônica, o parlamentar destacou as histórias do Acre e da navegação do rio Amazonas e a ocupação das Guianas, francesa e inglesa. “Nós perdemos 20 mil Km do estado de Roraima para a Inglaterra no início do século XX e se você examinar as declarações dos chefes de Estado europeus e norte-americano sobre o Brasil ceder parte de sua soberania na Amazônia, você também vai ver (Henry) Kissinger – secretário de Estado dos EUA na década de 70 -, (Fraçois) Mitterand – ex-presidente da França entre 1981 e 1995 -, há uma cobiça muito grande. E o interesses dessas ONGs? Porque não há ONG cuidando do interesses dos índios de São Paulo ou do Nordeste?”, questionou.
Para Aldo Rebelo, a maioria do povo brasileiro desconhece a realidade da Amazônia e “idealiza a vida” na região a partir de uma ficção criada. “A situação dos povos da floresta é uma coisa idealizada no Sul do país. Eu conheço a situação da população ribeirinha. É a população com a menor taxa de longevidade do Brasil. É a menor expectativa de vida. Problemas de saúde, problemas de sobrevivência, e embora não bastasse isso, a própria legislação ambiental torna ilegal a sobrevivência dessas pessoas na mata. No Sul do país, as pessoas imaginam que os povos da floresta vivem uma espécie de idílio, um paraíso verde e a realidade não é essa”, observou.
“Eleito, trarei Aristide de volta ao Haiti”, afirma Céant, candidato a presidência
A campanha de Jean-Henry Céant está atraindo multidões para os seus comícios. O ponto central da campanha de Céant é que se vencedor trará o ex-presidente Jean-Bertrand Aristide de volta ao país.
Aristide foi deposto em um golpe em 28 de fevereiro de 2004, seqüestrado e levado para a embaixada dos EUA e de lá para fora do Haiti. Agora, como informa Randall White, no site Haiti Action, “para Jean-Henry Céant, Aristide precisa tomar parte no crítico diálogo nacional”.
“A nação vive a ansiedade de ver tantos deslacados de suas comunidades e casas, mas o candidato a presidente acredita que a solução para isso e muitos outros desafios só podem ser enfrentados com a união das forças nacionais com um único propósito. Ele quer que todos os haitianos se unam para forjar uma mudança política por um futuro melhor e isto significa fazer adversários políticos se reunirem em um diálogo nacional”.
Para expressar seu principal intento o de construir casas para todos os haitianos refugiados hoje em campos de tendas, a campanha de Céant tem como palavra de ordem: “Todos para dentro”, ou, na língua local, creole, “Tout moun ladan”.
A decisão de Céant de – com a vitória nas eleições de 28 de novembro – trazer Aristide de volta fez com que muitas lideranças do seu partido, o Famni Lavalas, que antes pregavam a abstenção em massa, passassem agora a apoiá-lo.
Préval e a comissão eleitoral indicada por ele rejeitou inscrição ao partido da maioria dos haitianos, o Lavalas, neste pleito. No ano passado, com o Lavalas também com inscrição indeferida, houve apenas 11% de comparecimento às urnas, por isso a nova convocação de eleições.
Plano do FMI e BCE: afundar a Irlanda e salvar bancos falidos
Bancos ingleses estão pendurados em 150 bilhões de euros na Irlanda e os alemães, em 138 bilhões de euros. Pacote pré-FMI podou 15% dos salários e corta 15 bilhões em 4 anos
O FMI, o BCE (Banco Central Europeu) e a Comissão Europeia desembarcaram na Irlanda, tida antes, na propaganda neoliberal, como o “Tigre Céltico”, para impor ao país um programa de arrocho ainda mais drástico que o já adotado pelo atual governo para salvar o Anglo Irish Bank e outros bancos da bancarrota. Segundo o BIS – o Banco Central dos bancos centrais -, os bancos ingleses estão pendurados em 150 bilhões de euros na Irlanda, enquanto a exposição dos bancos alemães é de 138 milhões de euros. De acordo com as informações iniciais, o empréstimo seria em torno de US$ 80-100 bilhões de euros, com a metade destinada diretamente aos bancos quebrados, e a outra metade, principalmente, para a rolagem de títulos da dívida com bancos.
O plano de arrocho já em vigor podou 15% nos salários dos servidores, cortou os gastos públicos em 4 bilhões de euros no ano passado, e estabeleceu mais cortes de 15 bilhões de euros em quatro anos. O desemprego oficial atingiu 14%. A salvação dos bancos falidos fez o déficit disparar para 32% do PIB. Com o estouro da bolha imobiliária, os preços das casas caírem pela metade e cerca de 100 mil famílias tentam não ser despejadas. Um número de casas três vezes maior está vazio. No segundo trimestre de 2010, a economia encolheu 1,2%.
ZONA DO EURO
Declaração, na semana passada, do presidente do BC irlandês, Patrick Honohan, de que um plano do FMI não seria muito diferente do arrocho já aplicado, destampou a discussão sobre o socorro aos bancos. Aumentou a pressão dos especuladores contra os países da zona do euro tidos como em situação mais precária – Portugal e Espanha -, com seus governos declarando ser urgente tratar da questão irlandesa. Os ágios para rolagem de títulos irlandeses, portugueses e espanhóis bateram recordes; os da Grécia voltaram aos patamares de maio. Tendo como pauta a crise do euro, os ministros das Finanças da União Europeia se reuniram em Bruxelas, em caráter de emergência, na terça-feira (16).
Em Dublin, em meio às chacotas da oposição, o primeiro-ministro Brian Cowen disse no parlamento que não havia “negociação de pacote”, mas “discussões delicadas e cautelosas”. Aliás, o único ponto fora de discussão, asseverou o governo, é aquela diminuta taxação de 12,5% sobre a renda de corporações estrangeiras e bancos, que transformou o país, desde os anos 1990, num bordel fiscal.
QUEBRADEIRA
De acordo com o jornal inglês “Guardian”, no dia 30 de setembro – a “quinta-feira negra” -, o governo de Dublin revelou que, no pior cenário, a conta do Anglo Irish seria de 29 bilhões de euros – o equivalente a um-quinto do PIB do país -; sendo que já recebeu 23 bilhões de euros para ficar à tona. Outro banco, o “Allied Irish”, precisa de mais 3 bilhões de euros até o fim do ano, além dos 7,4 bilhões de euros já injetados.
O ministro inglês das Finanças, George Osborne, declarou que Londres estava “pronta” para ajudar a Irlanda. O comissário de Assuntos Econômicos da Europa, Olli Rheb, confirmou esse apoio. “É natural, porque a Grã-Bretanha e seus bancos têm uma exposição muito significativa na Irlanda”. Há uma “interconexão muito forte” do setor financeiro dos dois países, acrescentou, se referindo especialmente ao RBS e ao Lloyd’s. Na terça-feira, o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, advertiu que a União Europeia estava sob “uma crise de sobrevivência” devido às dificuldades enfrentadas pelo euro.
ANTONIO PIMENTA
Delfim sobre guerra cambial: ‘Cada um que cuide dos seus interesses’
A política de extermínio dos EUA é tentar sair da crise invadindo as outras economias com suas mercadorias, liquidando a produção e a indústria
O objetivo central da guerra cambial dos EUA – isto é, da super-desvalorização do dólar, agudizada agora com a emissão de mais US$ 600 bilhões – ficou ainda mais claro com a declaração do chefe da assessoria econômica da Casa Branca, Austan Goolsbee, de que a intenção é dobrar as exportações do seu país em quatro anos (“aumentar dos atuais US$ 1,57 trilhão para US$ 3,14 trilhões em 2014. Será o maior aumento que um país já fez nas exportações”).
Daí esse dumping cambial alucinado, para, com a mera manipulação do dólar em relação às demais moedas, tornar os produtos norte-americanos mais baratos vis-à-vis àqueles produzidos em outros países. Em suma, a política dos EUA é tentar sair da crise invadindo as outras economias com suas mercadorias, liquidando a produção e a indústria local – portanto, também o emprego nos outros países.
Isso é, literalmente, uma política de terra arrasada em relação à economia dos outros países, ou seja, uma guerra de extermínio das outras economias para ocupar um “espaço vital” para as empresas dos EUA dentro de outros países, com uma população de escravos, isto é, desempregados, passando fome.
Na quinta-feira, a Fiesp divulgou o coeficiente de importação do terceiro trimestre deste ano. Ao final de setembro, 22,7% do consumo interno do país (incluído o “consumo industrial”, isto é, os insumos para as indústrias) já estava ocupado por importações. No trimestre anterior, essa parcela era de 20,7%. O resultado do terceiro trimestre é o maior desde que o índice é calculado. Isto é, nunca, em passado mais ou menos recente, as importações ocuparam tal fatia do consumo interno. Em 2003, a parcela do consumo suprida por importações era de 13,3% (os resultados de 1996 a 2009 podem ser consultados em “Análise Econômica do Comércio Exterior”, Derex/Fiesp, fevereiro/2010).
Em suma, com a desvalorização do dólar, há um processo acelerado de substituição da produção interna por importados. O vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, declarou:“nós estamos deixando de produzir no Brasil para importar máquinas prontas ou componentes de máquinas. Nós estamos criando emprego lá fora”. E não são apenas máquinas. Em outubro, 22% do consumo interno de aço, segundo o Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), já estava ocupado por importações, com queda de 7% na produção interna e estoques abarrotados nas siderúrgicas.
Em evento promovido pela Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP) para debater a recente reunião do G-20, todos os presentes coincidiram nessa avaliação, a começar pelo presidente do Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio, Paulo Rabello de Castro.
O ex-ministro Delfim Netto, tanto no evento da Fecomercio, quanto em vários artigos na imprensa, declarou que “é melhor colocar as barbas de molho e tomarmos medidas para nos proteger. É preciso um certo banho de realismo” e perceber que a reunião do G-20 significou: “cada um que volte para casa e trate de cuidar dos seus interesses”.
Mesmo um economista afeito ao neoliberalismo como Luiz Candiota, ex-diretor do Banco Central, disse que “será uma luta de cada um por si. Os EUA querem dividir a conta com o resto do mundo”.
“Dividir” não é, certamente, o verbo mais adequado, mas Candiota captou o espírito da coisa. Mais ainda o economista Antonio Correa de Lacerda, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), para quem“a principal medida para proteger a economia é reduzir os juros” que atraem enxurradas de dólares para dentro do país, catapultando a cotação do real – vale dizer, tornando mais caras as mercadorias produzidas internamente em relação às importações.
Correa de Lacerda mostra que não somente os EUA, mas também os países que estão se defendendo da guerra cambial – portanto, desvalorizando suas moedas e/ou com juros que não “atraem” tanto o dólar quanto os juros daqui – aumentam a drenagem de mercadorias para dentro do Brasil. Até setembro, as importações vindas da Europa haviam aumentado 54%.
“Seria ingênuo”, afirmou Correa de Lacerda em recente artigo, “deixá-lo [o câmbio] simplesmente oscilar ao sabor dos movimentos dos fluxos de capitais. Cada vez mais países estão instrumentalizando a sua política cambial como incentivo às suas exportações e de proteção à produção doméstica, assim como preservar emprego e renda. O juro alto agrava a valorização do real e suas consequências. Reduzir os juros ajudaria a conter a pressão pela valorização do real”.
Delfim Netto, que propõe baixar os juros para 2%, observou que os EUA “desde 2007, destruíram 10 milhões de empregos. Devido ao crescimento da população, para manter apenas o inaceitável nível atual de desemprego, de 9,6%, precisam criar 1,5 milhão de empregos por ano, ou seja, 125 mil por mês. Mesmo que haja uma rápida recuperação e a economia possa absorver 600 mil empregos por mês (que é o dobro da média dos anos 90!), serão precisos dois anos antes que se volte ao nível de 2007”.
A situação é, quase certamente, pior - a taxa de desemprego real é o dobro ou mais do que a oficial, referida por Delfim, numa situação em que as multinacionais norte-americanas estão com uma grande parte de suas fábricas em outros países: “os EUA pagam agora o preço de sua miopia. Aumentaram o emprego nas finanças e na habitação enquanto transferiam alegremente (graças à valorização do dólar) para a China suas fábricas e seus empregos industriais e para a Índia os do setor de serviços. Com a explosão das duas ‘bolhas’, no setor financeiro e no imobiliário, o emprego no primeiro talvez nunca se recupere, e o do segundo demorará muito tempo”.
Esta é uma excelente descrição da até recentemente tão incensada “globalização” - a suprema burrice no comando da economia dos EUA, se o leitor nos permite uma expressão mais popular.
“Uma coisa é certa”, disse Delfim. “Se a demanda interna nos EUA não se recuperou, só lhe resta a saída das exportações e a substituição do petróleo importado por biocombustíveis. Ele vai persegui-la com a desvalorização do dólar. Devemos ‘amarrar os cintos’ e aguentar a competição que vem por aí! Parece que com a taxa de câmbio de R$ 1,60 já podemos importar o etanol de milho dos EUA...”.
Na quinta-feira pela manhã, essa taxa estava em R$ 1,729. No evento da Fecomercio, o ministro Mantega afirmara que “não é bom ficar mexendo toda hora (?) no câmbio, vamos deixar ele se acomodar (??)”. E que “o real é uma das moedas que menos têm se valorizado frente ao dólar (???)”.
De onde ele tirou isso? Deve ter sido de algum informe do Meirelles...
CARLOS LOPES
13 de novembro de 2010
“Consenso de Seul” não resolve principais polêmicas do G20
Da redação, Luana Bonone, com agências
A reunião do G20 terminou nesta sexta-feira (12) em Seul, na Coreia do Sul. Apesar de ter aprovado acordos denominados “consenso de Seul”, em referência ao famigerado “consenso de Washington”, responsável pela implementação das políticas neoliberais de privatização e redução do papel do Estado nos países, a reunião não chegou a consensos importantes no sentido de reduzir a guerra cambial e sequer debateu a substituição do dólar como moeda de livre curso nas transações econômicas internacionais.
O presidente Lula defendeu alternativas ao dólar como moeda de referência global durante a reunião, e lembrou que os países que compõem o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) já estão debatendo o assunto. “Desde o ano passado, estamos chamando o BRIC para substituir o dólar nas transações. É um trabalho de convencimento”, comentou. Entretanto, o tema sequer foi pauta das discussões.
As polêmicas da reunião se concentraram em torno da valorização excessiva de algumas moedas nos chamados emergentes, com destaque para o real brasileiro, o que ameaça a indústria local e induz os países a reações unilaterais para proteger sua produção, evitando a valorização excessiva do câmbio. É isto que, conforme notou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, configura a guerra cambial.
Acordo firmado
O acordo apresentado pelos líderes ao final do encontro de dois dias reconhece as disputas e pede que os países se abstenham de promover as chamadas “desvalorizações competitivas” (perda do valor da moeda para favorecer os produtos de exportação do país).
Também reconhece o direito dos países emergentes, como o Brasil, de adotar políticas emergenciais para mitigar os efeitos de desvalorizações nas moedas dos demais países e sugere a adoção do câmbio flutuante como melhor sistema.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou Seul imediatamente após o final da reunião e não deu declarações, mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, se disse satisfeito com o acordo, apesar de reconhecer que ele não acaba com a chamada guerra cambial, o que na verdade já era esperado, já que os interesses dos países são muito divergentes a este respeito.
Acordo ignorado
O acordo final da cúpula de Seul não difere substancialmente da resolução adotada após a reunião entre ministros de Finanças e presidentes dos Bancos Centrais do G20, no mês passado, também na Coreia do Sul. Dificilmente terá efeito importante na redução da guerra cambial.
O entendimento firmado após a reunião ministerial preparatória não impediu, por exemplo, que o Fed (o banco central americano) anunciasse, na semana passada, a injeção de US$ 600 bilhões para aquecer a economia local, o que pode levar a um enfraquecimento do dólar em relação às demais moedas. O anúncio do Fed colocou os Estados Unidos na linha de tiro das críticas na guerra cambial.
Países como o Brasil criticam a decisão americana por entender que, sem uma política de investimentos e incentivo ao consumo interno, ela levará ao aumento do fluxo de recursos para os países emergentes, que oferecem juros mais altos e rentabilidade maior nas bolsas, provocando pressões para a elevação do valor da moeda e da inflação.
Os emergentes, muitos dos quais possuem hoje grandes quantidades de reservas internacionais em dólar, reclamam também que uma desvalorização da moeda americana reduz por consequência o valor de suas reservas.
A guerra continua
“Absolutamente não acabou a guerra cambial, mas pelo menos ela passou a ser discutida, coisa que não era, e com isso poderemos usar instrumentos para mitigar seus efeitos”, afirmou Mantega.
Embora não tenha logrado o estabelecimento de uma proposta acerca da substituição do dólar como moeda referência, ao menos o acordo também não contemplou a proposta que havia sido feita pelos Estados Unidos, de que a questão fosse discutida pelo lado de seus efeitos no comércio – o governo americano queria o estabelecimento de limites para os superávits e déficits comerciais dos países.
A proposta americana tinha grande oposição da China e da Alemanha, os dois maiores exportadores do mundo e países com grandes superávits. O acordo estabeleceu um prazo até o final do próximo semestre para que os países indiquem suas medidas para buscar a redução dos desequilíbrios entre superávits e déficits.
“É importante que os conflitos foram reconhecidos, principalmente dos desequilíbrios das balanças de pagamento entre os países e os desequilíbrios de câmbio. Isso foi reconhecido oficialmente e é um avanço muito grande”, afirmou Mantega.
Rodada Doha
Apesar do fracasso na questão cambial, houve mostras de consenso na cúpula sobre uma possível conclusão da rodada Doha para a liberalização do comércio internacional, paralisada desde 2008.
Os líderes concordaram com a existência de uma “janela de oportunidade”; para um acordo global na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2011.
Segundo fontes que acompanharam os debates, vários líderes discursaram com entusiasmo a favor de um acordo, que segundo eles poderia ajudar na superação da crise global por meio do aumento do comércio internacional.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria apontado o fato de que um acordo esteve muito próximo de ser fechado em 2008, mas acabou não acontecendo por causa das resistências da Índia e dos Estados Unidos.
Já o líder americano, Barack Obama, afirmou porém que está pronto para fazer as concessões necessárias para que o acordo da rodada Doha seja fechado.
O premiê britânico, David Cameron, por sua vez, teria citado estudos que mostrariam um incremento anual de US$ 170 bilhões nas trocas internacionais com um possível acordo para afirmar que a rodada Doha deve ser concluída o quanto antes, se possível até mesmo antes do prazo colocado no comunicado do G20.
“Consenso de Seul”
Um ponto considerado positivo pelo ministro Guido Mantega é o “Plano de Ação de Seul”, uma série de sugestões de caminho para a retomada do crescimento da economia mundial. Entre os pontos de ação sugeridos está o estímulo à demanda doméstica para o aumento do consumo interno.
A sugestão atende o desejo dos países emergentes, que argumentam terem conseguido resistir à crise global com essa receita e que mercados consumidores deprimidos nos países desenvolvidos podem levar a uma nova crise.
O plano exposto no documento final da cúpula já vem sendo chamado de “Consenso de Seul”, em referência ao Consenso de Washington, adotado nos anos 1990, e que pregava as privatizações e a redução do Estado como motores do crescimento econômico.
Ilusões sobre o G20
O ministro brasileiro apresentou confiança quanto ao papel desempenhado pelo G20. A importância que o governo federal dá ao grupo vem da conquista de participação em fóruns desta natureza, antes restritos a 7 e depois a 8 países (os antigos G7 e G8). O otimismo do governo federal em relação ao G20 passa por uma disposição para disputar a construção de uma nova ordem mundial, multilateral, que reduza o papel central que tem hoje a economia norte-americana no planeta.
A cúpula de Seul foi, entretanto, alvo de novo protesto dos movimentos sociais na Coreia do Sul na quinta-feira (11), que apresentaram em sua pauta estabilidade no emprego, distribuição mais justa da riqueza, fim de acordos de livre comércio da União Europeia e dos EUA com a Coreia e reivindicaram ainda que os bancos não sejam resgatados com o dinheiro público. As pautas são justas e a concepção dos movimentos é acertada, pois o G20, em que pese ser mais amplo que as cúpulas precedentes (G7 e G8), é, da mesma forma, um grupo fechado e excludente.
Mesmo aos países que participam do grupo, há limitações acerca de suas deliberações. Apesar do elogio do ministro ao texto final da cúpula, as propostas anunciadas pelo governo brasileiro nos últimos dias, como o abandono do dólar como moeda de referência para as transações internacionais ou a criação de um índice do Fundo Monetário Internacional (FMI) para medir possíveis manipulações para desvalorizações cambiais, por exemplo, não chegaram a ser discutidas.
O G20 foi criado em 1999 por iniciativa dos EUA, com a intenção de cooptar os chamados “países emergentes” em apoio à política das potências capitalistas reunidas no antigo G7. Não se deve esperar muito de tal fórum.
Site Vermelho.org
O Brasil através do Censo
Luiz Antonio Pinto de Oliveira8 de outubro de 2010 às 15:55h
O Censo deve mostrar que a taxa de fecundidade é de 1,9 filho por mulher brasileira, abaixo da considerada taxa de reposição da população, que é de 2,1. Foto: Tuca Vieira/Folhapress
Criado no período imperial, os indicadores dos estudos ajudam a conhecer e melhorar o País
Contar a população de um determinado território, fosse ele uma municipalidade, capitania, província ou reino, foi desde sempre um desejo e decisão efetiva de variadas autoridades ao longo da história. Conhecer sua população equivalia a conhecer os efetivos que poderiam ser mobilizados para a guerra e os recursos que poderiam ser extraídos em favor dos objetivos dos poderes locais ou centrais.
Em perspectiva histórica, as estatísticas e atividades de sistema censitário estão ligadas às primeiras formações dos Estados clássicos na Antiguidade. Eram utilizadas para mensurar e estipular a cobrança de tributos, recrutamento militar, ações administrativas. Sua importância foi, em diversos períodos, fundamental para os poderes existentes, mas não se chegou a formular ou consolidar métodos padronizados e precisos para a contagem e caracterização das populações.
Com a formação dos Estados Nacionais modernos, após a Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, as necessidades das sociedades mais complexas, do comércio mundial e dos objetivos econômicos das nações determinaram um salto de qualidade nas atividades censitárias, que ganharam status científico e metodologias que buscavam refletir a dinâmica do conjunto dos fenômenos sociais. Estavam, a partir daí, maduras as condições para o surgimento- dos sistemas- estatísticos modernos e dos grandes Censos nacionais. Inglaterra, França e Alemanha são precursores.
No Brasil colonial, contagens populacionais foram realizadas sem regularidade ou critérios bem definidos. Também as paróquias católicas tinham enumerações populacionais por meio de seus registros de batismo, sepultamento e casamento.
Durante o Império, momento em que se dá a formação inicial do Estado Nacional e, sobretudo, após a consolidação do governo de dom Pedro II, cogitou-se um levantamento nacional que refletisse, pela primeira vez, um retrato do povo brasileiro. O Brasil era então uma nacionalidade ainda em construção, com sua unidade não inteiramente estabelecida, permeada por processos contraditórios de integração e fragmentação. Após algumas tentativas pioneiras nos anos 1850, o Império criou a Diretoria- Geral de Estatística (DGE) e, em 1872, realizou o primeiro Censo Demográfico geral no Brasil.
Esse levantamento indicou que a população recenseada já se aproximava do patamar de 10 milhões de habitantes. Os níveis educacionais eram extremamente baixos: cerca de 80% de analfabetos. As populações residentes nas atuais regiões Sul, Norte e Centro-Oeste eram pouco numerosas. Os principais contingentes demográficos nas províncias chamadas do Norte (atual Nordeste) e no eixo Minas-Rio de Janeiro-São Paulo.
O Censo de 1872 é o único da história que contabiliza o contingente de população escrava, que declinava à época. Ele também introduz a pergunta sobre a cor da população, cujos resultados preocupariam a elite imperial, que, nos anos seguintes, questionariam o destino da nação com base em questões raciais.
Com a Proclamação da República, em sua primeira fase até 1930, foram realizadas mais três Censos gerais, respectivamente em 1890, 1900 e 1920. Na virada do século XX, a população brasileira já ultrapassava os 17 milhões de pessoas, crescendo a taxas elevadas em razão da imigração estrangeira para São Paulo e estados do Sul.
A República Velha, a partir da articulação da política dos governadores, caracterizou-se por um enfraquecimento do poder central a partir da aliança política das elites regionais, sobretudo a mineira e a paulista. Em 1920, a população já superava os 30 milhões.
CRIAÇÃO DO IBGE
A Revolução de 1930 significou uma profunda mudança na organização político-administrativa do Brasil. A ordenação federativa passou a ser bastante centralizada na figura do presidente Getúlio Vargas, que criou diversos instrumentos de política institucional, regulação e intervenção na economia e nas relações sociais. A adoção de políticas econômicas demandava a existência de informações estatísticas regulares e, razoavelmente, atualizadas sobre o Brasil. Nesse sentido, a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir de 1936, inseriu-se no projeto de um governo central com políticas ativas na direção da integração nacional.
O Censo Demográfico de 1940, o primeiro realizado sob a égide do IBGE, inaugurou a era moderna dos Censos no País. Sua preparação contou com a participação de profissionais qualificados, membros de uma renovada carreira de servidores públicos. A relação de questões investigadas inclui quesitos sobre as componentes demográficas (nascimentos e mortes), origem migratória, condições socioeconômicas (domicílio, educação, mão de obra) aspectos ligados ao território e nacionalidade (línguas faladas, por exemplo) e outras que fornecem informações para políticas públicas e regionais. A partir daí, dispõe-se de uma série censitária (decenal) das medidas demográficas, que se tornaram os índices oficiais de população no Brasil. O Censo de 1940 acabou tornando-se exemplo para Censos em outros países, especialmente na América Latina. A pesquisa de 1940 também revelou que quase 70% da população do Brasil, que chega a 41 milhões de pessoas, vivia em áreas rurais. A população do estado de São Paulo ultrapassou a de Minas Gerais.
Nos anos seguintes, as atividades censitárias tomaram mais impulso com a implantação da série dos Censos econômicos (indústria e comércio) e agropecuária.
ERA JK
Nos anos 50, o modelo desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubistchek afirmou-se no País, com uma clara hegemonia das frações urbano-industriais na arena das decisões políticas e econômicas. A fundação da nova capital, Brasília, canalizou parte dos vários movimentos e fluxos no sentido da “marcha para o Oeste”, revelando ao Brasil todo a emergência e a diversidade de novos espaços demográficos, culturais e socioeconômicos.
Nas décadas de 50 e 60 o País toma conhecimento das realidades regionais e os quadros dramáticos do êxodo rural, do latifúndio e da pobreza. As lutas sociais avançam no campo e nas cidades, e a Região Nordeste aparece como problema. Os números do Censo demográfico revelam o quadro dramático das migrações, a identificação do crescimento populacional nas grandes capitais do Centro-Sul e as deficiências de infraestrutura. Paralelamente, políticas desenvolvimentistas reforçam o parque industrial localizado na Região Sudeste, sobretudo, em São Paulo, e contribuem para exercer um poder ainda maior de atração de migrantes vindos do Norte-Nordeste e Minas Gerais.
Segundo o Censo de 1960, a população rural ainda era superior à urbana (55,3%), mas já indicava que a população urbana seria maior até o Censo de 1970 – de fato, 55,9% da população brasileira já residia em áreas urbanas na virada da década.
A controvérsia sobre a distribuição de renda, talvez seja o ponto mais lembrado do Censo de 1970. A repetição da pergunta sobre os rendimentos feita em 1960 e a comparação dos dois pontos temporais, estabeleceu um amplo e abrangente debate sobre as políticas econômicas e sociais e os processos de distribuição e concentração de renda no Brasil. Em tempo de regime militar, os resultados geraram debates centrados nos aspectos perversos da concentração de renda. Surgiram questionamentos e criou-se o pilar para a construção de cenários para um futuro social politicamente mais justo.
O progressivo esvaziamento político do regime militar, iniciado em fins dos anos 70, representou um deslocamento do foco de atenção das políticas de Estado. Nos “anos de chumbo” e no período desenvolvimentista do governo Ernesto Geisel, as estatísticas eram direcionadas para a produção de dados e indicadores com vistas a um planejamento socioeconômico centralizado.
Já na redemocratização, o IBGE defrontou-se com novas agendas técnicas e temáticas, conjugadas com as exigências democráticas de transparência e acessibilidade. Novos temas foram incorporados à pesquisa. Nos primeiros anos da Nova República, a crise financeira do Estado e a expansão desregulada da globalização fizeram o Brasil mergulhar em situações de crise política e financeira, com acentuada inflação. O IBGE vivenciou dificuldades institucionais, culminando com o adiamento do Censo de 1990 para o ano seguinte. Posteriormente, com a estabilidade monetária e um novo consenso político a partir de 1993/1994, o IBGE regenerou-se.
Importante ressaltar que os Censos de 1980, 1991 e 2000 confirmaram o seu peculiar processo de transição demográfica, com rápido declínio dos níveis de fecundidade e de crescimento demográfico, aumento da esperança de vida, redução do tamanho da família e progressivo movimento de envelhecimento populacional.
O retrato do País passou também a caracterizar profundamente questões étnicas e culturais. As informações sobre cor/raça, reintroduzidas em 1980, alimentaram durante as décadas recentes o debate sobre a questão racial no Brasil. Em 1991, foi estabelecida a caracterização específica da população indígena e, na comparação com os resultados do Censo 2000, estudos detalhados foram feitos sobre a evolução dessa população. Da mesma forma, a série censitária recente sobre a opção religiosa dos brasileiros vem revelando o crescimento das religiões- evangélicas e redução dos católicos.
Para o Censo 2010, teremos uma imagem territorial completa do crescimento e distribuição da população brasileira, fundamental para as políticas regionais e setoriais. O País vem crescendo demograficamente a ritmo declinante, com uma taxa hoje ligeiramente superior a 1% ao ano (na década de 50, o crescimento era de 3% ao ano, o que dobrava a população a cada 24 anos) e vários municípios perdem população para os chamados municípios médios e grandes, que são polos de atração por razões econômicas e de oferta de serviços (saúde, educação, cultura, assistência etc.).
Luiz Antônio Pinto de Oliveira
Anatomia de um povo desprezado
Na Europa cristã, os ciganos foram estigmatizados por lendas, como a de serem descendentes de Caim, entre outras. Foto: Olga Vlahou
Atuais restrições aos ciganos na Europa Ocidental são consequência do preconceito antigo contra uma população associada ao nomadismo
Por Helion Póvoa Neto, Professor da UFRJ e Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM)
Os ciganos por vezes aparecem como povo “à parte”, não pertencente a nações territoriais, com vida nômade ou seminômade, provocando estranheza numa sociedade com valores associados à sedentarização, como a Europa.
Junto disso, é bom lembrar que, na sociedade moderna, pessoas partem em busca de novos lugares para viver e se estabilizar, por causas econômicas, políticas e religiosas. São as migrações.
Ao mesmo tempo, há movimentos associados à “errância”, ao nomadismo ou à incapacidade de estabelecer relações duradouras com os lugares e as formas de trabalho mais tradicionais, que são fortemente estigmatizados, levando a iniciativas de assimilação ou sedentarização forçada. Os povos ciganos já foram alvo de tais processos, embora muitos mantenham seu estilo de vida característico. Costumam atuar em ofícios ligados à arte e às atividades mágicas, com uma existência tida como “aventureira”, suscitando atitudes ambíguas da parte dos que vivem em sociedades não nômades.
Tem sido este o tom do relacionamento das sociedades ocidentais com os ciganos ao longo da história, desde que apareceram no continente europeu, causando, ao mesmo tempo, curiosidade e medo. Não havia registros escritos sobre sua origem e história. Paralelamente, praticavam uma cultura de transmissão oral, em uma língua incompreensível e cheia de segredos para os ocidentais.
O nome com que passaram a ser conhecidos já revela esse aspecto. Identificando-se como refugiados do Egito muçulmano, favoreciam a associação entre “egípcios” (égiptiens, egyptians, egitanos) e os nomes gitans, tsiganes em francês, gypsies em inglês, gitanos em espanhol, ou ciganos em português. Muitos ciganos consideram tais nomes pejorativos e, mesmo sem consenso, preferem a designação de povos romani, rom ou roma.
A chegada à Europa
Sendo o continente europeu fundamentalmente cristão, especulações sobre a origem dos ciganos apoiaram-se em escritos bíblicos. Já foram qualificados como amaldiçoados, condenados a vagar pelo mundo por descenderem de Caim, por terem negado abrigo a José e Maria na volta do Egito ou por haverem forjado os pregos usados para a crucificação de Jesus Cristo.
Vale notar a semelhança com lendas referentes a outro grupo, os judeus, também associados à errância, a uma “culpa original” e ao exercício de ofícios diferentes daqueles dos cristãos. Séculos mais tarde, tidos como “sem pátria”, os dois grupos seriam vítimas do Holocausto na Alemanha nazista.
As conclusões já aceitas sobre os ciganos baseiam-se em registros escritos e nas línguas e dialetos romani, que foram assimilando características das regiões pelas quais passavam.
A explicação mais aceita aponta para a península indiana como área de origem, com a saída ocorrendo na Antiguidade. Textos e imagens de época registram a chegada e passagem de músicos e outros trabalhadores indianos à Pérsia (atual Irã) entre os séculos III e V de nossa era. Outros registros históricos documentam um movimento progressivo, rumo ao Ocidente, de grupos nômades com origem indiana.
No século XIV, a presença dos ciganos começou a se fazer notar na maior parte da Península Balcânica, onde hoje estão Croá-cia, Sérvia, Bulgária e Romênia. Nessas regiões registram-se também os primeiros sinais de escravização de ciganos, um fenômeno que ocorreria até o século XIX em boa parte do Leste Europeu.
Estigma e Violência
As guerras e as crises agrárias na Europa, entre o fim da Idade Média, haviam deixado senhores de terras sem trabalhadores, o que acarretou uma legislação contra a vagabundagem e a errância, visando compelir as pessoas ao trabalho. Os ciganos, com pele mais escura, sem vínculos a nenhuma nação reconhecida e parecendo “naturalmente” nômades, foram as maiores vítimas. Eram alvos também para a Igreja Católica, preocupada com formas de magia (a leitura de mãos e a previsão do futuro).
Assim, ao mesmo tempo que os ciganos chegavam à Europa Ocidental, por volta do século XV, as atitudes discriminatórias se acentuavam. Mesmo onde não havia escravidão, ser reconhecido como cigano ou judeu equivalia a ser criminoso e ao trabalho nas galés (prisões). Nobres, reis e papas buscavam submeter os nômades vistos como irredutíveis ou indesejáveis. O papa Pio V incitou os governos de Portugal, Espanha e França a expulsar ciganos das áreas católicas para África e América. Em alguns casos, os próprios ciganos tomaram a iniciativa de emigrar para o Novo Mundo, seguindo os judeus que se cristianizavam e fugiam das perseguições na Europa.
No século XVIII, permaneceram tentativas de sedentarização forçada e erradicação das línguas romani. Muitos, porém, permaneceram nômades: viviam de transporte e a venda de animais, comércio em mercados temporários, trabalho como músicos e artistas de circo, leitura de mãos e adivinhação da sorte nas cidades.
Em alguns países, tiveram uma relativa estabilidade e integração às sociedades locais, como na Espanha, onde a cultura flamenca é praticada por ciganos e reconhecida como um símbolo de identidade nacional.
No Leste Europeu, onde ciganos representam porcentagem significativa da população em países como a Romênia e a Bulgária, permanece predominantemente o grupo rom, ou roma, que pratica a língua romani e apresenta diversos subgrupos.
A partir do século XIX, as atitudes quanto aos ciganos estabilizaram-se, na Europa, persistindo a discriminação, mas com um crescente interesse em sua linguagem, música e cultura. As leis anticiganos tendiam a ser abolidas, juntamente com a servidão e a escravidão no Leste. O espírito romântico nas artes voltou-se muitas vezes para os ciganos.
Da sedentarização ao extermínio
A relação entre ciganos e povos europeus voltou a ser violenta com o governo nazista da Alemanha. Manifestações de intolerância surgiram na década de 1920, quando leis pronunciavam ciganos e judeus como “raças estrangeiras” de sangue “impuro” e ameaçadoras ao projeto de pureza racial alemã.
Classificados como criminosos, alheios à “sociedade normal”, foram deportados à Polônia, aprisionados em campos de concentração e submetidos, de 1943 a 1945, à chamada “solução final”, com o extermínio de 200 mil a 800 mil ciganos.
No pós-Segunda Guerra Mundial, os ciganos do Leste Europeu, habitantes dos países do bloco socialista, estiveram sujeitos a projetos de assimilação e sedentarização- forçada. O nomadismo sofreu interdições, e a escolarização tornou-se obrigatória, com negação do estatuto de minoria étnica e linguística. A sedentarização foi atingida, mas em geral a assimilação fracassou: ressentimentos e preconceitos entre ciganos e não ciganos existem até hoje.
A abertura da União Europeia
Durante a Guerra Fria, ciganos do Leste Europeu eram proibidos de viajar. Porém, na década de 1960, ocorreu uma vinda de ciganos, principalmente da antiga Iugoslávia, para países ocidentais.
A grande mudança nos fluxos aconteceu a partir de 1989, com a queda dos regimes socialistas e a migração, em massa, de grupos acalentados pelo sonho do “Ocidente próspero” e receptivo à imigração. Juntando-se a outros não ciganos do Leste, milhares de roma deslocaram-se legal ou ilegalmente.
A partir de 2004, ingressaram na União Europeia países com considerável população cigana, como Hungria, Eslováquia, República Tcheca. Em 2007, aderiram também Bulgária e Romênia.
O problema dos ciganos confunde-se com a rejeição aos imigrantes em geral, e também com o tema político, extremamente sensível, o da expansão da UE rumo ao Leste. Outros países com consideráveis contingentes de ciganos são também candidatos ao ingresso, como Sérvia e Turquia.
A União Europeia foi pensada como um espaço comum de circulação, com eliminação do controle de fronteiras para os países participantes. Todavia, os habitantes dos últimos países a entrarem na UE não são ainda membros plenos, o que têm repercussões para a situação dos imigrantes do Leste nos países europeus ocidentais.
As iniciativas recentes de deportação de ciganos romenos e búlgaros pela França, com ameaças em outros países, podem ser entendidas nesse contexto. A situação de “sem domicílio fixo” de boa parte dos ciganos e a alegação de constituírem risco para a ordem pública também aparecem como justificativas. A criminalidade é frequentemente alegada como razão para o estigma da comunidade. Porém, a situação de rejeição parece ser também uma causa para a restrição das opções de trabalho e sobrevivência para os ciganos.
A história mostra que responsabilizar todo um povo, cultura ou etnia, por problemas sociais mais amplos, pode ter consequências graves. Notícias recentes quanto a um “cadastro étnico” que a polícia francesa teria elaborado para os ciganos evocam perigosamente iniciativas semelhantes já mencionadas, e causam temores quanto ao que podem prenunciar.
A situação dos ciganos alerta a todos nós para os riscos da busca dos “culpados mais fáceis”, numa Europa que valoriza a diversidade cultural e tem como um de seus princípios a livre circulação.
Os Ciganos no Brasil
No século XVI, os primeiros ciganos desembarcaram na Colônia, provavelmente ibéricos degredados. Há registros também da presença de ciganos na região das Minas Gerais no século XVIII, em geral acusados de “desordeiros”. No Rio de Janeiro, alguns ciganos enriqueceram com o comércio de escravos.
No século XIX, outros grupos começam a chegar, em meio à política de abertura à imigração europeia. Tidos como indesejáveis pelos oficiais de imigração na maioria dos países, ocultavam sua condição tanto às autoridades dos locais de partida quanto às dos países de chegada. Assim, mesmo sem identificação precisa, nos séculos XIX e XX, o Brasil recebeu ciganos em meio aos fluxos de imigração alemã, italiana e do Leste Europeu.
Essa falta de identificação no processo migratório explica a imprecisão das estimativas atuais quanto ao número de ciganos e descendentes em território brasileiro. Com exceção de alguns grupos no interior do País, atuando como artistas de circo, comerciantes e ferreiros, a comunidade cigana é bem pouco visível na sociedade brasileira.
A recente valorização da identidade cigana, em novelas de tevê, em grupos de música e dança, estimulou alguns a se assumirem ou redescobrir suas “raízes ciganas”, embora o preconceito e as associações negativas ainda persistam. Um exemplo de origem cigana pouco conhecida é o de Juscelino Kubitschek de Oliveira, presidente da República (1956-1961), neto de um imigrante do império austro-húngaro que chegou a Diamantina (MG) em meados do século XIX.
Carta na Escola
8 de novembro de 2010
4 de novembro de 2010
ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (DESTAQUES)
1) Noruega: 0,938
2) Austrália: 0,937
4) Estados Unidos: 0,902
45) Chile: 0,783
46) Argentina: 0,775
55) Arábia Saudita: 0,752
70) Irã: 0,702
73) Brasil: 0,699
Expectativa de vida ao nascer: 72,9 anos*
Média de anos de escolaridade: 7,2 anos
Rendimento nacional bruto (RNB) per capita (em 2008): US$ 10,6 mil
79) Colômbia: 0,689
89) China: 0,663
110) África do Sul: 0,597
167) Níger: 0,261
168) República Democrática do Congo: 0,239
169) Zimbábue: 0,140
Novo site abordará Conselho de Segurança das Nações Unidas
Já se encontra disponível na Internet um novo site sobre o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O website, criado pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) em uma parceria como o Laboratório de Direitos Humanos da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com eventuais colaborações do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, fornece as principais informações sobre o Conselho de Segurança da ONU.
Na página, os usuários encontram informações atualizadas sobre as funções e atribuições do Conselho, resoluções, agenda das reuniões, quem são os membros permanentes e os não-permanentes, e notícias sobre o que está sendo discutido no âmbito do Conselho. O site também destaca a atuação do Brasil no organismo internacional, do qual é um dos dez membros não-permanentes, cargo que assumiu para o biênio 2010/2011. As intervenções do Brasil no Conselho encontram-se disponibilizadas na página e lá os usuários poderão conhecer melhor a posição brasileira em assuntos relacionados à manutenção da paz global.
Esta é a única fonte de informações sobre o assunto disponível em português – sétimo idioma mais falado no planeta – e pretende atingir os 240 milhões de pessoas que falam a língua e que vivem basicamente em oito países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
“Este novo projeto permitirá, pela primeira vez, a toda a comunidade de língua portuguesa ter acesso a informações atualizadas em português sobre o histórico, missão, estrutura e, mais importante ainda, o trabalho realizado diariamente pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas na procura pela paz e segurança internacionais”, afirma Giancarlo Summa, Diretor do UNIC Rio de Janeiro. (FONTE: UNIC-Rio)
Conheça o novo site aqui.
Nelson Jobim sobe tom de críticas aos EUA e protege o pré-sal
RIO - O Brasil não conversará com os Estados Unidos sobre a possibilidade de criar uma "Bacia do Atlântico", ligando o oceano Sul ao Norte, até que a potência passe a referendar a Convenção do Mar, da Organização das Nações Unidas (ONU). A afirmação foi feita pelo ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim.
Em tom bastante crítico em relação aos EUA, Jobim disse que os direitos brasileiros sobre os fundos marinhos que garantem a exploração do pré-sal, dentro da margem de 350 milhas a partir do litoral, decorrem da Convenção do Mar. E, por isso, "só é possível conversar com um país que respeite essa regra".
Acadêmicos americanos sugeriram ao Brasil que se criasse uma soberania compartilhada sobre o Atlântico, "apagando" a linha entre o Atlântico Sul e o Atlântico Norte. No entanto, Jobim questionou sobre quais seriam os termos desse acordo.
"Me pergunto: qual é a soberania que os Estados Unidos querem compartilhar? Querem compartilhar também a deles ou só querem compartilhar a nossa?", indagou Jobim, diante de uma plateia de militares na VII Conferência de Segurança Internacional do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro.
A dois meses do fim de seu mandato, Jobim subiu bastante o tom das críticas aos Estados Unidos e disse que, apesar de o Brasil amar a paz, isso não significa "incapacidade de defender os seus interesses". Ele afirmou não ter planos para participar do governo de Dilma Rousseff, que se inicia a partir de janeiro.
O ministro foi ponderado ao dizer que o Brasil pode ter relações com os Estados Unidos, mas frisou que a "Defesa sul-americana quem faz são os sul-americanos". Em tom bastante crítico à postura da potência do Atlântico Norte em relação ao resto do mundo, o ministro da Defesa disse ser evidente que os "sul-americanos não serão parceiros dos Estados Unidos para que eles mantenham seu papel no mundo".
Para criticar a postura ofensiva dos EUA, o ministro citou a interferência do país sobre a China, a Rússia e, principalmente, sobre a Europa com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). E seria justamente esta inserção americana na OTAN que tornaria a realidade da América do Sul mais contrastante com a da Europa.
Durante a palestra, o ministro chegou a dizer, por exemplo, que o único resultado que o embargo econômico a Cuba teve foi produzir um país "orgulhoso, pobre e com ódio dos Estados Unidos". "A política internacional não pode ser definida a partir do que convém à América do Norte", ressaltou.
O ministro afirmou que o Exército brasileiro "não pode, não deve" aliar-se a exércitos que não aceitem ser comandados por outras forças, como a ONU. Isso faz com que os EUA não participem das ações humanitárias da ONU, por exemplo.
Jobim aproveitou o contexto para dizer que há uma relação assimétrica entre os países detentores de armas nucleares e os não detentores, que encontraram, em sua opinião, dificuldades de desenvolver tecnologia para o fornecimento de energia elétrica a partir de usinas nucleares.
Ele lembrou da crise energética vivida pela Venezuela antes da decisão de desenvolver energia elétrica nuclear. "Essa atitude é aplaudida pelo Brasil, porque foi isso que o Brasil fez", disse.
(Juliana Ennes | Valor)
Jeffrey Rubin: As raízes do sucesso do Brasil
As raízes do sucesso do Brasil
2/11/2010, Jeffrey W. Rubin*, Huffington Post – The Roots of Brazil’s Success
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu e disseminado pelo Castor Filho
A importante e sólida vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais do domingo passado confirma a exemplar trajetória do Brasil, a partir da ditadura militar dos anos 1970s, até se converter na pujante democracia que é hoje. Exportações em expansão, eleições disputadas com plena transparência, e índices entusiasmantes de redução da pobreza, o Brasil continua a dar passos importantes no caminho de tornar-se potência mundial. E domingo o Brasil elegeu uma mulher, ex-combatente da resistência à ditadura e membro do Partido dos Trabalhadores, de tendências de esquerda. Tudo isso faz do Brasil moderno uma história de desenvolvimento bem sucedido em plena era da globalização, pleno de conteúdo político e de importantes lições históricas.
Um hemisfério com mais países com trajetória semelhante à do Brasil pode alterar todo o mapa geopolítico do mundo. A América Latina está demonstrando que democracia e respeito crescente aos direitos humanos podem conviver em harmonia com crescimento econômico – se houver projeto para incluir os mais pobres e as minorias. Nasce aí um projeto de desenvolvimento com características seculares e de não-violência, que pode ganhar impulso global.
Se esse projeto tiver de nascer e prosperar sem a dominação dos EUA, mas com os EUA como base complementar de poder político e cooperação econômica ao sul do canal do Panamá, então o projeto de modernidade secular pode ser resgatado do controle histórico que EUA e a Europa sempre tiveram sobre ele. De fato, ao promover a União das Nações Latino-Americanas (Unasul) e ao oferecer suporte econômico para os vizinhos Bolívia e Paraguai, o presidente Lula, que ainda governa, já deu passos significativos naquela direção, com o que o país já está plenamente qualificado para ocupar lugar no Conselho de Segurança da ONU.
(…) Vários analistas lembram que é preciso tempo para aprofundar reformas que, afinal, reduzam a desigualdade, melhorem a educação e controlem a destruição do meio ambiente. Mas só o crescimento econômico já ajudou a melhorar os padrões de vida dos mais pobres e liberou o governo propriamente político para, afinal, começar a cuidar dos problemas de raiz. Resultado disso, economistas, políticos e especialistas em política latino-americana e brasileira nos EUA já começam a projetar para o futuro os sucessos que o Brasil já alcançou. Vários têm partido da experiência bem-sucedida no Brasil, para extrair dessa experiência a lição de que a globalização pode ser dirigida – por tecnocratas democraticamente empenhados e comprometidos com governos democráticos – para que produza, ao mesmo tempo, ganhos mensuráveis nos lucros das exportações e estabilidade eleitoral.
Mas seria ingenuidade supor que alguma economia crescerá por muito tempo antes da próxima crise econômica. E tampouco se deve imaginar que algum novo sistema democrático tem décadas de tempo para reduzir a miséria e a violência antes do próximo levante, da próxima onda de violência, ou da próxima intervenção militar suposta necessária para impor a ordem. Por isso é tão importante entender as origens do sucesso do Brasil, para que se construam políticas que permitam que as reformas econômica e política sejam reformas sustentáveis.
O Brasil é hoje uma história de sucesso na América Latina por várias razões que raramente se avaliam adequadamente.
Primeiro, a transição até a democracia, no Brasil, foi acompanhada por inúmeros e importantes movimentos de base, em vários casos, movimentos de ativismo radical. Aquele ativismo modelou a Constituição aprovada em 1988, que garante a descentralização de recursos e a participação dos movimentos sociais na construção das políticas. Amplos movimentos feministas, pela preservação do meio ambiente, pela distribuição de terras, pela agricultura familiar, de defesa das minorias homoafetivas, e os movimentos de favelas nos centros urbanos, que se espalharam pelo Brasil nos anos 1980s e 1990s também ajudaram a modelar profundamente o modo como os cidadãos brasileiros se foram democratizando e redemocratizando – como que para mostrar também a eles mesmos que a discussão política se fazia nas ruas, tanto quanto nas instituições formais, e que era preciso agir simultaneamente nas duas frentes.
Segundo, a transição brasileira para a democracia foi “gradual”, iniciada ainda no período em que os militares permaneciam no poder, pela emergência de um novo partido político, o Partido dos Trabalhadores (PT). Muito significativamente, o PT autodefiniu-se como partido de esquerda radical, mas que, já de início, rejeitou o leninismo e o comando político de URSS e de Cuba. Desde o nascimento, o PT deu destaque às práticas democráticas – assembleias, debate e discussão antes de qualquer decisão partidária – na organização interna e nas arenas políticas municipais, estaduais e nacionais.
Terceiro, no plano econômico, a democracia brasileira foi fortalecida pelos governos do presidente Lula, que, ao mesmo tempo em que promoveu o desenvolvimento da infraestrutura, da indústria e da produção agrícola para exportação, também promoveu a produção de etanol e de petróleo, que tornou o país autossuficiente em termos de energia. Os governos centrais sempre tiveram papel crucial no planejamento da economia e dos investimentos desde os anos 1930s, quando teve início a industrialização e o país buscou maior autonomia econômica, como resposta à recessão mundial.
Essa presença do Estado na economia várias vezes produziu benefícios de longo prazo, embora com alguns revezes. Durante a ditadura militar, os generais promoveram a infraestrutura e parcerias entre o Estado, o setor privado e investidores estrangeiros. Essas intervenções do Estado brasileiro na economia levaram aos anos chamados “do milagre brasileiro”, mas que conheceram também os picos mais baixos da autoestima, da autovisão da “grandeza do Brasil”, quando o país passou a depender de petróleo importado e de empréstimos externos. Na direção oposta à dos governos que os antecederam, os governo Lula responderam com a autossuficiência energética e com o pagamento de tudo que o país devia ao Fundo Monetário Internacional, FMI.
Todos os democratas devem saber ver que, na bem-sucedida história recente do Brasil, a mobilização dos movimentos sociais e a proeminência de um partido de esquerda, com visão social, tiveram papel de destaque, desde os anos da ditadura, antes da chamada “democratização”, ao longo de quase 30 anos de eleições.
Também merece destaque o ativismo social e o desenvolvimento de um partido que nasceu das ruas para as instituições, e de posições anticapitalistas para a aceitação de mecanismos de mercado, sem exigir que todos os demais partidos fizessem o mesmo. A democracia brasileira ainda é marcada por tensões entre as soluções políticas e como avançar na direção do equilíbrio econômico sustentado sem perder de vista as metas de bem-estar social.
Os democratas também devem saber ver que o planejamento econômico do governo, no qual o Estado tem papel crucial no que tenha a ver com investimento e propriedade, produziu resultados benéficos, tanto no plano econômico quanto no plano político. Planejamento de longo prazo, compromisso e expertise em planificação do Estado assentaram as bases do ‘boom’ econômico de hoje. Esse processo sofreu uma interrupção nos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, professor com tendências marxistas que, contudo, nos anos 1990s abraçou teorias de livre mercado e privatizou vários setores da economia brasileira.
O processo pode, agora, sofrer outra inflexão, uma vez que a presidenta eleita Rousseff busca parceiros no setor do petróleo para financiar seus ambiciosos projetos educacionais e ambientais. Como já se viu acontecer com as mobilizações populares e a radicalização de um partido político, que abraçou ideias da esquerda, mas não as velhas soluções da esquerda, os brasileiros têm agora boa chance de prosseguir na construção de um ‘modelo’ que mistura políticas econômicas de diferentes tipos e mantém a tensão entre o setor privado e o setor estatal, que não perde o poder de iniciativa.
Nessa tensão, precisamente, está a força da democracia brasileira. E daí se podem extrair importantes lições para o futuro. A inclusão de cidadãos – pobres, mulheres, indígenas, negros, classe média, setor privado – mediante diferentes modalidades de participação política e produção econômica aprofundou e fortaleceu a democracia brasileira. Esses cidadãos agora integrados, por sua vez, esperam que venham as reformas que lhes dará melhores condições imediatas de vida, mas que de nenhum modo brotariam nem só das eleições nem só dos mercados separadamente.
Para que haja reformas sustentáveis no mundo em desenvolvimento é indispensável que haja ativo movimento social e adesão total aos procedimentos democráticos, planejamento estatal da economia e respeito aos compromissos dos negócios e dos mercados. A presidenta Rousseff muito bem fará se continuar a desafiar as ortodoxias políticas e as ortodoxias econômicas, ao mesmo tempo em que continua a promover cada vez mais igualdade e mais inclusão social, no que pode vir a ser uma primeira história de sucesso social econômico e global, no planeta.
*Jeffrey W. Rubin é Professor de História Latino-americana e Pesquisa, no Instituto de Cultura, Religião e Negócios Globais da Boston University, onde dirige o Projeto “Reformas Sustentáveis”.
- Via: Vi O Mundo
2 de novembro de 2010
China lança o sexto satélite de sua rede de GPS
A China lançou com sucesso na madrugada de segunda-feira, dia 1º, o sexto satélite que faz parte de sua rede de navegação autônoma e posicionamento global por satélite.
Um foguete lançador Longa Marcha 3C levou ao espaço o módulo Beidou, que significa “Ursa Maior” em mandarim, e é parte do sistema chinês de navegação por satélite “Compass”. O lançamento se deu aos 00:26 minutos, hora local do Centro de Lançamento de Satélites Xichang, na província de Sichuan, sudoeste da China.
Desenvolvido pela Academia de Tecnologia Espacial e pela Academia Chinesa de Veículo Lançador de Tecnologia da China, o Beidou irá juntar-se aos cinco outros satélites já em órbita para formar uma rede que, uma vez concluído será constituída por 35 satélites.
A rede vai fornecer serviços de navegação na Ásia-Pacífico em 2012 e serviços globais a partir de 2020.
Guerra cambial aumenta o déficit comercial com EUA
1 de novembro de 2010
O mercado livre está destruindo a terra e o trabalho
David Harvey
O Observatório Sociopolítico Latino-americano www.cronicon.net, recolheu suas propostas na seguinte síntese:
ACUMULAÇÃO POR DESPOSESSÃO
Minha visão do neoliberalismo é a apropriação de um conjunto de ideias de Friedrich Hayek e Milton Friedman, segundo as quais a liberdade está garantida com propriedade privada mais forte, mercado livre e redução do Estado. Esta retórica não é senão um mecanismo para a reestruturação e consolidação do poder de classe e, neste senso, o projeto neoliberal foi todo um sucesso. É uma ideia que reproduzem os meios de comunicação, mas a verdade é que a aparência é muito diferente da realidade.
O ajuste estrutural foi condição do FMI para salvar a crise do México em 1994, que no fim de contas é uma intervenção governamental porque os banqueiros fizeram à vontade mas, depois, o resgate ficou por conta do Estado e, portanto, dos cidadãos. Por isso as finanças do Estado diminuem e pagam a conta, como sucedeu na Grécia, Espanha e o estado norte-americano da Califórnia. Como resultado da crise fiscal vem a austeridade, em prejuízo dos direitos básicos da sociedade. Isto é, protegeu-se os bancos e destruiu-se o povo.
Infelizmente, em alguns países do mundo o neoliberalismo, que é um projeto de acumulação e dominação, se aprofundou e ganhou força. No entanto, o capital teve dificuldades para conseguir rendibilidade, por isso foi para a economia ficcional, a especulação. Além disso, enfrenta sérias limitações ambientais, de mercado e de rendibilidade. Não se pode esquecer que o surgimento da classe capitalista não dependeu originalmente de sua capacidade de gerar excedente. Descansava em sua habilidade para apropriar-se deste, tratá-lo como se fosse de sua propriedade privada e o enviar a circular em busca de maior excedente. Enquanto o comércio, a banca e a usura provêem oportunidade de obter lucros, o capitalismo como um sistema social chega a depender da formação de um proletariado e no emprego do trabalho assalariado. Não obstante, para o neoliberalismo os trabalhadores constituíram um problema, apesar de que a crise não foi causada pelos sindicalistas.
Um mercado capitalista livre e desregulado só pode sobreviver destruindo as duas fontes principais do bem-estar social: a terra e o trabalhador.
Precisamos compreender o modo como a dívida nacional e o sistema de crédito foram, desde o começo, veículos fundamentais para a acumulação primitiva, ou para o que eu chamo acumulação por despossessão.
Há uma quantidade agregada de acumulação através da despossessão que deve ser mantida se o sistema capitalista pretende adquirir algum tipo de estabilidade. O desenvolvimento geográfico através da despossessão, em consequência, é um corolário da estabilidade capitalista.
Mas isto fala somente sobre uma parte da história da acumulação capitalista através da despossessão. A outra metade olha de maneira mais próxima a canibalização de bens que vai dentro do sistema capitalista mesmo como ações (tais como o capital financeiro) que aproveitam oportunidades para tomarem posse de bens alheios (tais como industriais ou latifundiários) ou como os territórios ou as configurações regionais de capital: cidades, regiões, estados, buscam adquirir ou destruir os bens de seus rivais através da concorrência comercial e/ou as manobras geopolíticas incluindo intervenções militares e disrupções.
COMPONENTES DA ACUMULAÇÃO POR DESPOSESSÃO
Quatro grandes módulos compõem a acumulação por desposessão enquanto padrão capitalista dominante na era neoliberal. O primeiro consiste na privatização e mercantilização de recursos vitais em graus que as utopias negativas da ciência ficção não tinham previsto, como por exemplo, a comercialização do ar através da compra e venda de quotas de emissão de gases, transformando em negócio a degradação ambiental, ou a privatização do ciclo vegetal por parte de multinacionais como Monsanto que por meio da patente de sementes modificadas com o tempo resultam insusbstituíveis dada a modificação do habitat.
O segundo módulo é a financiarização iniciada nos anos setenta e ampliada nos noventa, mas que recém em 2008 deu lugar a uma nova crise capitalista com graves conseqüência sociais.
As turbulências e derrubes econômicos gira o terceiro módulo: a gestão e manipulação da crise, que em 2005 foi uma armadilha para transferir ativos da periferia para o centro do capitalismo. Na medida em que os ativos valiosos perdem seu valor nas crises, são adquiridos por migalhas através delas. Calcula-se o equivalente a 50 planos Marshall o que foi transferido da periferia aos credores do centro.
As redistribuições estatais é o quarto módulo e tem que ver com outras práticas de despossessão fosse as mencionadas privatizações, mediante as quais os Estados nacionais costumam ser agentes indispensáveis da restauração plutocrática mais contundente da história do capitalismo. Estas outras formas incluem alguns paradoxos particularmente visíveis no Chile e Iraque, onde a onda privatizadora através da qual se concretizou a desposessão atingiu quase todas as áreas, salvo o recurso mãe (cobre e petróleo respectivamente) que seguiu em mãos dos Estado dadas as necessidades de fortalecer suas funções de gendarme.
Qualquer teoria do desenvolvimento geográfico desigual dentro do capitalismo deve incorporar a acumulação e a desvalorização através da desposessão como força fundamental se quer ter validade geral.
CHINA, UMA GRANDE SISTEMA DE PRODUÇÃO
Ainda que o modelo econômico da China, que esteja lhe permitindo crescer a 10% anual e isso não possa ser permanente, esta nação constitui um grande sistema de produção. Teve uma greve dos trabalhadores graças à qual conseguiram 30% de aumento em seus salários, o que fortaleceu o mercado interno.
Os países que têm vínculos comerciais com a China estão indo muito bem, mas esta grande nação asiática pode ser o novo epicentro da crise. A grande pergunta é onde será a próxima crise.
O que começou sendo uma exploração às apalpadelas de novas equações sociais e produtivas, adquiriu uma dinâmica de desenvolvimento fabulosamente acelerada a partir da neoliberalização do resto do mundo. Num começo, o Partido Comunista chinês tinha aberto a porta muito lentamente, a partir das "quatro modernizações" de Deng Xiaoping em 1978, e o experimento de Guandong que em 1987 voltou exitoso o perfil exportador pelo lado das vantagens comparativas. Mas depois, um desenvolvimento com dinâmica auto-sustentada na China, cevado pelo giro neoliberal do capitalismo avançado, começou a disputar a tutela do processo à possibilidade de comando que o Partido tentava conservar. Esta decolagem econômica com projeção na econômica global não pode se explicar com independência da liberalização de fluxos capitalistas a partir da década de 1990, provenientes do centro capitalista em busca de mercados, mão de obra barata e recursos naturais. Três fatores que, disponíveis em proporções chinesas e coordenados pelo Partido Comunista mais forte que tenha existido jamais, transformaram ao país no "centro de produção deslocalizada em grande escala" maior do mundo.
As contradições dinâmicas em China são diversas e dizem respeito a diferentes esferas da realidade social. A capacidade de exportar parte dessas contradições ao resto do mundo ao modo do imperialismo social, parecem longínquas pelo momento, mais pelo tamanho de escala-a chinesa que por falta de disposição a fazer valer a pretensão de fábrica global.
ATÉ AQUI CHEGAMOS!
Do ponto de vista capitalista o mundo está se suicidando, por essa razão há que criar um projeto revolucionário alternativo ao capitalismo que permita melhorar as condições da gente, para afirmar que outro mundo é possível.
Que possamos sair desta crise sistemática do capitalismo por alguma outra via depende, e muito, da relação de forças entre as classes sociais. Depende de até que ponto o conjunto da população diga: "até aqui chegámos; há que mudar o sistema!"
Não basta, portanto, denunciar a irracionalidade do capitalismo. É importante recordar o que Marx e Engels apontaram no Manifesto Comunista com respeito às profundas mudanças que o capitalismo trouxe consigo: uma nova relação com a natureza, novas tecnologias, novas relações sociais, outro sistema de produção, mudanças profundas na vida quotidiana das pessoas e novos arranjos político-institucionais. Todos esses momentos tiveram um processo de co-evolução. O movimento anticapitalista tem que lutar em todas essas dimensões e não somente numa delas como muitos grupos fazem atualmente. O grande falhanço do comunismo foi o não conseguir manter em movimento todos esses processos. Fundamentalmente, a vida diária tem que mudar, as relações sociais têm que mudar.
Buenos Aires, setembro de 2010.
26 de outubro de 2010
Nordeste sustentado pelo Sudeste: o boato preconceituoso
Escolas técnicas: Lula priorizou, Serra e FHC proibiram
Dilma e o cofre do Adhemar: mais uma mentira que circula por aí
O falso texto de Joelmir Beting
Não Somos Partidários da Violência
Amigos(as),
Acabei de ler e assinar este abaixo-assinado online: «Não Somos Partidários da Violência»
http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=APO13
Eu, pessoalmente, concordo com este abaixo-assinado e acho que você também pode concordar.
Assina o abaixo-assinado e divulga-o por seus contactos.
Obrigado,
Jéferson Pitol Righetto
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Uma nota sua no email que envia a seus amigos pode fazer a diferença para um abaixo-assinado de grande sucesso.
Todos devemos ajudar a promover o abaixo-assinado, e agora é sua vez.
O poder da Internet está em suas mãos!
Obrigado.
18 de outubro de 2010
Crueldade atômica
Caía uma chuva negra. A população pensava ser óleo jogado pelos americanos, mas era uma chuva ácida, resultante da explosão com força de 21 toneladas de dinamite
Por: Moacir Assunção
Publicado em 14/10/2010
Yoshitaka estava em um navio em Nagasaki quando a bomba explodiu. “O dia virou noite” (Foto: Danilo Ramos)
Haruko Yoshiga, de 88 anos, Yasuko Nishimura, de 79, e Yoshitaka Samedima, de 82, têm em comum a lembrança viva do maior horror jamais criado pelo homem: a bomba atômica. Lançada há 65 anos por aviões americanos, ela arrasou as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Os descendentes de japoneses viram nascer a maior arma de destruição em massa, cuja criação marcou um novo paradigma na história do homem, ao estabelecer que a própria raça poderia ser extinta.
Yasuko, a única natural de Hiroshima, chegou ao Brasil em 1952. Haruko e Yoshitaka, de pais japoneses, são brasileiros nascidos no estado de São Paulo, que voltaram à terra de seus ancestrais no final da década de 1930 para aprender o idioma e retomar o contato com sua cultura.
Com a guerra, não puderam voltar e se tornaram protagonistas de uma história curiosa e pouco conhecida de brasileiros, a dos hibakushas – pessoas afetadas pela bomba, das quais 130 vivem no Brasil.
Yoshitaka nasceu em Bauru e vive em um sítio em Suzano. Chegou a servir ao orgulhoso exército imperial japonês. Estava dentro de um navio militar em Nagasaki quando, em 9 de agosto de 1945, a bomba explodiu na cidade portuária de 240 mil habitantes – 80 mil morreram imediatamente. Em Hiroshima, estima-se em pelo menos 100 mil os mortos logo após a explosão. Os efeitos da radiação matariam ainda outros milhares de pessoas nos anos seguintes.
“Lembro que o navio balançou. Saímos e estava tudo escuro. A cidade inteira estava destruída”, conta. Na sequência, os soldados saíram para socorrer as vítimas da explosão da fat man (homem gordo), nome dado à segunda bomba – a little boy (menininho) havia sido jogada antes do avião Enola Gay sobre Hiroshima. Yoshitaka ficou com manchas brancas nos braços. “Após a explosão, às 11 horas, o dia virou noite. O cheiro de morte nas ruas era difícil de aguentar. Demoramos para entrar em Nagasaki. Quando chegamos, havia sobreviventes em abrigos. O resto, até as árvores, estava tudo queimado.” O brasileiro, cujos pais chegaram ao país em 1909, voltou para São Paulo em 1960.
Haruko trabalhava na zona rural de Hiroshima, a 16 quilômetros do epicentro da explosão. Mesmo assim, as consequências foram catastróficas. “A casa desabou em cima de todo mundo, espalhando cacos de vidro para todo lado. Eu vivia com mais quatro irmãos na cidade de onde meus pais saíram para vir ao Brasil”, conta. Um irmão morreu pouco após a bomba, vítima de uma febre que não passava.
Pouco tempo depois, numerosos grupos de vítimas que conseguiram sair da cidade foram para a zona rural em busca de ajuda para escapar do horror. Não era possível, entretanto, encontrar muita coisa. “Era muita gente, que alojamos numa escola, um dos poucos lugares que ficou em pé, já que tudo estava queimado e destruído. Faltava de tudo.”
Pela segunda vez, a família de Haruko tomava parte de um fato histórico. Seu pai, Fusakishi Nishimura, havia sido um dos 781 pioneiros da imigração japonesa ao Brasil, onde chegaram em 1909 a bordo do navio Kasato Maru. Somente um de seus oito filhos havia nascido em Hiroshima, todos demais eram brasileiros, ocidentalizados demais para o gosto do tradicionalista Fusakishi. Enquanto seus conterrâneos rumaram para o interior, Fusakishi ficou na capital. Vendia brinquedos de madeira feitos à mão. Alguns anos depois, conseguiu montar uma pequena fábrica no bairro da Mooca. Em de 1939, mandou os filhos de volta ao Japão. Um deles, Kenzo Nishimura, casou-se com Yasuko na cidade natal do pai. Depois da guerra, decidiram voltar. “Não tem lugar como o Brasil”, diz ela.
Saúde de ferro
A Associação dos Sobreviventes da Bomba Atômica no Brasil foi surpreendida com a existência de brasileiros natos entre as vítimas. Imaginava-se que os hibakushas eram somente japoneses e coreanos. “Como todo mundo tem traços e nomes orientais, pensávamos que não havia brasileiros.
Eles são muito reservados e muitas vezes nem a família sabia o que tinha acontecido”, conta a diretora da entidade Yasuko Saito. Somente depois de um encontro há pouco mais de um ano os sobreviventes foram estimulados a falar mais de sua origem. “A história é absolutamente surpreendente porque sempre se achou que os sobreviventes eram somente japoneses e, talvez, alguns coreanos”, afirma o professor de História André Lopes Loula, diretor cultural da entidade.
Em 2003, Yoshitaka Samedima conheceu Takashi Morita, de 86 anos, presidente da associação e também sobrevivente de Hiroshima, que perguntou sobre as manchas nos braços. Até então, nem a família sabia o que ele tinha vivido naquele agosto de 1945. A razão do segredo era o preconceito. “Nenhuma moça queria se casar com hibakushas. Achavam que os filhos nasceriam com deficiências”, explica. Por causa disso, muitas histórias ficaram escondidas.
A Associação das Vítimas da Bomba Atômica no Brasil foi fundada em 1984, com o objetivo de congregar os sobreviventes e conseguir alguma ajuda do governo japonês para os hibakushas que viviam em outros países. Na rígida cultura nipônica, os que saíram do país passaram a ser vistos como ingratos com sua pátria. Morita, que começou a organizar o movimento, foi forçado a entrar com ações judiciais contra o Japão para ver reconhecidos os direitos dos conterrâneos. Hoje os 130 sobreviventes no Brasil recebem uma ajuda de aproximadamente R$ 500 por mês e assistência médica – antes o governo japonês só atendia as pessoas do país.
Duas vezes por ano, médicos japoneses especialistas em sequelas de bombas atômicas vêm ao Brasil para consultar os hibakushas. A maior parte, entretanto, tem saúde de ferro, apesar da idade. E ao contrário da crença popular, os filhos também nasceram saudáveis.
Uma luz silenciosa
Apesar de estar no Brasil desde a década de 1950, Morita ainda fala português com dificuldade, e atribui sua longevidade ao clima tropical. Policial militar em Hiroshima, estava a pouco mais de um quilômetro do epicentro da explosão. Enquanto muitos fugiam, ele voltou à cidade para tentar socorrer vítimas. “Nunca esqueci nem vou esquecer o que vi. Milhares de corpos queimados dentro dos bondes, crianças mortas sob os escombros, o fogo avançando sobre pessoas que pediam ajuda para não morrer dentro das casas destruídas. Era um cenário de horror, parecia o fim do mundo”, descreve Morita, ainda emocionado. Na hora da explosão, ele não ouviu barulho algum, foi projetado dez metros à frente e sofreu queimaduras nas costas e nuca. O então policial atribui sua sobrevivência ao fato de estar com roupas grossas, bem alimentado e de costas para o epicentro.
Só viu uma luz silenciosa, uma espécie de flash, que percorreu rapidamente todo o seu corpo. Ao conseguir se levantar, estava tudo escuro, embora fossem 8h15. Caía uma chuva negra, que a população pensava ser óleo jogado pelos americanos para provocar incêndios, como tinha acontecido em Tóquio. Não era, tratava-se de uma chuva ácida, resultante da explosão e da radiação provocada pelo artefato nuclear com potência de 21 toneladas de dinamite. Até aquele momento, ninguém imaginava que a bomba lançada era muitas vezes mais letal que as temidas ogivas incendiárias que devastaram a capital japonesa.
Uma cena que Morita jamais esqueceu foi a de uma jovem mãe, morrendo ao lado do seu filho, que pediu ao vê-lo fardado: “Soldado, mate americanos”. No Brasil, onde chegou em 1956 ao lado da mulher, a enfermeira Ayako e os filhos Yasuko (a diretora da associação) e Tetsuji, foi relojoeiro na Rua Augusta e, depois abriu uma mercearia de produtos japoneses no bairro da Saúde, onde também funciona a sede da associação e da entidade-irmã Associação Hikabusha-Brasil pela Paz.
“Meu Deus, o que fizemos?”
A frase de espanto com as consequências do ataque a Hiroshima teria sido pronunciada pelo co-piloto Robert Lewis. Ele estava a bordo do B-29, batizado como Enola Gay, comandado pelo coronel Paul Tibbets, de onde partiu a bomba que formou o enorme “cogumelo”, fotografado pelo sargento Bob Caron. A decisão havia sido tomada no dia 25 de julho pelo presidente dos Estados Unidos, Harry Truman. Em um gabinete improvisado no cruzador USS Augusta, no meio do Atlântico, foi Truman quem ordenou o ataque nuclear contra o inimigo que havia impingido um enorme número de baixas de americanos no ataque a Okinawa. Antes, entretanto, o Japão já analisava a sua rendição, pela primeira vez na história militar do país.
O presidente americano tinha em mãos uma lista de cidades-alvo feita pelo secretário de Guerra, Henry Stimson: Hiroshima, Kyoto, Nokura, Niigata e Nagasaki. Hiroshima passou a ser um alvo prioritário por ter 40 mil soldados em sua área. No navio, Truman escreveu em seu diário: “A arma finalmente será usada contra o Japão. Parece a coisa mais terrível jamais descoberta”.
A decisão foi mais do que uma vingança contra a operação japonesa na base norte-americana de Pearl Harbor, localizada na ilha de Ohau (Havaí), na qual foram mortos 2.400 americanos. O ataque causou terríveis repercussões na opinião pública do país. Os Estados Unidos alegavam que sofreriam muitas baixas – até 200 mil – em um eventual ataque convencional ao Japão. Mas o que moveu mesmo o governo de Truman a empregar a bomba foi, segundo a maior parte dos especialistas, a intenção de dar um recado a União Soviética. Afinal, o Exército Vermelho havia destruído a máquina de guerra de Adolf Hitler – era preciso demonstrar ter em mãos uma arma mais poderosa.
Hiroshima e Nagasaki teriam sido escolhidas por se situar entre vales, o que permitiria observar os efeitos da bomba em alvos reais, sem condições de a radiação se dissipar totalmente antes de cessarem seus efeitos. Seriam as primeiras (e até hoje únicas) vezes em que a poderosa arma foi usada contra alvos humanos.
Era o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da era nuclear e da Guerra Fria, conflito não declarado entre as grandes potências, EUA e URSS, que se estenderia por todo o século 20. O embate com as extintas potências comunistas já não existe mais. Mas os interesses econômicos do bloco de nações ricas – inclusive os da indústria armamentista – ainda são um legado das potências capitalistas a ser desarmado pela humanidade no século 21.