Luiz Antonio Pinto de Oliveira8 de outubro de 2010 às 15:55h
O Censo deve mostrar que a taxa de fecundidade é de 1,9 filho por mulher brasileira, abaixo da considerada taxa de reposição da população, que é de 2,1. Foto: Tuca Vieira/Folhapress
Criado no período imperial, os indicadores dos estudos ajudam a conhecer e melhorar o País
Contar a população de um determinado território, fosse ele uma municipalidade, capitania, província ou reino, foi desde sempre um desejo e decisão efetiva de variadas autoridades ao longo da história. Conhecer sua população equivalia a conhecer os efetivos que poderiam ser mobilizados para a guerra e os recursos que poderiam ser extraídos em favor dos objetivos dos poderes locais ou centrais.
Em perspectiva histórica, as estatísticas e atividades de sistema censitário estão ligadas às primeiras formações dos Estados clássicos na Antiguidade. Eram utilizadas para mensurar e estipular a cobrança de tributos, recrutamento militar, ações administrativas. Sua importância foi, em diversos períodos, fundamental para os poderes existentes, mas não se chegou a formular ou consolidar métodos padronizados e precisos para a contagem e caracterização das populações.
Com a formação dos Estados Nacionais modernos, após a Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, as necessidades das sociedades mais complexas, do comércio mundial e dos objetivos econômicos das nações determinaram um salto de qualidade nas atividades censitárias, que ganharam status científico e metodologias que buscavam refletir a dinâmica do conjunto dos fenômenos sociais. Estavam, a partir daí, maduras as condições para o surgimento- dos sistemas- estatísticos modernos e dos grandes Censos nacionais. Inglaterra, França e Alemanha são precursores.
No Brasil colonial, contagens populacionais foram realizadas sem regularidade ou critérios bem definidos. Também as paróquias católicas tinham enumerações populacionais por meio de seus registros de batismo, sepultamento e casamento.
Durante o Império, momento em que se dá a formação inicial do Estado Nacional e, sobretudo, após a consolidação do governo de dom Pedro II, cogitou-se um levantamento nacional que refletisse, pela primeira vez, um retrato do povo brasileiro. O Brasil era então uma nacionalidade ainda em construção, com sua unidade não inteiramente estabelecida, permeada por processos contraditórios de integração e fragmentação. Após algumas tentativas pioneiras nos anos 1850, o Império criou a Diretoria- Geral de Estatística (DGE) e, em 1872, realizou o primeiro Censo Demográfico geral no Brasil.
Esse levantamento indicou que a população recenseada já se aproximava do patamar de 10 milhões de habitantes. Os níveis educacionais eram extremamente baixos: cerca de 80% de analfabetos. As populações residentes nas atuais regiões Sul, Norte e Centro-Oeste eram pouco numerosas. Os principais contingentes demográficos nas províncias chamadas do Norte (atual Nordeste) e no eixo Minas-Rio de Janeiro-São Paulo.
O Censo de 1872 é o único da história que contabiliza o contingente de população escrava, que declinava à época. Ele também introduz a pergunta sobre a cor da população, cujos resultados preocupariam a elite imperial, que, nos anos seguintes, questionariam o destino da nação com base em questões raciais.
Com a Proclamação da República, em sua primeira fase até 1930, foram realizadas mais três Censos gerais, respectivamente em 1890, 1900 e 1920. Na virada do século XX, a população brasileira já ultrapassava os 17 milhões de pessoas, crescendo a taxas elevadas em razão da imigração estrangeira para São Paulo e estados do Sul.
A República Velha, a partir da articulação da política dos governadores, caracterizou-se por um enfraquecimento do poder central a partir da aliança política das elites regionais, sobretudo a mineira e a paulista. Em 1920, a população já superava os 30 milhões.
CRIAÇÃO DO IBGE
A Revolução de 1930 significou uma profunda mudança na organização político-administrativa do Brasil. A ordenação federativa passou a ser bastante centralizada na figura do presidente Getúlio Vargas, que criou diversos instrumentos de política institucional, regulação e intervenção na economia e nas relações sociais. A adoção de políticas econômicas demandava a existência de informações estatísticas regulares e, razoavelmente, atualizadas sobre o Brasil. Nesse sentido, a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir de 1936, inseriu-se no projeto de um governo central com políticas ativas na direção da integração nacional.
O Censo Demográfico de 1940, o primeiro realizado sob a égide do IBGE, inaugurou a era moderna dos Censos no País. Sua preparação contou com a participação de profissionais qualificados, membros de uma renovada carreira de servidores públicos. A relação de questões investigadas inclui quesitos sobre as componentes demográficas (nascimentos e mortes), origem migratória, condições socioeconômicas (domicílio, educação, mão de obra) aspectos ligados ao território e nacionalidade (línguas faladas, por exemplo) e outras que fornecem informações para políticas públicas e regionais. A partir daí, dispõe-se de uma série censitária (decenal) das medidas demográficas, que se tornaram os índices oficiais de população no Brasil. O Censo de 1940 acabou tornando-se exemplo para Censos em outros países, especialmente na América Latina. A pesquisa de 1940 também revelou que quase 70% da população do Brasil, que chega a 41 milhões de pessoas, vivia em áreas rurais. A população do estado de São Paulo ultrapassou a de Minas Gerais.
Nos anos seguintes, as atividades censitárias tomaram mais impulso com a implantação da série dos Censos econômicos (indústria e comércio) e agropecuária.
ERA JK
Nos anos 50, o modelo desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubistchek afirmou-se no País, com uma clara hegemonia das frações urbano-industriais na arena das decisões políticas e econômicas. A fundação da nova capital, Brasília, canalizou parte dos vários movimentos e fluxos no sentido da “marcha para o Oeste”, revelando ao Brasil todo a emergência e a diversidade de novos espaços demográficos, culturais e socioeconômicos.
Nas décadas de 50 e 60 o País toma conhecimento das realidades regionais e os quadros dramáticos do êxodo rural, do latifúndio e da pobreza. As lutas sociais avançam no campo e nas cidades, e a Região Nordeste aparece como problema. Os números do Censo demográfico revelam o quadro dramático das migrações, a identificação do crescimento populacional nas grandes capitais do Centro-Sul e as deficiências de infraestrutura. Paralelamente, políticas desenvolvimentistas reforçam o parque industrial localizado na Região Sudeste, sobretudo, em São Paulo, e contribuem para exercer um poder ainda maior de atração de migrantes vindos do Norte-Nordeste e Minas Gerais.
Segundo o Censo de 1960, a população rural ainda era superior à urbana (55,3%), mas já indicava que a população urbana seria maior até o Censo de 1970 – de fato, 55,9% da população brasileira já residia em áreas urbanas na virada da década.
A controvérsia sobre a distribuição de renda, talvez seja o ponto mais lembrado do Censo de 1970. A repetição da pergunta sobre os rendimentos feita em 1960 e a comparação dos dois pontos temporais, estabeleceu um amplo e abrangente debate sobre as políticas econômicas e sociais e os processos de distribuição e concentração de renda no Brasil. Em tempo de regime militar, os resultados geraram debates centrados nos aspectos perversos da concentração de renda. Surgiram questionamentos e criou-se o pilar para a construção de cenários para um futuro social politicamente mais justo.
O progressivo esvaziamento político do regime militar, iniciado em fins dos anos 70, representou um deslocamento do foco de atenção das políticas de Estado. Nos “anos de chumbo” e no período desenvolvimentista do governo Ernesto Geisel, as estatísticas eram direcionadas para a produção de dados e indicadores com vistas a um planejamento socioeconômico centralizado.
Já na redemocratização, o IBGE defrontou-se com novas agendas técnicas e temáticas, conjugadas com as exigências democráticas de transparência e acessibilidade. Novos temas foram incorporados à pesquisa. Nos primeiros anos da Nova República, a crise financeira do Estado e a expansão desregulada da globalização fizeram o Brasil mergulhar em situações de crise política e financeira, com acentuada inflação. O IBGE vivenciou dificuldades institucionais, culminando com o adiamento do Censo de 1990 para o ano seguinte. Posteriormente, com a estabilidade monetária e um novo consenso político a partir de 1993/1994, o IBGE regenerou-se.
Importante ressaltar que os Censos de 1980, 1991 e 2000 confirmaram o seu peculiar processo de transição demográfica, com rápido declínio dos níveis de fecundidade e de crescimento demográfico, aumento da esperança de vida, redução do tamanho da família e progressivo movimento de envelhecimento populacional.
O retrato do País passou também a caracterizar profundamente questões étnicas e culturais. As informações sobre cor/raça, reintroduzidas em 1980, alimentaram durante as décadas recentes o debate sobre a questão racial no Brasil. Em 1991, foi estabelecida a caracterização específica da população indígena e, na comparação com os resultados do Censo 2000, estudos detalhados foram feitos sobre a evolução dessa população. Da mesma forma, a série censitária recente sobre a opção religiosa dos brasileiros vem revelando o crescimento das religiões- evangélicas e redução dos católicos.
Para o Censo 2010, teremos uma imagem territorial completa do crescimento e distribuição da população brasileira, fundamental para as políticas regionais e setoriais. O País vem crescendo demograficamente a ritmo declinante, com uma taxa hoje ligeiramente superior a 1% ao ano (na década de 50, o crescimento era de 3% ao ano, o que dobrava a população a cada 24 anos) e vários municípios perdem população para os chamados municípios médios e grandes, que são polos de atração por razões econômicas e de oferta de serviços (saúde, educação, cultura, assistência etc.).
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