18 de novembro de 2010

Delfim sobre guerra cambial: ‘Cada um que cuide dos seus interesses’

A política de extermínio dos EUA é tentar sair da crise invadindo as outras economias com suas mercadorias, liquidando a produção e a indústria

O objetivo central da guerra cambial dos EUA – isto é, da super-desvalorização do dólar, agudizada agora com a emissão de mais US$ 600 bilhões – ficou ainda mais claro com a declaração do chefe da assessoria econômica da Casa Branca, Austan Goolsbee, de que a intenção é dobrar as exportações do seu país em quatro anos (“aumentar dos atuais US$ 1,57 trilhão para US$ 3,14 trilhões em 2014. Será o maior aumento que um país já fez nas exportações”).

Daí esse dumping cambial alucinado, para, com a mera manipulação do dólar em relação às demais moedas, tornar os produtos norte-americanos mais baratos vis-à-vis àqueles produzidos em outros países. Em suma, a política dos EUA é tentar sair da crise invadindo as outras economias com suas mercadorias, liquidando a produção e a indústria local – portanto, também o emprego nos outros países.

Isso é, literalmente, uma política de terra arrasada em relação à economia dos outros países, ou seja, uma guerra de extermínio das outras economias para ocupar um “espaço vital” para as empresas dos EUA dentro de outros países, com uma população de escravos, isto é, desempregados, passando fome.

Na quinta-feira, a Fiesp divulgou o coeficiente de importação do terceiro trimestre deste ano. Ao final de setembro, 22,7% do consumo interno do país (incluído o “consumo industrial”, isto é, os insumos para as indústrias) já estava ocupado por importações. No trimestre anterior, essa parcela era de 20,7%. O resultado do terceiro trimestre é o maior desde que o índice é calculado. Isto é, nunca, em passado mais ou menos recente, as importações ocuparam tal fatia do consumo interno. Em 2003, a parcela do consumo suprida por importações era de 13,3% (os resultados de 1996 a 2009 podem ser consultados em “Análise Econômica do Comércio Exterior”, Derex/Fiesp, fevereiro/2010).

Em suma, com a desvalorização do dólar, há um processo acelerado de substituição da produção interna por importados. O vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, declarou:“nós estamos deixando de produzir no Brasil para importar máquinas prontas ou componentes de máquinas. Nós estamos criando emprego lá fora”. E não são apenas máquinas. Em outubro, 22% do consumo interno de aço, segundo o Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), já estava ocupado por importações, com queda de 7% na produção interna e estoques abarrotados nas siderúrgicas.

Em evento promovido pela Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP) para debater a recente reunião do G-20, todos os presentes coincidiram nessa avaliação, a começar pelo presidente do Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio, Paulo Rabello de Castro.

O ex-ministro Delfim Netto, tanto no evento da Fecomercio, quanto em vários artigos na imprensa, declarou que “é melhor colocar as barbas de molho e tomarmos medidas para nos proteger. É preciso um certo banho de realismo” e perceber que a reunião do G-20 significou: “cada um que volte para casa e trate de cuidar dos seus interesses”.

Mesmo um economista afeito ao neoliberalismo como Luiz Candiota, ex-diretor do Banco Central, disse que “será uma luta de cada um por si. Os EUA querem dividir a conta com o resto do mundo”.

“Dividir” não é, certamente, o verbo mais adequado, mas Candiota captou o espírito da coisa. Mais ainda o economista Antonio Correa de Lacerda, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet), para quem“a principal medida para proteger a economia é reduzir os juros” que atraem enxurradas de dólares para dentro do país, catapultando a cotação do real – vale dizer, tornando mais caras as mercadorias produzidas internamente em relação às importações.

Correa de Lacerda mostra que não somente os EUA, mas também os países que estão se defendendo da guerra cambial – portanto, desvalorizando suas moedas e/ou com juros que não “atraem” tanto o dólar quanto os juros daqui – aumentam a drenagem de mercadorias para dentro do Brasil. Até setembro, as importações vindas da Europa haviam aumentado 54%.

“Seria ingênuo”, afirmou Correa de Lacerda em recente artigo, “deixá-lo [o câmbio] simplesmente oscilar ao sabor dos movimentos dos fluxos de capitais. Cada vez mais países estão instrumentalizando a sua política cambial como incentivo às suas exportações e de proteção à produção doméstica, assim como preservar emprego e renda. O juro alto agrava a valorização do real e suas consequências. Reduzir os juros ajudaria a conter a pressão pela valorização do real”.

Delfim Netto, que propõe baixar os juros para 2%, observou que os EUA “desde 2007, destruíram 10 milhões de empregos. Devido ao crescimento da população, para manter apenas o inaceitável nível atual de desemprego, de 9,6%, precisam criar 1,5 milhão de empregos por ano, ou seja, 125 mil por mês. Mesmo que haja uma rápida recuperação e a economia possa absorver 600 mil empregos por mês (que é o dobro da média dos anos 90!), serão precisos dois anos antes que se volte ao nível de 2007”.

A situação é, quase certamente, pior - a taxa de desemprego real é o dobro ou mais do que a oficial, referida por Delfim, numa situação em que as multinacionais norte-americanas estão com uma grande parte de suas fábricas em outros países: “os EUA pagam agora o preço de sua miopia. Aumentaram o emprego nas finanças e na habitação enquanto transferiam alegremente (graças à valorização do dólar) para a China suas fábricas e seus empregos industriais e para a Índia os do setor de serviços. Com a explosão das duas ‘bolhas’, no setor financeiro e no imobiliário, o emprego no primeiro talvez nunca se recupere, e o do segundo demorará muito tempo”.

Esta é uma excelente descrição da até recentemente tão incensada “globalização” - a suprema burrice no comando da economia dos EUA, se o leitor nos permite uma expressão mais popular.

“Uma coisa é certa”, disse Delfim. “Se a demanda interna nos EUA não se recuperou, só lhe resta a saída das exportações e a substituição do petróleo importado por biocombustíveis. Ele vai persegui-la com a desvalorização do dólar. Devemos ‘amarrar os cintos’ e aguentar a competição que vem por aí! Parece que com a taxa de câmbio de R$ 1,60 já podemos importar o etanol de milho dos EUA...”.

Na quinta-feira pela manhã, essa taxa estava em R$ 1,729. No evento da Fecomercio, o ministro Mantega afirmara que “não é bom ficar mexendo toda hora (?) no câmbio, vamos deixar ele se acomodar (??)”. E que “o real é uma das moedas que menos têm se valorizado frente ao dólar (???)”.

De onde ele tirou isso? Deve ter sido de algum informe do Meirelles...

CARLOS LOPES

Nenhum comentário:

Geografia do Brasil Para Diplomacia- Curso Atlas IRBr Headline Animator