6 de dezembro de 2008

TRAGÉDIA EM SANTA CATARINA

 

Escorregamentos e enchentes seguem matando. E daí?

A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária) totalmente contra-indicados para tais situações. A análise é do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos.

Álvaro Rodrigues dos Santos(*)

A tragédia geológica que, a propósito de chuvas intensíssimas, abateu-se sobre a população de várias cidades de Santa Catarina atinge a sociedade brasileira pela dor das mortes e tanto sofrimento humano, mas também como pungente peça acusatória pela histórica e acomodada omissão dos agentes sociais públicos e privados que a poderiam ter evitado.
Impossível não nos ficar a impressão que autoridades e mídia, e talvez uma boa parte da sociedade, já assimilaram como fatos naturais do destino brasileiro as horríveis mortes por soterramento e enchentes que anualmente fazem dezenas de vítimas nessas épocas de chuvas mais intensas. Diluem-se assim comodamente nesse cenário de pretenso destino compulsório as responsabilidades públicas e privadas na verdade responsáveis por tantas vidas violentamente ceifadas.
A tipologia desses acidentes é sobejamente conhecida e invariavelmente associada à ocupação habitacional de encostas de alta declividade e margens e várzeas de cursos d'água, situações presentes em muitas de nossas cidades: Rio, Petrópolis, Nova Friburgo, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Salvador, Recife, Campos do Jordão, Santos, Caraguatatuba, Guarujá, municípios do médio e baixo Vale do Itajaí, em Santa Catarina, os municípios do litoral sudeste brasileiro que tangem os flancos da Serra do Mar e, de uma forma geral, todos os municípios situados em regiões serranas
A questão essencial é que estão sendo ocupadas pela urbanização, à vista e com o beneplácito oficial, áreas que por suas condições geológicas jamais poderiam ser utilizadas para tal fim. Pior, estão sendo ocupadas utilizando-se de expedientes técnicos (desmatamento, cortes, aterros, disposição viária...) totalmente contra-indicados para tais situações.
Na maior parte das vezes essas tragédias atingem a população de baixa renda, mas, como no próprio caso do Vale do Itajaí, são também atingidas edificações associadas a uma classe média alta, certamente em situações de evidente legalidade fundiária e urbanística, o que evidencia de forma ainda mais aguda a total falta de controle da administração pública sobre a gestão de seu território.
Para uma mais acurada compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.
Do ponto de vista estritamente técnico, e tendo em conta que as expansões urbanas tendem, nos municípios referidos, progressivamente a atingir relevos topograficamente mais acidentados e, portanto, mais instáveis geotecnicamente, vale registrar categoricamente que não há uma questão técnica sequer envolvida no problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas pela Geologia e pela Engenharia Geotécnica brasileiras.
Cartas Geotécnicas, Cartas de Risco (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras adequadas a contenção de taludes e encostas, tipologia de projetos de ocupação urbana adequados a áreas topograficamente mais acidentadas, mapeamento de situações críticas, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil são parte desse abundante ferramental necessário para o enfrentamento do problema em sua componente técnica preventiva (que se dá especialmente no âmbito de uma eficiente gestão do uso do solo sob a ótica geológica e programas emergenciais de defesa civil) e corretiva, que se dá especialmente no âmbito de programas de consolidação geotécnica (incluindo a indispensável remoção de edificações instaladas em áreas de alto risco com realocação das famílias envolvidas em áreas geologicamente adequadas).
O segundo aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, refere-se às componentes sociais, políticas e econômicas do problema. A enorme explosão demográfica urbana que a partir da década de 50 atingiu as cidades brasileiras deu-se em uma velocidade tal que as despreparadas, e muitas vezes descompromissadas, administrações públicas dos três níveis não foram capazes de acompanhá-las em sua função intrínseca de planejamento urbano e provimento de infra-estrutura de serviços públicos. Nesse cenário, são justamente as áreas caracterizadas por fatores de periculosidade e insalubridade (especialmente encostas íngremes e fundos de vale) que acabam oferecendo-se à população mais pobre como solução habitacional orçamentariamente compatível com seus parcos recursos.
Ficam assim técnica e socialmente criadas as condições para a ocorrência dessas terríveis tragédias. Conjunção que coloca claramente às autoridades responsáveis a indispensável aplicação combinada de duas ações públicas: a gestão geológica do uso do solo e programas habitacionais especialmente voltados à população de menor renda.
Constitui providência nesse sentido auspiciosa o Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, atualmente em desenvolvimento pelo Governo do Estado de São Paulo junto aos chamados Bairros Cota, enormes aglomerações urbanas que temerariamente se desenvolveram às margens da Via Anchieta em seu trecho da Serra do Mar. O sucesso da implementação desse programa, com sua projetada extensão para todos os municípios paulistas contíguos à Serra do Mar, certamente poderá, a exemplo das ações de consolidação geotécnica nos morros de Recife e outros casos pontuais de sucesso, vir a se constituir em um virtuoso paradigma para a gestão de situações similares.
* É geólogo, ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia da mesma entidade; autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão" e "Diálogos Geológicos" e consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente.
Artigo publicado originalmente no portal Ambiente Brasil

2 de dezembro de 2008

Xiii... Deu branco!

 

O enfrentamento das provas dos vestibulares mais concorridos do país talvez seja o primeiro grande desafio profissional dos jovens. É fácil mensurarmos esse desafio: a conquista de uma vaga em uma universidade pública no curso de medicina, por exemplo, significa obter um prêmio de cerca de R$ 225.000,00 – preço médio que o aluno pagaria pelo curso em uma universidade particular. Um candidato que não apresentar um grau de excelência nos quesitos técnico (conhecimento do conteúdo programático) e psicológico (administrar a ansiedade no momento da prova) terá sérias dificuldades para obtenção de êxito. Nesse espaço, estou preocupado com o equilíbrio psicológico. Por que tanta gente “derrapa” no momento da prova? O que faz com que candidatos capacitados em termos de conhecimento fiquem tão nervosos que não consigam reverter em pontos o que sabem – têm brancos e sensações físicas como: taquicardia, suor excessivo, tremores, entre outros?
Inicio a reflexão sobre isso com um pensamento:

“Os homens são perturbados não pelas coisas em si, mas pelo que pensam sobre elas”. (Epitectus, 70 a.C.)

Exatamente isso. São os pensamentos que contam. Sempre que você experimenta um estado de ansiedade intensa, existem pensamentos que definem e fortalecem esse estado. Alguns leitores podem estar questionando se é possível os pensamentos produzirem as reações físicas observadas durante o nervosismo. Não é difícil comprovarmos isso: imagine um limão bem suculento. Agora, mentalmente corte esse limão, pegue uma das metades e esprema-a em sua boca. Se você fez esse exercício com concentração, provavelmente salivou. Isso comprova que os pensamentos produzem reações físicas. Mas como isso pode ocorrer durante a prova? Observe:

batimento cardíaco um pouco aumentado
(reação física)

estou ficando nervoso
(pensamento)

respiração superficial e aceleração dos batimentos cardíacos
(reações físicas)

não estou me lembrando de nada, não vou conseguir
(pensamento)

respiração mais superficial e menos oxigênio para o cérebro
(reações físicas)

eu sabia que ia ficar nervoso, me deu branco!
(pensamento)

Observe que uma seqüência de pensamentos intensificou as reações físicas e culminou no famoso branco. Mas como impedir que isso aconteça? É importante que você identifique o que está pensando e verifique a veracidade dos seus pensamentos antes de agir:

batimento cardíaco um pouco aumentado
(reação física)

estou ficando nervoso
(pensamento)

é perfeitamente comum ficar um pouco nervoso no início de uma prova. Tenho certeza de que quem está levando essa prova a sério também está nervoso.
(pensamento compensador)

.............

não estou me lembrando de nada, não vou conseguir
(pensamento)

é impossível se lembrar de tudo. Não me lembrar de alguns assuntos não quer dizer que eu não vou conseguir. Vou dar o máximo de mim.
(pensamento compensador)

Estar vigilante aos pensamentos e considerar o maior número possível de ângulos de um determinado problema pode levar a pessoa a novas conclusões e desfechos. É importante ter em mente que:

  • se para ter paz, você precisa da certeza de que irá passar, então você nunca terá paz, pois essa certeza é impossível;

  • se para ter paz, você precisa lembrar-se de tudo, então você jamais terá paz, pois é impossível se lembrar de tudo;

  • se para ter paz, você acredita ser necessário dar tudo certo no dia da prova, então você não terá paz. É perfeitamente possível que algo dê errado sem que isso o prejudique a ponto de impedir a conquista de sua vaga.

Embora a identificação e a modificação dos pensamentos sejam um ponto central para a diminuição da ansiedade, colocá-las em prática exige treino e vigilância. Treine bastante e boas provas!

Celso Lopes de Souza

  • Médico formado pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).

  • Membro do grupo de estudos de TDAH (Transtorno do Déficit da Atenção/ Hiperatividade) da UNIAD/UNIFESP.

  • Ministra palestras na área de psiquiatria – incluindo o tabagismo.
  • Autor de artigos técnicos sobre os mecanismos cerebrais de dependência da nicotina, além de dirigir uma clínica antitabagista.
  • Autor do livro
    A Última Tragada, publicado pela editora HARBRA.

24 de novembro de 2008

Negro ganha a metade que um não-negro

 

RAQUEL MALDONADO

20-11-2008

Na semana em que o Brasil relembra o assassinado de Zumbi dos Palmares, o máximo símbolo da resistência negra à escravidão no país, e que se celebra o Dia da Consciência Negra, uma pesquisa aponta desigualdades entre os salários dos trabalhadores brasileiros negros e não- negros.

De acordo com a pesquisa do Seade/Dieese, realizada na Grande São Paulo, a região mais rica do país, a renda de um trabalhador negro é metade da de um não-negro. Segundo os dados, enquanto o rendimento médio do negro é de R$ 4,36 por hora, o não-negro recebe R$ 7,98.

Para José Vicente, presidente da ONG Afrobras e reitor da Unipalmares (Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares), esse tipo de pesquisa serve para chamar a atenção para o fato de que ainda existe no Brasil uma desigualdade racial muito grande.

"O negro no Brasil não consegue encontrar espaços sociais de prestígio. Não há negros nas universidades, não há professores negros nas universidades, eles não estão no poder judiciário, no senado ou na câmara dos deputados. Não há negros na comunicação social. Nas novelas os negros também não aparecem muito. O que existe no Brasil é uma verdadeira invisibilidade do negro no espaço social", lamenta Vicente.

Educação

Apesar de que uma das principais causas apontadas por especialistas para explicar esta desigualdade na renda seja o menor acesso à educação, a pesquisa indica que, quanto maior o nível de estudos, maiores são as disparidades. Segundo o documento, enquanto a diferença entre a renda dos que não terminaram o ensino fundamental é de 20%, entre os que possuem o ensino superior completo o índice chega a 40%.

"O problema não está só na dificuldade que um negro tem para aceder ao mercado de trabalho, pois uma vez inserido neste mercado, as dificuldades continuam. Muitas vezes, ainda tendo as mesmas qualidades e as mesmas capacidades de um não-negro, seu salário é 50% menor", complementa Vicente.

Segundo o reitor, o que o Brasil precisa é de um grande movimento social para impulsionar o combate à discriminação racial, uma vez que essa questão não é um problema só do negro, mas, sim, de todos os brasileiros.

"Temos que contar com o apoio de todos para criar uma onda positiva no sentido de compreender o valor do respeito à diversidade e do respeito à tolerância. E fazer que estes sejam os valores prestigiados, incentivados e praticados tanto pelo governo quanto por toda sociedade. Temos que fazer que a história do negro e a história da África sejam aprendidas para que se crie uma identidade histórica, se eleve a auto-estima e também para difundir qual foi a contribuição do negro na construção do Brasil".

Estados Unidos
Vicente também opina que o Brasil deveria se espelhar em outros países na busca por uma melhor integração racial. "A vitória de Barack Obama já fez o Brasil sentar no divã. O Brasil vai ter que responder a si mesmo como um país que teve uma segregação racial oficial como a que tiveram os Estados Unidos tem hoje, depois de só 50 anos, um negro como presidente da República e nós, que nos orgulhamos de ser uma democracia racial, temos negros ganhando quase 60% menos que um trabalhador branco?".

11 de novembro de 2008

Por que a América não dará um giro à esquerda

PAUL HARRIS

 

A eleição de Barack Obama como o 44º Presidente dos EUA – e seu primeiro líder negro – tem sido celebrada como uma revolução e uma transformação. A ala direita dos Republicanos teme que seu país esteja aderindo ao presidente mais radical desde Roosevelt. Mas a análise dos votos e da própria personalidade de Obama revela muito menos mudança do que se está pensando.

Paul Harris - The Guardian

Data: 10/11/2008

Teve certamente a aparência de uma revolução. Em todos os recantos do país, partidários republicanos foram expulsos de seus postos. Estados que ao longo de uma geração não tinham votado pelos democratas tornaram-se azuis. De cidade em cidade, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas. Nos portões da Casa Branca, uma multidão se reunia e gritava: “Obama! Obama!”.
Agora, enquanto a América encara o fato de que Barack Obama será seu próximo presidente, muitos estão se perguntando se as mudanças políticas terão a mesma dimensão que a dessa campanha política. Alguns estão falando num novo New Deal. Eles vêem uma oportunidade de os democratas transformarem a América. Eles calculam uma hegemonia democrata por no mínimo uma década. Isso, sinceramente, tem mais com o novo do que com o velho.
Os números frios parecem reforçar esse argumento. Obama foi o primeiro democrata, desde 1976, a vencer com mais de 50% dos votos. Ele trouxe os democratas de volta ao poder no Sul Profundo, no Meio-Oeste e nas Montanhas Rochosas. Os Democratas são, de novo, uma parte do todo do país. Os republicanos parecem uns bundões.
Durante a campanha, a máquina republicana de ataque chamou Obama de marxista e socialista. Ele era um democrata tax-and-spend (1); o mais liberal dos políticos do Senado; um radical perigoso. E ainda assim a América votou nele. E não apenas isso, eles dobraram as esquinas aos montes e esperaram horas nas filas para eleger o primeiro Presidente negro. “Essa é uma mudança fundamental. Era totalmente imprevisível até há um ano atrás”, disse David Peritz, um cientista político do Sarah Lawrence College, de Nova York.
Fez a América liberal lamber os beiços. Obama usou o slogan de uma só palavra – mudança – e essa mudança é o que seus apoiadores querem. Alguns ativistas vêem uma chance de transformarem a América do mesmo modo que o fez Franklin Roosevelt. Controlando todos os níveis do governo, Obama pode redesenhar uma nação e os republicanos podem fazer pouco para interditar isso. Essa parece uma visão sedutora. Mas é real?
A história da esquerda norte-americana não tem sido uma história feliz. Parece que o país tem um conservadorismo inato que faz com que os políticos de esquerda sofram. Ainda assim Obama já começou a tarefa de preparação para governar. Ele está reunindo seu time e estabelecendo metas. A propaganda e os sonhos da campanha acabaram. Agora a América quer saber se a revolução de Obama é um artigo genuíno. Em breve saberá.
Às vezes, os momentos mais eloquentes de uma campanha aparecem nos detalhes esquecidos. Lá em janeiro, Obama encontrou editores de um jornal de Nevada, o Reno Gazette-Journal. Ele os surpreendeu elogiando o presidente Ronald Reagan, não apenas por suas políticas, como por sua habilidade para mudar a América. “Ele estabeleceu uma marca fundamentalmente diferente, porque o país estava preparado para isso.”, disse Obama. Os comentários causaram um breve tumulto. Hillary Clinton atacou Obama como se este tivesse reivindicado o legado de direita de Reagan. Então, isso desapareceu de vista.
Até agora. No rastro da sua vitória eleitoral na semana passada, esses detalhes puderam ser vistos sob nova luz. Muitos democratas estão esperando que Obama possa ser uma versão de esquerda de Reagan. Ele pode mudar a América por uma geração. O reaganismo, afinal de contas, dominou a vida política americana de 1980 até a semana passada. Todos os políticos depois dele, inclusive Bill Clinton, tiveram de ser pró-mercado, pelo corte de impostos, pró-guerra e do campo anti-governamental que Reagan criou. Agora, muitos liberais dizem que Obama tem o mandato para fazer a mesma coisa. Mas ao contrário. “Há muita gente falando em Washington sobre o fim da era Reagan”, disse John Fortier, um pesquisador visitante no conservador American Enterprise Institute.
Obama construiu uma grande e viável coalizão de apoio, composta de universitários brancos, negros e hispânicos e de jovens eleitores. Essa coalizão impulsionou o partido para fazer estados como Ohio, Iowa e Florida mudarem. Ela tornou estados vermelhos como Indiana, Colorado, Novo Mexico, Nevada, Virginia e Carolina do Norte em azuis. Obteve grandes avanços no Congresso, dando a Obama o controle sobre o governo. “Ele claramente tem um mandato. O poder está lá. A questão agora é quando ele fala que traz mudanças. O que ele quer dizer?”, disse David Frum, um quadro republicano e ex-assessor do Presidente George W. Bush.
Essa é a questão que está na cabeça de todo mundo. Durante a campanha a agenda era ambiciosa, potencialmente transformadora. No Iraque, Obama prometeu trazer as tropas americanas de volta para casa, talvez em 16 meses. Ele vai conversar com líderes de países como Irã, Cuba e Coréia do Norte. Ele prometeu uma maciça ampliação do serviço de saúde. Ele quer cortar impostos da classe média e aumentar os da classe alta, revertendo a tendência dos anos Bush.
Ele quer uma expansão maciça da indústria verde e de energia alternativa. Quer fazer com que serviços nas Forças Armadas, escolas e no exterior sejam trocados em créditos para pagar a universidade. A tudo isso seria acrescida a mudança mais fundamental de todas: trazer o governo de volta para a vida das pessoas.
Mas Obama tem mais do que influência política e idéias de esquerda. Sua campanha não foi comum. Foi um movimento de massa na idade da tecnologia. A campanha de Obama atraiu mais de 3,1 milhões de doadores e voluntários via internet. Eles existem como ativistas potenciais em todos os distritos congressuais no país, prontos para agitar e fazer lobby e campanha para a agenda de Obama. Essa é uma força que nenhum outro político americano jamais teve, antes; uma militância massiva online. Num e-mail enviado momentos antes ele fazer seu discurso da vitória, na última terça-feira, Obama disse-lhes para se prepararem: “Temos muito o que fazer para trazer nosso país de volta aos trilhos e em breve entrarei em contato para tratar do que vem depois”, ele escreveu.
Essa perspectiva amedronta alguns americanos. Literalmente. No Bar Madison, no subúrbio de Beaumont, Texas, o partido republicano local na semana passada assistiu ao desenrolar da vitória de Obama. Os apoiadores se aglomeravam em cima das televisões que faziam a cobertura ao vivo. Havia uma consternação geral. Mesmo que o Texas tenha permanecido solidamente vermelho, estava claro que muitos do resto do país estavam, de repente, num curso diferente. “Eu acho que ele é um socialista. Eu não penso que o povo que votou nele agora sabe o que é o seu verdadeiro plano”, disse Marilyn Martindale.
Essa era uma visão comum. Como o humor no Bar Madison foi ficando mais deprimido, a conversa giravam em torno do pior sob Obama. “Como ele pôde ter ganho a confiança do país? Eu tenho medo que nossa vida esteja para mudar drasticamente”, disse Sue Harris enquanto a Fox News alardeava os detalhes da mais recente perda dos republicanos.
Mas há fortes sinais de que o maior dos medos dos Republicanos – e os mais ambiciosos sonhos dos Democratas – não têm bases sólidas. Obama não apenas enfrenta um ambiente de potencial intoxicação econômica, ele mesmo se parece muitíssimo mais com um moderado do que com um radical. Contrariamente às preocupações dos Republicanos no Texas, muita gente pensa que Obama não é revolucionário. Tampouco que a eleição lhe deu uma licença para fazer uma revolução.
Muito da campanha de Obama estava baseado em sólidos fundamentos de centro. Seu apelo, do seu discurso na convenção de 2004 a esta campanha de 2008, sempre foi pela unidade. Ele disputou a eleição defendendo o direito constitucional de defesa dos proprietários de armas de fogo. Ele apoiou a pena de morte. Ele apostou nas promessas de cortes de impostos. Seus planos para a assistência em saúde era menos radical do que aquele da sua maior rival Democrata, Hillay Clinton ou John Edwards. Ele falou aos homens negros sobre a importância de assumir responsabilidade pela vida familiar. Seu discurso de campanha estava frequentemente inflado de valores religiosos.
Na verdade, Obama vestiu sua fé cristã mais abertamente, na disputa eleitoral, do que John McCain. “Eu acho que ele vai proceder agressivamente, mas não radicalmente”, disse Larry Haas, um comentarista político e ex-assessor de Clinton na Casa Branca.
Um olhar sobre as figuras determinantes da eleição também revela que a América não se tornou uma nação liberal da noite para o dia. McCain enfrentou um ambiente quase impossível para um Republicano concorrer. Ainda assim ele obteve 46% dos votos. A vitória de Obama na Carolina do Norte, Indiana, Ohio e Florida foi por poucos pontos percentuais.
Uma enquete recente mostrou que apenas 22% dos americanos se identifica com os liberais. Não deveria ser esquecido que McCain terminou as convenções à frente nas pesquisas. Foi somente depois da pior crise financeira desde a Grande Depressão que Obama conseguiu se tornar uma liderança sólida. Sua vitória não foi esmagadora como a de Roosevelt quando ele levou 48 estados em 1936, ou a de Reagan em 1984, que venceu em 49. Na realidade, Obama ainda perde dentre os votos dos brancos por 12 pontos percentuais e os brancos ainda são 74% dos votantes.
“Isso não é de fato uma onda. É um tipo de pequeno terremoto; ainda que, claro, quando você está no topo de um, o pequeno possa parecer bastante grande”, disse Darrell West, um diretor de um think tank de centro-esquerda da Brookings Institution.
Talvez não seja surpresa que dirigentes Democratas – ao contrário dos ativistas da esquerda do partido – não estejam clamando por revolução. “Este governo deve ser de centro”, disse a presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi na semana passada. “Eu não acho que este seja um mandato para New Deal”, ecoou Howard Dean, dirigente do Comitê Nacional Democrata. De fato, as ambições de Obama parecem limitadas e serão profundamente tolhidas pelas brutais condições econômicas que irá enfrentar. O há tanto tempo querido sonho de uma política de assistência em saúde será realizado em estágios, não de uma só vez.
“Eu não vejo a assistência em saúde acontecendo logo. É mais provável que se faça mudanças de incremento”, disse West. Muitos programas governamentais vão enfrentar arrocho orçamentário ou cortes de gastos. A opinião popular americana também permanece a mesma. Não houve um abraço massivo aos valores liberais. Muito do país permanece essencialmente de centro-direita. É só olhar a rejeição do casamento gay na Califórnia, semana passada.
Em nenhum outro lugar isso será mais claro do que na política externa, a despeito da euforia mundial da última semana. “Houve quase sempre continuidade na política externa Americana”, disse Haas. Na semana passada Obama começou a ter acesso aos mesmos informes da inteligência de Bush. Ele receberá um por dia pelo resto de sua presidência. São eles que provavelmente desenharão sua política externa, muito mais do que os ideais liberais.
Obama pode ser mais aberto para falar com nações como Irã, Cuba, Venezuela ou Coréia do Norte. Mas as forças armadas americanas permanecerão com seus postos militares avançados em todo o mundo. Na verdade, quando se chega a questões como Paquistão e Israel, Obama tem sido às vezes mais hawkish (2) do que McCain ou Bush. Ele tem falado sobre sua vontade de usar a força. Os países que receberam bem a vitória de Obama irão provavelmente entender rápido que as relações de poder no mundo permanecem as mesmas. A Realpolitik é um jogo que todos os presidentes norte-americanos jogam.
Mas, se a eleição de Obama não representa suficientemente um abraço americano à esquerda, ela mostra uma coisa: uma clara rejeição ao estilo Bush de republicanismo. A esse respeito uma nova era está nascendo. A eleição lançou o partido Republicano na selvageria política. Muita gente pensa que o movimento conservador popularizado por Reagan tem de mudar ou acabar. “Claramente houve uma rejeição massiva ao conservadorismo de Bush. Foi o fracasso daquela filosofia”, disse John Halpin, pesquisador convidado sênior no Centre for American Progress, umathink tank liberal dedicada a fortalecer a vida dos americanos através de idéias e ações.
Na semana passada o partido Republicano começou a superar essa rejeição. Num retiro de fim-de-semana na zona rural da Virgínia do ícone conservador Brent Bozell, fundador do grupo cão de guarda Media Research Centre, em torno de 20 grandes lideranças se encontraram para discutir o futuro do partido. Entre os convidados estavam o cruzado anti-impostos Grover Norquist e Al Regnery, publisher da American Spectator. Depois de conversas Bozell deu uma tele-conferência onde explicitou as conclusões do encontro. “A ala moderada do partido Republicano está morta”, disse ele. Isso ecoou os ataques conservadores aos moderados do partido, tais como os colunistas David Brooks e Peggy Noonan, que tinham criticado a direita durante a campanha. Alguns lhes pediram para deixar o partido.
Isso soa quase como música nos ouvidos democratas. Os democratas, longe de estarem lançando uma revolução de esquerda, ganharam muito apoio ao centro. Os Republicanos têm sido reduzidos aos seus recônditos. Como consequência, o partido Republicano está mais de direita e mais conservador do que o próprio país e pode se mover ainda mais para a direita. Isso também anuncia uma batalha amarga que durará, provavelmente, para além de 2012. “Eles vão fracionar severamente”, disse Haplin.
A guerra civil vai dar o tom da base conservadora do partido, provavelmente numa linha Sarah Palin, contra os reformadores que querem conversar com os moderados. É o mesmo processo por que os conservadores na Grã Bretanha passaram depois da vitória de Tony Blair em 1997. Ou os trabalhistas depois do triunfo de Margaret Thatcher em 1983. Os Republicanos estão fora, neste momento, das preocupações dos americanos. As pedras-de-toque das questões sobre aborto e o combate ao casamento gay despertam paixões mas não vencem mais eleições.
O ganho de Obama dos votos dos hispânicos também é crucial. Bush e seu guru político, Karl Rove, lutaram muito pelo rápido crescimento demográfico. Mas o colapso da reforma da imigração nas mãos dos conservadores republicanos acabaram com isso. Isso deixou o partido distintamente branco, ao tempo em que os votos das minorias se tornaram mais numerosos e mais poderosos.
Está difícil estimar um rápido caminho de volta para os Republicanos, seria necessária uma espetacular má-administração da presidência de Obama. Frum previu uma amarga avaliação das chances do seu partido nos próximos anos. Se a história serve de algum exemplo, a base dos conservadores vai agora tomar o partido, forçando uma plataforma de direita para seus candidatos de 2012. Só uma nova derrota presidencial convencerá o partido de que seu futuro está rumo ao centro. “É possível que possamos estar de volta na próxima eleição presidencial. Mas, para ser honesto, isso parece sempre mais distante que em um ano”, Frum, ex-assessor de Bush, disse.
Mas, apesar de a política dessas coisas ser complexa, houve poucas dúvidas que uma mudança genuína estava no ar na última semana. Isso pôde ser sentido até no coração da terra vermelha do Texas. Do lado de fora de um barraco na union hall (3) em Beaumont, Claudia Deshotel tinha clareza por que tinha votado em Obama. “Eu quero simplesmente algo diferente. Nós precisamos de mudança. Alguma coisa deve ser melhor do que o que temos agora”, ela disse.
Ela teve sorte. A direita foi rejeitada, mesmo que a esquerda não tenha sido plenamente abraçada. Obama escolherá um cuidadoso percurso entre o desejável e o possível para conduzir o país a um caminho diferente. Mas há uma área da política americana que foi plenamente transformada. A campanha de 2008 pôs um homem negro na Casa Branca. O poder simbólico disso não pode ser revertido. Quebrou-se uma barreira que parecia insuperável há uma geração.
Ao mesmo tempo, Hilary Clinton e então Palin superaram obstáculos para a as mulheres concorrerem aos mais altos postos. Isso também pôs a América num caminho sem volta. Um futuro de crescimento das minorias e das mulheres em ambos os partidos é inevitável. Nesse sentido, a campanha de 2008 criou um bravo mundo novo.
Publicado no The Guardian, onde Paul Harris é colunista, em 9 de novembro de 2008
Tradução: Katarina Peixoto
(1) Que cobra mais imposto para financiar programas distributivos. Político que taxa e gasta. N.de T.
(2) Denominação informal – significa falcão - para políticos pró-armas, ou pró-guerras, dos EUA. N.d.T.
(3) Região censo-designada do estado norte-americano da Virgínia, no Condado de Franklin. Da Wikipedia. N.deT.

Agência Carta Maior

US$ 553,5 bilhões atam o Brasil à ciranda mundial

A REORDENAÇÃO PÓS-CRISE

 

O Brasil atrelou seu destino à lógica dos mercados financeiros desregulados a partir dos anos 90. A prerrogativa da intervenção pública - sobretudo no setor financeiro - ficou subordinada a regras que protegem grupos de interesses locais e internacionais; os mesmos que ameaçam pôr em movimento uma montanha desordenada de capitais voláteis, cuja força é suficiente para reverter a retomada do desenvolvimento.

Redação - Carta Maior

Data: 10/11/2008

Moeda é poder. O consenso aparente em torno da regulação dos mercados nesse momento esconde a dimensão política da crise. Existe hegemonia embutida em uma nota de dólar; explorados e exploradores na definição da taxa de juro. Está em jogo a reordenação da hierarquia entre moedas abalada pelo colapso da ordem neoliberal. A prática não ecoa o consenso reformista dos discursos oficiais. Foi assim também em 1929.
Uma Guerra mundial levou para os campos de batalha a arbitragem de impasses que paralisavam as nações, corroíam regimes monetários e minavam a produção e circulação da riqueza. A nova correlação de forças sancionada pelo argumento bélico foi legitimada em Bretton Woods, em 1944, quando a velha liderança britânica cedeu lugar à supremacia dos EUA, dos seus bancos, da sua indústria e da sua moeda em todo o planeta.
A disputa em marcha no mundo encontra urgências e impasses equivalentes na vida interna das nações. O Brasil não é exceção: US$ 553,5 bilhões de dólares atam o país à ciranda mundial.
Decisões tomadas desde os anos 90, destinadas a atrair, incentivar e garantir a mobilidade do capital estrangeiro na economia nacional restringiram a autonomia da política econômica e podem enfraquecer o Brasil nas respostas para enfrentar a crise. A prerrogativa da intervenção pública - sobretudo no mercado financeiro - ficou subordinada a regras que fortalecem e protegem grupos de interesses locais e internacionais; os mesmos que agora ameaçam por em movimento uma montanha desordenada de capitais voláteis, cuja força é suficiente para reverter a retomada do desenvolvimento.
Hoje esses recursos equivalem a US$ 553,5 bilhões. Um poder de pressão quase três vezes (2,7 vezes) superior à margem de autonomia proporcionada pelas reservas cambiais acumuladas desde 2003 (US$ 200 bilhões). Assimetrias dessa ordem ajudam a entender um paradoxo da crise: a exemplo do Brasil, inúmeras nações da periferia do capitalismo clamam por reformas na arquitetura financeira mundial, mas hesitam em aplicá-las internamente.
Para entender como essa dependência se cristalizou e a dificuldade para reverter algo que aprisiona a economia numa espécie de “caos calmo”, Carta Maior ouviu vários economistas entre os quais a professora Daniela Magalhães Prates, da Unicamp. Especialista em economia internacional, Daniela publicou recentemente um artigo oportuno em parceria com Marcos Antonio Macedo Cintra, também da Unicamp: “Keynes e a hierarquia de moedas: possíveis lições para o Brasil” , texto incluído na coletânea “Economia do Desenvolvimento , teoria e políticas keynesianas”, organizada por João Sicsú e Carlos Vidoto.
I) Recursos voláteis equivalem a quase três vezes o total das reservas brasileiras
Dois pontos reafirmam a pertinência desse debate no momento. O primeiro é a gravidade e a dimensão do que está em jogo. Dada a inexistência de controles de capitais, o montante de dólares que entrou e poderá sair do país a qualquer momento impressiona pelo poder desestabilizador. “Estamos falando”, explica a economista Daniela Prates, "de US$ 553,5 bilhões que formam o Passivo Externo Líquido (PEL) do país”. Trata-se do saldo entre o estoque dos investimentos externos (financeiros e produtivos) existentes na economia; mais o valor da dívida externa; menos investimentos de brasileiros no exterior e reservas cambiais. Daí a denominação passivo “líquido” – uma medida de dependência mais exata que o conceito de dívida externa já que inclui toda ordem de remessas possíveis, desde juros, royalties, lucros a fugas potenciais do dinheiro de curto prazo.
Há uma outra forma de medir esse flanco, segundo a professora Daniela Prates . O saldo, neste caso, contabiliza o montante bruto de passivos de curto prazo, sem descontar as reservas. Hoje isso daria pouco mais de US$ 531 bilhões: 2,7 vezes o total das reservas. São recursos sujeitos a fugas e resgates abruptos, facilitados pelas decisões tomadas a partir dos anos 90 e agora postas em xeque. “Não existe estabilidade econômica numa situação como essa. Para ter segurança em regime de mobilidade de capitais só mesmo com reservas chinesas (US$ 1,5 trilhão)”, alfineta.
II) Armínio Fraga soldou o país ao cassino financeiro; sucessores mantiveram laços
O Brasil, a exemplo da maioria dos países da periferia do capitalismo, atrelou seu destino à lógica dos mercados financeiros desregulados a partir dos anos 90. O governo Collor já havia ensaiado alguns passos nessa direção, mas o ponto central da solda entre o mercado interno e a finança volátil foi consumado pelo então presidente do Banco Central no governo FHC, Armínio Fraga. Ex-funcionário do mega-especulador George Soros, Armínio trouxe para o BC um reconhecido traquejo no jogo pesado das finanças desreguladas. Foi essa experiência e o endosso do governo PSDB/PFL às teses do Estado mínimo que orientaram a decisão política de liberar o entra-e-sai de capitais de curto prazo no país em janeiro de 2000.
A Resolução 2.689 autorizou a aquisição de ações e títulos pelo capital estrangeiro, bem como liberou-o para captar, interligar e especular em mercados de derivativos. Hoje, o ex-presidente do BC beneficia-se dessa medida à frente do Gávea, um “fundo agressivo” aberto a investidores da elite do dinheiro fugaz. Gente selecionada pela carteira e apetite para correr risco altos em troca de retornos sempre acima da média mundial.
Os sucessores de Armínio Fraga, é forçoso dizer, ampliaram em vez de cortar os laços com a ciranda global. Restrições à aquisição e remessas de dólares foram eliminadas em março de 2005 pelo então ministro Antonio Palocci. Em julho de 2006, concedeu-se isenção fiscal na aquisição de títulos públicos por fundos estrangeiros.
“Boa parte da vulnerabilidade brasileira nesta crise decorre das implicações de medidas que facilitaram a mobilidade de capitais na economia”, confirma a economista da Unicamp.
III) Um jogo que dá direito à fatias crescentes da riqueza sem contribuir para gerá-la
Investidores estrangeiros e nacionais dispõem hoje de um variado cardápio de facilidades e “inovações” que garantem salvo-conduto na porta-giratória de um mercado amplamente integrado ao jogo da finança global. Um fundo como o Gems Investimentos de origem israelense, com sede em Londres, que capta recursos no Brasil e centraliza sua contabilidade no paraíso fiscal de Luxemburgo é um exemplo de como as coisas funcionam.
O Gems, como outros, explora uma novidade introduzida no país há dois anos muito apreciada antes crise. O “produto” de ponta da “indústria” de fundos permite captar recursos em reais; aplicar em ativos estrangeiros no exterior (ações, commodities, cotas de outros fundos, sub-primes etc); não deixa marcas de remessas na contabilidade do aplicador; não exige abertura de conta lá fora, nem incorre em ônus fiscal no estrangeiro. Tudo isso legalmente.
Gestores mais criativos seduzem clientes insaciáveis com promessas de metas “alfa". Trata-se de dobrar rendimentos numa sucessão fulminante de apostas globais feitas num curto espaço de tempo e à descoberto (em bom português: apostando o que não se têm). Esse são alguns indícios de que a regulação em pauta requer algo mais do que apelos sensatos à prudência e à temperança na gestão financeira. O que está em jogo é desmontar uma usina de lucros meteóricos que assegura a seus participantes o direito a fatias cada vez generosas da riqueza real, sem contribuir um centavo para que ela cresça em proporções equivalentes. É uma rota de colisão: de um lado, a voragem estrutural do capital fictício; de outro, o risco de colapso da sociedade que já não consegue mais saciá-lo sem se auto-destruir.
IV) Desregulação internaliza instabilidades e, ao mesmo tempo, engessa o Estado
Graças à livre circulação de capitais fundos hedge – assim como bancos e empresas - podem apostar livremente contra e à favor da moeda brasileira na bolsa local de mercadoria. Idealmente, o equilíbrio de contratos entre comprados e vendidos (respectivamente, apostas na alta e na baixa da moeda norte-americana, por exemplo) criaria um espaço de liquidez para proteger operações indexadas ao câmbio, caso do comércio exterior e empréstimos em moeda estrangeira. O colapso atual evidenciou que essa finalidade foi desvirtuada em todo o mundo e aqui também. Operações especulativas muito superiores às necessidades de hedge (proteção) seduziram exportadores e bancos que apostaram maciçamente na direção errada ao prever a queda do dólar no mercado brasileiro.
Estima-se que o mico referente a distintas modalidades de contratos de risco e opções “vendidas” em dólar possa alcançar entre US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões. Os casos da Sadia e da Aracruz ilustram o tamanho do prejuízo que poderá esfarelar balanços, a depender da evolução cambial: a primeira teria assumido posições de risco no valor de US$ 7,6 bilhões; a segunda, de US$ 8,5 bilhões.
V) O especulador entra sem trazer capitais, aluga fiança, aposta alto e altera o câmbio
Uma particularidade das operações com derivativos cambiais na bolsa brasileira é que os contratos são zerados em moeda nacional. Em tese, isso evitaria uma corrida ao mercado físico do dólar; vantagem anulada, todavia, pela mobilidade de capitais que potencializa a instabilidade inerente às apostas em derivativos. “O especulador estrangeiro não precisa internalizar recursos para fazer apostas na bolsa brasileira”, explica a economista Daniela Prates. “Ele pode fixar posições altamente alavancadas ( muito superiores aos recursos próprios) dispondo apenas de uma carta de fiança fornecida por banco local; ou mediante o aluguel de títulos depositados como margem de garantia na bolsa”, esclarece a professora da Unicamp.
Decorrem daí inúmeras distorções que convergem para gerar forte instabilidade na formação da taxa de câmbio, um dos preços decisivos do cálculo econômico. “O governo acumula reservas com base em fluxos físicos de capitais e mercadorias”, esclarece Daniela. “Porém, como dispensam ingresso efetivo de moeda, as operações com derivativos não deixam uma contrapartida equivalente no balanço de pagamento, nem nas reservas. Cria-se assim uma dissociação perigosa. Mudanças abruptas na direção e nos volumes das apostas, associadas a fugas de investidores, emitem um sinal forte que contamina a definição da taxa de câmbio no mercado físico. Como as reservas são inferiores ao deslocamento potencial em jogo, isso gera incertezas que se propagam por toda a economia”, ensina.
VI) Idéias de Keynes em Bretton Woods ainda enfrentam resistências, 64 anos depois
As conseqüências e constrangimentos que a mobilidade de capitais impõe às políticas de desenvolvimento foram exaustivamente estudadas por John Maynard Keynes nos anos 40. Em 1944, como representante inglês em Bretton Woods, ele propôs uma nova arquitetura financeira mundial .A criação de uma moeda global contábil (obancor) e um banco central dos bancos centrais (clearing union), constituíam mecanismos de coordenação indispensáveis, no seu entender, para harmonizar assimetrias entre economias ricas e pobres e garantir um ciclo estável de prosperidade no pós-Guerra. Impor uma disciplina espartana à mobilidade dos capitais era uma espécie de lei de bronze dessa arquitetura. As propostas de Keynes, como se sabe, foram rejeitadas pela delegação norte-americana que enxergou aí a tentativa inglesa de restringir a liderança mercantil e financeira conquistada pelos EUA durante a Guerra, que dava ao dólar o papel de moeda de reserva universal.
Dizer que os acontecimentos de hoje são uma conseqüência da derrota de Keynes em Bretton Woods é uma parte da verdade. Na realidade, Keynes conseguiu inserir nos estatutos de fundação do FMI - proposta vitoriosa norte-americana - o direito de as nações acionarem controles de capitais em condições críticas. Embora persista formalmente nos estatutos do Fundo, o tempero keynesiano foi sepultado na prática pelo avanço da desregulação nos anos 90. Algo semelhante se deu no Brasil, na medida em que a lei do capital estrangeiro de 1961 (nº 4.131) nunca foi revogada; mas acabou reduzida a um zumbi jurídico por conta das decisões tomadas nos últimos dez anos.
Sessenta e quatro anos depois, os temas e as propostas levantados por Keynes voltam à agenda obrigatória dos chefes de Estado, inclusive do Brasil. O mundo do crash de 2008 é mais complexo; o jogo de forças inclui potências que redimensionaram a geopolítica dopós-guerra; a China e os blocos econômicos ameaçam a hegemonia norte-americana. Ainda assim será difícil vencer a resistência dos EUA em aceitar uma nova hierarquia monetária que reduza seu poder expresso em dólares.
VII) Um dos custos para atrair e manter capitais voláteis é pagar juros paralisantes
A espada de incertezas erguida sobre as políticas econômicas tende a promover uma acomodação baseada em taxas de juros impiedosamente hostis ao desenvolvimento. Em vez de controlar e selecionar investimentos que interessam, recorre-se a uma espécie de taxa- tampão, alta o suficiente para tornar sedentário um capital que por natureza é errático e especulativo. Num momento em que os BCs de todo o mundo reduzem o custo do dinheiro para refrear a espiral recessiva, o Brasil mantém a Selic em 13,75%. E ainda ameaça elevá-la novamente.
VIII) Crise desmente a tese de que livres mercados asseguram liquidez just-in-time
Juros altos radicalizam assimetrias macroeconômicas em torno de objetivos naturalmente díspares mas desejáveis, ironicamente sintetizados na tríade impossível perseguida por todas as escolas econômicas. A saber: simultaneamente sustentar o crescimento, estabilizar o câmbio e controlar a inflação. “Mais que uma defasagem específica entre reservas e passivo externo, a crise põe em xeque a tese de que a liquidez mundial tornaria desnecessário adotar o controle de capitais para estabilizar o crescimento”, explica professora Daniela Prates. Segundo a ortodoxia dos anos 90, a liquidez inerente à desregulação faria do mercado mundial um provedor just-in-time, harmonizando necessidades distintas entre contas correntes, déficits e superávits comerciais.
Sob certas circunstâncias, a panacéia entregou o que prometeu. Mas ao reverter o ciclo de liquidez para uma fuga planetária rumo ao dólar, verificou-se o quanto são frágeis as certezas ideológicas que menosprezam circunstâncias e contradições históricas. No Brasil, a exemplo do que ocorre em muitos países, o caos calmo expresso no passivo externo líquido pode transformar-se em tempestade tropical. “Reverter esse quadro em plena crise, naturalmente, é muito complicado”, admite Daniela Prates. Ainda que alguns avanços ocorram nas cúpulas internacionais, nenhum país escapará, porém, da necessidade de adaptar a agenda da regulação ao seu idioma e circunstância. Desde já o Brasil precisa decidir em que medida vai manter seu destino amarrado a um trem sem trilhos que justamente por isso mostrou-se capaz de descarrilhar o mundo.

28 de outubro de 2008

"É PRECISO SALVAR A ECONOMIA REAL"

 

Número global de desempregados pode passar de 200 milhões

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez uma primeira estimativa do impacto da crise sobre a vida cotidiana das pessoas em todos os níveis da sociedade. O número global de desempregados poderá aumentar em 20 milhões, daqui ao fim de 2009 – ultrapassando o número de 200 milhões de desempregados no mundo pela primeira vez na História.

Juan Somavia*

Data: 28/10/2008

A atual crise atingiu duramente o setor financeiro. Quais as conseqüências para as pessoas e para a economia real? Desconhecemos a gravidade desta crise e sua duração. Mas sabemos que se não agirmos de maneira decisiva as conseqüências para milhões de pessoas e suas condições de vida e de trabalho serão profundas.
Diante da urgência, as propostas se destinarm a uma melhor regulação financeira e a um mecanismo de segurança global mais eficaz. Mas devemos nos projetar para além dos mercados financeiros. A crise não se sentiu apenas em Wall Street, mas nas ruas do mundo inteiro.
O mundo necessita de um plano de resgate econômico para todos aqueles e aquelas que trabalham, investem e asseguram o funcionamento da economia real. Com regras e políticas favoráveis ao trabalho decente e às empresas produtivas. Com o restabelecimento do liame entre produtividade e salários, entre crescimento e desenvolvimento. As pessoas devem reencontrar confiança numa economia que também funciona para elas. Essa mensagem é urgente.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez uma primeira estimativa do impacto da crise sobre a vida cotidiana das pessoas em todos os níveis da sociedade. O número global de desempregados poderá aumentar em 20 milhões, daqui ao fim de 2009 – ultrapassando o número de 200 milhões de desempegados no mundo pela primeira vez na História. As pessoas que trabalham na construção, na indústria automobilística, no turismo, na finança, nos serviços e no setor imobiliário serão as primeiras atingidas.
Além disso, o número de pessoas trabalhando e vivendo com menos de um dólar por dia poderá aumentar em 40 milhões e o de pessoas vivendo com 2 dólares por dia em 100 milhões. Por mais sombrias que sejam essas previsões, é temeroso pensar que se trata apenas de uma subestimação, caso os efeitos do desaquecimento econômico e da recessão que se aventam não forem rapidamente controlados.
Devemos concentrar nossa ação sobre as pessoas, as empresas, a economia real. Quatro eixos devem ser observados. O primeiro, restaurar a circulação do crédito. As medidas de urgência já foram tomadas ou estão sendo preparadas. Segundo, dar sustentação aos mais vulneráveis. Uma série de medidas estão ao alcance das mãos, da proteção às aposentadorias ao seguro desemprego, passando pela ajuda às PME (Pequenas e Médias Empresas), que persevera sendo o primeiro nicho de emprego. Terceiro, políticas públicas eficazes e uma regulação inteligente, que recompense o trabalho e a empresa. Nós estamos sofrendo os espamos de um sistema financeiro que perdeu o rumo no plano ético.
Devemos retomar a função primeira e legítima da finança, que é promover a economia real, emprestar aos empreendedores que investem, inovam, criam empregos, produzem. Retomemos o papel primeiro dos mercados financeiros: lubrificar a engrenagem da economia real.
Enfim, e isso é crucial, devemos relevar os desafios fundamentais subjacentes. Muito antes da crise financeira atual, nós já estávamos em crise. Uma crise marcada por uma pobreza maciça em escala mundial, de desigualdades sociais crescentes, de uma informalidade e de um trabalho precário em pleno avanço. Uma crise da globalização que trouxe benefícios consideráveis, mas que, para muitos, é desequilibrada, injusta e não-durável.
É urgente reencontrar um equilíbrio. Este passa pela sustentação das pessoas e da produção. É preciso salvar a economia real. Lembremo-nos de que as pessoas julgam sua vida e seu amanhã em função do seu percurso no trabalho. Mais do que nunca, devemos lutar para que as políticas públicas e os serviços sociais necessários estejam à altura da principal preocupação das pessoas: uma oportunidade justa de ter um trabalho decente.
Para manter abertas as economias e as sociedades, as organizações internacionais responsáveis devem se reunir em torno de um quadro multilateral para uma mundialização justa e duradoura. As negociações comerciais estão em pane; os mercados financeiros vacilam e estão à beira do colapso; a mudança climática está ocorrendo; toda refundação deverá encontrar um método para integrar as políticas financeira e econômica, social e ambiental no âmbito global. A crise das subprimes não será resolvida com políticas tímidas. O tempo é de audácia, de pensamento e ação inovadores, para responder aos imensos desafios que estão postos diante de nós.
* Juan Somavia é diretor geral da OIT (artigo publicado originalmente no jornal Le Monde, em 27 de outubro de 2008)
Tradução: Katarina Peixoto

25 de outubro de 2008

Brasil participa de eventos mundiais do Slow Food na Itália


Quinta-Feira - 23/10/2008

O açaí e outras frutas, além de pratos nacionais, estarão na Mostra da Agricultura Familiar do Brasil, montada no Salone del Gusto, em Turim, na Itália. Foto: MDA/Ubirajara Machado

A biodiversidade ambiental, cultural e social da agricultura familiar brasileira é destaque na Mostra da Agricultura Familiar do Brasil, montada com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no Salone del Gusto, que teve início nesta quinta-feira (23), em Turim. O evento é a maior feira mundial do movimento Slow Food aberta ao público e deve receber 250 mil visitantes até o próximo dia 27.

Nos cinco dias de atividades, serão apresentados 22 produtos genuinamente nacionais e de alto potencial gastronômico. Açaí, baru, guaraná nativo, pequi, pinhão e buriti são alguns dos frutos brasileiros entre outros produtos a serem  mostrados em quinze empreendimentos apoiados pela Fundação Slow Food para Biodiversidade. Outras informações sobre os produtos e exposiotores da feira, além de deliciosas receitas, estão no catálogo "Brasil no Salone del Gusto”, disponível para download no site

 http://www.slowfoodbrasil.com/content/view/253/95/.

Terra Madre

As atividades do Salone del Gusto ocorrem paralelamente à realização do Terra Madre, encontro mundial que funcionará, entre 24 e 27 de outubro, como um grande fórum internacional para discussão do papel da alimentação e seu impacto econômico, ambiental, social e cultural entre as pessoas. Mais de 150 países estarão representados neste debate, que terá a participação de aproximadamente 9 mil pessoas, entre pesquisadores, gastrônomos e palestrantes reunidos em Turim.

O secretário de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Humberto Oliveira, participará da abertura oficial do Terra Madre, marcada para esta sexta-feira (24). Ele avalia que a participação do Brasil nos dois encontros demonstra o empenho do  Governo Federal em valorizar a produção tradicional do trabalhador rural. “Queremos combater a pobreza não apenas dando um prato de comida, mas valorizando culturalmente e economicamente as atividades do campo. Por isso, reconhecemos a importância do produtor brasileiro e trabalhamos para ver o homem do campo cada vez mais protagonista de seu destino”, afirma.

Cinqüenta e uma comunidades brasileiras participam do Terra Madre. Elas são constituídas por agricultores, criadores, pescadores e produtores artesanais de alimentos. O grupo tem características comuns ligadas à qualidade e sustentabilidade das suas produções. O Brasil também enviará 13 chefs de cozinha, 13 representantes de universidades e 15 estudantes do Movimento Jovem pelo Alimento (Youth Food Movement). Segurança alimentar, alterações climáticas, economia local, sementes e biopirataria, além da experiência do MDA no apoio à agricultura familiar, são alguns exemplos de temas a serem debatidos por esse Fórum Internacional.

Redação revista eletrônica Oriundi

A relação entre as finanças e a economia da produção e do consumo

 

Matéria da Editoria:
Economia
25/10/2008

PAUL SINGER

 

Para superar a crise financeira e impedir que ela lance a economia real em recessão, é essencial que o crédito seja restaurado, o que possivelmente exigirá uma intervenção efetiva do poder público nos bancos. Se os governos não fizerem isso, é provável que o dinheiro público injetado nos bancos seja entesourado, porque é o que todos os agentes privados fazem enquanto o pânico perdura.

Paul Singer

Data: 23/10/2008

O mistério do interrelacionamento entre as finanças e a economia da produção e do consumo
É nos momentos de crise financeira que a opinião pública se volta a este tema: como se interrelacionam o mundo financeiro com suas vicissitudes especulativas e o mundo da produção e consumo de valores de uso. São dois mundos distintos: no primeiro circulam valores monetários denominados genericamente de ativos porque são créditos, a cada um dos quais corresponde um débito (ou passivo); no segundo circulam bens e serviços que satisfazem necessidades de seres humanos, que por isso se dispõem a pagar para adquiri-los. Estes bens e serviços são mercadorias – produtos do trabalho humano destinados à venda, à troca por dinheiro - e neste sentido também são valores monetários. A diferença entre ativos e mercadorias é que os primeiros são valores virtuais, isto é, não satisfazem qualquer necessidade diretamente, ao passo que os últimos são valores reais, prontos para serem utilizados ou consumidos.
As finanças prestam serviços à economia real: recebem em depósito a poupança de famílias e empresas (sem falar dos governos) e lhes oferecem empréstimos. Serviços financeiros são basicamente de intermediação entre famílias e empresas que têm poupanças e outras que necessitam de dinheiro. As finanças recolhem o dinheiro sobrante das primeiras e o emprestam às últimas. Mas, sua atividade principal é emprestar a governos e empresas para que possam fazer investimentos. Embora as compras a prazo dos consumidores sejam importantes – sobretudo o crédito hipotecário - a maior parte dos ativos se destina a financiar investimentos do poder público e das empresas capitalistas, sobretudo de grande porte.
Além disso, boa parte da poupança captada pelas finanças são delas mesmas. A atividade financeira expandiu-se acentuadamente nos últimos decênios de globalização e neo-liberalismo, usufruindo de lucros extraordinários, parte dos quais alimentam as remunerações milionárias dos altos executivos financeiros. Uma parte crescente do capital total da economia capitalista globalizada gira no mundo financeiro e nas fases de alta dos ciclos de conjuntura usufrui de inegável hipertrofia.
São muitas as modalidades de empréstimos praticados pelas finanças: depósitos bancários, títulos negociados em Bolsas de Valores, emissões de títulos por governos, grandes empresas, companhias de seguros (apólices), emissão de cartões de crédito e de débito e assim por diante. O que efetivamente importa é que os intermediários podem emprestar mais dinheiro do que captaram do público ou de outros intermediários. Eles podem fazer isso porque gozam de crédito por parte do público que aceita em pagamento os ativos avalizados por bancos. É assim que funcionam os cheques e os cartões eletrônicos: são ordens de pagamento que o cliente do banco emite para que determinadas dívidas, que ele faz junto a lojas, restaurantes etc., sejam pagas pelo seu banco. A grande maioria das transações dos agentes da economia real é liquidada por meio de instrumentos chamados meios de pagamento emitidos por bancos. Só transações de pouco valor são liquidadas por meio da moeda oficial emitida pela Autoridade Monetária, que pode ser o Banco Central ou o Tesouro do governo nacional.
Os bancos ganham dinheiro fazendo empréstimos, pelos quais cobram juros. Os serviços que prestam aos depositantes só lhes dão despesas. Os bancos precisam dos depósitos porque eles constituem o lastro dos empréstimos que fazem. O Banco Central exige que os bancos comerciais mantenham um encaixe mínimo que serve para cobrir os saques dos depositantes. Os prestatários (que recebem os empréstimos) sacam rapidamente os valores acrescentados aos seus saldos para pagar os fornecedores de equipamentos, instalações, matérias primas etc. que são os elementos materiais de seus investimentos. Os fornecedores, por sua vez, depositam imediatamente o dinheiro recebido em seus bancos, quando o dinheiro não é transferido diretamente para suas contas. O que significa que o dinheiro utilizado pelos agentes da economia real para liquidar transações entre eles circula incessantemente entre os bancos, ou seja, no âmbito financeiro.
Quando todos os bancos, no afã de ganhar mais, ampliam os empréstimos a agentes da economia real, os depósitos de todos eles aumentam. O efeito importante é sobre a economia real, que se expande na medida em que os investimentos crescem, o que ocasiona a ampliação do emprego, da produção e do consumo. A expansão da economia real se auto-alimenta na medida em que desempregados conseguem trabalho, os gastos do público aumentam, o que suscita mais investimentos, mais emprego e mais produção.
O ciclo de conjuntura
A fase de alta do ciclo se origina mais frequentemente na economia real do que no âmbito financeiro. Ela é desencadeada geralmente por inovações tecnológicas de grande impacto sobre a produção e/ou consumo ou por mudanças institucionais, como a instauração de sistemas de previdência social, de assistência à saúde ou de transferência de rendimentos à população mais pobre. A realização de inovações tecnológicas exige investimentos vultosos, o que eleva as demandas de financiamento por parte das empresas. O mesmo se dá quando iniciativas governamentais de redistribuição de renda elevam os gastos de consumo de amplos setores da sociedade, o que também requer investimentos para ampliação da capacidade de produção dos bens e serviços consumidos por aqueles setores.
O crescimento da demanda por empréstimos normalmente evoca resposta favorável das finanças, que farejam oportunidades para bons negócios. É conhecida a tendência dos intermediários financeiros de agir como rebanhos: quando a alta cíclica da economia real acontece, todos os banqueiros se entusiasmam, convictos de que os riscos de que os empréstimos deixem de ser pagos tornaram-se insignificantes. Na medida em que as expectativas otimistas se revelam verdadeiras – os financiamentos são pagos pontualmente – o entusiasmo cresce até se tornar euforia. Microempresas, incapazes de oferecer garantias reais normalmente exigidas, acabam por receber empréstimos em função do seu potencial, representado algumas vezes por não muito mais do que uma boa idéia.
A euforia é contagiante. Ela pode ter começado na economia real e contaminado as finanças ou vice-versa. Seja como for, enquanto o potencial das inovações tecnológicas ou das mudanças institucionais não estiver esgotado, a fase de alta do ciclo se eleva cada vez mais, graças à interação simbiótica das finanças com a economia real. Até que ela bate num teto. Este pode ter por causa o esgotamento da capacidade de expansão da oferta de mercadorias, por falta de mão-de-obra ou de oferta de energia ou de capacidade de transporte e armazenagem ou de tudo isso em conjunto.
Outra origem do teto para a alta pode ser o esgotamento da necessidade das mercadorias cuja produção está em perene aceleração. Este foi o caso da bolha imobiliária, que está na origem da atual crise financeira. A demanda por habitação costuma ser grande, mas certamente não é infinita. A alta da atividade de construção tem elevado poder de irradiação por toda economia, na medida em que ela implica em procura crescente por material de construção, equipamentos e mão-de-obra, além de mobília, eletrodomésticos, objetos de decoração etc., etc.. Como a construção de casas e prédios é relativamente prolongada, quando o esgotamento da demanda se torna manifesto, a quantidade de construções em andamento está no auge. Interrompê-las pode ser extremamente custoso, mas levá-las a cabo implica em mais investimentos numa mercadoria que provavelmente se tornará invendável, a não ser por um preço muito abaixo do custo.
O estouro duma bolha imobiliária atinge em cheio as finanças porque imóveis são objetos privilegiados para a especulação, particularmente porque os investimentos parecem protegidos por elevada garantia material, qual seja, os próprios imóveis. Uma parte da intermediação financeira se especializa no financiamento hipotecário e quando a bolha atinge seu apogeu este setor atrai enorme quantidade de dinheiro, parte do qual é investida na especulação fundiária. Quando finalmente a oferta de residências ultrapassa a demanda solvável, o preço tanto dos terrenos como das construções despenca, acarretando grandes prejuízos não só aos investidores, mas também às instituições que os financiam. No caso da atual crise financeira, a peculiaridade é que, durante a alta, instituições financeiras fizeram empréstimos à população de baixa renda, que implicam riscos maiores do que os normais. Por isso os títulos de crédito destas operações recebem a classificação de subprime, o que significa algo como “abaixo dos melhores”.
Para poder vender estes títulos ao público sem deságio, as instituições os empacotaram com outros títulos de risco considerado menor, numa manobra conhecida como de diluição de riscos. A operação aparentemente foi um sucesso: títulos no valor de muitos bilhões de dólares foram incorporados às carteiras de ativos de numerosos bancos de investimento, não só dos Estados Unidos, mas também da Europa. Quando o ciclo imobiliário entrou em baixa, o preço das residências e o aluguel das mesmas sofreram forte queda, tornando desproporcionalmente onerosa a dívida assumida por milhões de famílias pobres. Em outras palavras, o prejuízo causado pelo estouro da bolha foi colocado sobre os ombros de quem menos podia suportá-lo. Os devedores deixaram de honrar suas dívidas, arriscando-se a perder suas casas e apartamentos, cada vez mais desvalorizados. Desta maneira o prejuízo bilionário da crise imobiliária voltou ao colo dos especuladores financeiros, que se mostraram igualmente incapazes de suportá-lo. Um grande banco estadunidense faliu e diversos outros foram provisoriamente estatizados, tanto na América do Norte como na Europa.
Crises que se originam no âmbito financeiro
Há crises que se originam no próprio setor financeiro, sem envolver inicialmente a economia real. Uma crise deste tipo ocorreu em 2000, nos Estados Unidos, por ocasião da grande euforia ocasionada pela criação da Internet e a conseqüente revelação de suas inegáveis potencialidades. A criação de empresas de informática muito lucrativas e capazes de expansão fulminante provocou uma corrida nas Bolsas de Valores por ações de firmas em setores de alta tecnologia. As ações passaram a se valorizar cada vez mais, proporcionando ganhos milionários aos especuladores institucionais – fundos de investimento, fundos de pensão, companhias de seguro etc. – e também a um crescente número de pessoas físicas, que passaram a arriscar suas economias neste jogo.
O Federal Reserve – o banco central dos Estados Unidos – resolveu intervir para deter a bolha, certamente para limitar as perdas quando seu inevitável estouro tivesse lugar. Para tanto, o Federal Reserve começou a elevar paulatinamente a taxa oficial de juros, encarecendo deliberadamente o crédito em geral. Esta ação levou meses, até que a taxa de juros para investimento praticamente ‘sem risco’ chegasse a um patamar que levasse investidores a preferir aplicações a juros em lugar de comprar ações, cujo rendimento depende da lucratividade da firma que as emite. A partir deste momento o volume de recursos aplicados em ações começou a diminuir, o que fez com que os seus preços passassem a crescer cada vez menos. Subitamente, o humor dos especuladores mudou inteiramente e um número cada vez maior deles começou a vender suas ações, tendo em vista aplicar o dinheiro em outros ativos. O que causou uma débâcle nas Bolsas, não só dos EUA, mas também do resto do mundo, com queda vertical das cotações.
Os prejuízos dos intermediários financeiros foram enormes, com a perda de trilhões de dólares no valor das empresas. Ficou evidente que as cotações haviam atingido níveis muito maiores do que a lucratividade destas empresas justificaria. O Federal Reserve imediatamente inverteu sua política, passando a reduzir também paulatinamente a taxa de juros, para tentar evitar que a crise das bolsas afetasse a economia real. Mas, apesar da notável agilidade do Federal Reserve, a economia real estadunidense entrou em recessão. O débâcle dos mercados de ações ocasionou fortes perdas aos fundos, cujos investidores passaram a conter seus gastos, o mesmo acontecendo com os milhões de particulares que arriscaram suas economias no jogo especulativo. E o crédito mais restrito e caro também impediu que muitos investimentos planejados fossem executados.
A queda na demanda dos consumidores e na realização de investimentos causou uma queda na atividade econômica, que foi enfrentada pela Autoridade Monetária mediante injeções de dinheiro, que ajudaram a financiar o setor imobiliário. A recessão de 2000/2001, agravada pelo ataque às Torres Gêmeas de Nova Iorque, foi superada pela persistente alta dos preços dos imóveis e a expansão da atividade construtiva, que constitui o pano de fundo da crise financeira começada em 2007 e que atualmente (2008) começa a afetar a economia real estadunidense e européia.
O inter-relacionamento entre as finanças e a economia real
Historicamente, as finanças modernas surgiram desde o século XIV, na Europa Ocidental para financiar os governos monárquicos, principalmente suas guerras e suas alianças matrimoniais. Em muitos países, os primeiros bancos eram oficiais, possuídos por autoridades nacionais ou locais. No Brasil, nosso primeiro banco foi criado por D.João VI no início do século XIX e permaneceu sob controle do governo imperial até a Proclamação da República, sendo a criação de bancos privados mal tolerada pelo poder público.
A conhecida propensão das finanças entrarem em crise, como vimos acima, provoca praticamente sempre uma forte intervenção estatal no setor, tendo em vista preservar a normalidade dos negócios financeiros e muitas vezes com o propósito explícito de proteger a economia real das emanações destrutivas da crise financeira. Em diversos países, todos os intermediários financeiros chegaram a ser estatizados e ficaram nesta condição por anos, até que algum governo resolveu reprivatizá-los..
Sem considerar o papel do Estado é impossível compreender o inter-relacionamento entre as finanças e a economia real. Atualmente, as finanças de cada país são constituídas majoritariamente por entidades privadas, mas sob controle e fiscalização do Banco Central. As finanças são quase sempre dominadas por um número reduzido de grandes entidades, que constituem complexos financeiros com atuação em quase todas modalidades financeiras, desde os bancos de varejo e os bancos de investimento atacadistas (que lidam apenas com grandes inversores) até as companhias de seguro, os fundos de investimentos, as companhias de cartões eletrônicos etc..
Com o advento da globalização financeira, produto da abertura total da circulação dos capitais sobre as fronteiras nacionais de numerosos países, o poder do Estado nacional sobre as finanças foi consideravelmente erodido, porque se algum governo nacional vier a tomar medidas que contrariem os interesses das firmas financeiras privadas, ele se defrontaria imediatamente com forte fuga de capitais para paraísos fiscais, que lhes garantem liberdade total de ação a custo muito baixo. Para que os governos nacionais possam recuperar o controle sobre o capital financeiro, a primeira medida teria que ser o restabelecimento do controle sobre a movimentação internacional dos capitais privados.
A economia real também é dominada por um punhado de transnacionais de grande porte. Para não ter de se submeter aos complexos financeiros, estas firmas criaram seus próprios braços financeiros, semelhantes aos complexos financeiros independentes. As estruturas das finanças e da economia real se assemelham, sobretudo em seus aspectos oligopólicos e transnacionais. Mas, a economia real é muito mais diversificada e é composta por um número muito maior de empreendimentos de pequeno porte do que o setor financeiro. Por isso, na maior parte dos países, a intervenção do Estado na economia real é mais dispersa e muito mais diversificada, consistindo em geral na concessão de incentivos e imposição de proibições de atividades que violam a concorrência, os direitos dos trabalhadores ou a preservação de recursos naturais não renováveis.
A economia real é instável e imprevisível por causa da ausência de qualquer tentativa de coordenação da produção e do consumo, distribuídos hoje em dia por milhares de mercados distintos. Tentativas de coordenar as ações de todas as empresas de determinado setor são consideradas formação de cartel e portanto ameaças à competição, o que é punível por lei. Decisões devem ser tomadas isoladamente por cada empresa, para que a competição nos diversos mercados seja livre.
Para tornar a economia real mais estável e previsível a cartelização de determinados ramos deveria ser não só permitida, mas fomentada e controlada pelo poder público, para tornar as decisões estratégicas das empresas mutuamente congruentes e portanto mais eficazes. O controle público teria por objetivo impedir que o ganho de eficiência seja apoderado apenas pelo segmento mais forte, mas compartilhado com todas as empresas da cadeia produtiva e com os consumidores dos produtos.
A instabilidade e imprevisibilidade do mundo financeiro são, em certa medida, reflexos destas características da economia real. Mas, no mundo financeiro a imprevisibilidade é condição indispensável para que possa haver especulação, que constitui a razão de ser de parte considerável (Bolsas de Valores e de Mercadorias) deste mundo. Isso faz com que a instabilidade e a incerteza quanto ao futuro, nas finanças, sejam muito maiores do que na economia real. Os ativos com que lidam as finanças, são contratos a serem executados num futuro, que no capitalismo é inevitavelmente incerto.
Além disso, há outra diferença entre as finanças e a economia real que torna a instabilidade e imprevisibilidade muito maior no âmbito financeiro: é que este está sujeito a ondas de otimismo ou pessimismo que arrastam o conjunto de operadores numa ou noutra direção, maximizando ganhos e perdas sempre que o rebanho muda bruscamente de direção. A especulação na economia real se funda mais em informações específicas sobre determinados setores de produção e consumo. Por isso, a economia real é menos propensa a se lançar inteira em ondas de otimismo ou pessimismo, provocadas por apreciações apenas subjetivas.
A crise financeira, por tudo isso, pode ser considerada inevitável, pelo menos enquanto a desregulação das finanças permanecer em vigor. A crise faz com que a prestação de serviços financeiros à economia real se contraia cada vez mais até cessar ao todo, a partir do momento em que a crise alcança a maior parte dos bancos e demais intermediários. O trancamento das fontes de crédito obriga as empresas que não dispõem de reservas líquidas abundantes a suspender o pagamento de suas dívidas e se a crise se prolongar elas acabam por falir. Os rombos deixados pelas falidas arrastam suas credoras à inadimplência por sua vez. Desta maneira, a crise financeira contamina a economia real, podendo lançá-la em recessão em pouco tempo.
Então, o que fazer?
Trata-se de circunscrever a crise financeira, num primeiro momento, para evitar que ela venha a paralisar a economia real. Uma eventual crise da economia real tem conseqüências sociais e políticas muito mais amplas porque ela começa por lançar no desemprego e logo mais na miséria uma parcela substancial da sociedade. Uma crise da economia real é muito mais difícil de reverter por medidas de Estado, porque não basta recuperar a confiança da população em determinadas instituições. Seria necessário criar novas atividades capazes de reinserir milhões de pessoas na economia mediante políticas de fomento e incentivo que somente poderão ser definidas por um processo prolongado de tentativa e erro. A grande crise de 1929 levou uma década para ser superada e mesmo assim graças ao “auxílio” de uma guerra mundial.
Como a crise da economia real não aconteceu ainda e tão pouco é fatal, partiremos do pressuposto de que é possível preveni-la desde que sejam adotadas políticas capazes de resolver em curto prazo a atual crise financeira e ao mesmo tempo lancem fundamentos de uma nova estrutura institucional capaz de evitar novas crises financeiras no futuro. Convém lembrar que o sistema monetário internacional implantado nos anos 1930, e consolidado e sistematizado na Conferência de Bretton Woods em 1944, livrou o mundo de crises financeiras internacionais por mais de 40 anos.
Ao contrário da política do governo de Bush, que se dispõe a resgatar os bancos falidos comprando seus créditos podres, e por isso sem valor, por preços que evitem a bancarrota gastando algo como 700 bilhões de dólares do erário público, o Estado deveria se apossar dos bancos falidos e só então reabilitá-los com recursos do tesouro. Se os governos não fizerem isso, é provável que o dinheiro público injetado nos bancos seja entesourado, porque é o que todos os agentes privados fazem enquanto o pânico perdura. Mas, para superar a crise financeira e impedir que ela lance a economia real em recessão, é essencial que o crédito seja restaurado, o que possivelmente exigirá uma intervenção efetiva do poder público nos bancos.
Uma vez superada a crise, uma reformulação em profundidade das finanças deveria ser pautada. Há bons argumentos a favor da estatização perene de todos os bancos que emitem os meios de pagamento do país, não só para preservar o meio circulante da especulação mas, sobretudo, para garantir os valores dos depositantes e fazer com que sejam aplicados onde são mais necessários do ponto de vista do interesse geral da sociedade. O que pode implicar numa governança participativa do novo sistema financeiro, com forte presença dos assalariados, trabalhadores da economia solidária, além dos setores empresariais de praxe.
Se as finanças fossem todas colocadas sob um comando unificado, elas poderiam controlar a economia real inteira, impondo-lhe diretrizes sobre o que e quanto produzir e consumir, de forma semelhante ao que foi feito nos países do ‘socialismo real’ no afã de planejar centralmente todas as atividades econômicas. Este não é um modelo que permitiria a paulatina construção duma economia socialista autogestionária. Em lugar dele algo como um parlamento econômico, composto por representantes eleitos dos diferentes modos de produção – capitalismo, pequena produção de mercadorias, economia solidária, economia pública local, regional e nacional etc.. – certamente seria mais adequado.
Finalmente, o mercado de capitais teria de ser reformulado, tendo em vista não só coibir a especulação, mas também reconstruir os laços entre o investidor privado e o empreendimento em que ele é sócio. Neste sentido, seria necessário retirar a presente “liquidez” dos investimentos, que hoje podem ser colocados numa firma e retirados depois num piscar de olhos e quase sem custos. Entre as idéias que me ocorrem uma seria limitar o número de sócios de cada firma, de modo que seja possível a cada um participar efetivamente da administração da mesma, pelo menos na condição de membro duma assembléia de acionistas com influência real sobre a empresa. Só assim, propostas de cogestão de empresas por proprietários, empregados e representantes dos clientes p.ex. poderiam ser viáveis.
(*) Paul Singer é economista, Secretário Nacional de Economia Solidária

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15322&boletim_id=479&componente_id=8426

22 de outubro de 2008

URBANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL E BRASILEIRO

 

URBANIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL E BRASILEIRO - Síntese

A urbanização deve ser entendida como um processo que resulta em especial da transferência de pessoas do campo para a cidade, ou seja, crescimento da população urbana em decorrência do êxodo rural. Um espaço pode ser considerado urbanizado, a partir do momento em que o percentual de população urbana for superior a rural.

Sendo assim, podemos dizer que hoje o espaço mundial é predominantemente urbano. Mas isso não foi sempre assim, durante muito tempo à população rural foi superior a urbana, essa mudança se deve em especial, ao processo de industrialização iniciado no século XVIII, que impulsionou o êxodo rural nos locais em que se deu, primeiramente na Inglaterra, que foi o primeiro pais a se industrializar, e depois se expandiu para outros países, como os EUA, França, Alemanha, etc., a maioria desses países hoje já são urbanizados.

Nos países subdesenvolvidos de industrialização tardia, esse processo só começou no século XX, em especial a partir da 2ª Guerra Mundial, e tem se dado até hoje de forma muito acelerada, o que tem se configurado como uma urbanização anômala trazendo uma série de conseqüências indesejadas para o espaço urbano desses países. Atualmente até mesmo os países de industrialização inexpressiva vivem um intenso movimento de urbanização, é o que ocorre em países africanos como a Nigéria.

FATORES QUE CONTRIBUEM COM O ÊXODO RURAL

Existem dois tipos de fatores que contribuem com o êxodo rural, são eles:

a) Repulsivos: são aqueles que expulsam o homem do campo, como a concentração de terras, mecanização da lavoura e a falta de apoio governamental.

b) Atrativos: são aqueles que atraem o homem do campo para as cidades, como a expectativa de emprego, melhores condições de saúde, educação, etc.

Em países subdesenvolvidos como o Brasil, os fatores repulsivos costumam predominar sobre os atrativos, fazendo com que milhares de trabalhadores rurais tenham que deixar o campo em direção das cidades, o que em geral contribui com o aumento dos problemas urbanos na medida em que as cidades não tem estrutura suficiente para receber esses trabalhadores, com isso proliferam-se as favelas, aumenta a violência, faltam empregos, dentre outros problemas.

DIFERENÇAS NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

Existem diferenças fundamentais no processo de urbanização de países desenvolvidos e subdesenvolvidos, abaixo estão relacionadas algumas delas:

a) Desenvolvidos:

· Urbanização mais antiga ligada em geral a primeira e Segunda revoluções industriais;

· Urbanização mais lenta e num período de tempo mais longo, o que possibilitou ao espaço urbano se estruturar melhor;

· Formação de uma rede urbana mais densa e interligada.

b) Subdesenvolvidos:

· Urbanização mais recente, em especial após a 2ª Guerra mundial;

· Urbanização acelerada e direcionada em muitos momentos para um número reduzido de cidades, o que gerou em alguns países a chamada macrocefalia urbana";

· Existência de uma rede urbana bastante rarefeita e incompleta na maioria dos países.

Obs. Nas metrópoles dos países desenvolvidos os problemas urbanos como violência, transito caótico, etc., também estão presentes.

AGLOMERAÇÕES URBANAS

A expansão da urbanização gerou o aparecimento de várias modalidades de aglomerações urbanas, além de termos que cada vez mais fazem parte de nosso cotidiano, abaixo definiremos algumas dessas modalidades e termos:

a) Rede urbana: Segundo Moreira e Sene (2002), "a rede urbana é formada pelo sistema de cidades, no território de cada país, interligadas umas as outras através dos sistemas de transportes e de comunicações, pelos quais fluem pessoas, mercadorias, informações, etc." Nos países desenvolvidos devido a maior complexidade da economia a rede urbana é mais densa.

b) Hierarquia urbana: Corresponde a influência que exercem as cidades maiores sobre as menores. O IBGE identifica no Brasil a seguinte hierarquia urbana: metrópole nacional, metrópole regional, centro submetropolitano, capital regional e centros locais.

c) Conurbação: Corresponde ao encontro ou junção entre duas ou mais cidades em virtude de seu crescimento horizontal. Em geral esse processo dá origem a formação de regiões metropolitanas.

d) Metrópole: Segundo Coelho e Terra (2001), metrópole seria à cidade principal ou cidade-mãe, isto é, a cidade que possui os melhores equipamentos urbanos do país (metrópole nacional), ou de uma grande região do país (metrópole regional)". No Brasil cidades como São Paulo e Rio de Janeiro são metrópoles nacionais, e Belém, Manaus, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife e Fortaleza são metrópoles regionais.

e) Região metropolitana: Corresponde ao conjunto de municípios conurbados a uma metrópole e que desfrutam de infra-estrutura e serviços em comum.

f) Megalópole: Corresponde a conurbação entre duas ou mais metrópoles ou regiões metropolitanas. As principais megalópoles do mundo encontram-se em países desenvolvidos como é o caso da Boswash, localizada no nordeste dos EUA, e que tem como principal cidade Nova Iorque; San San, localizada na costa oeste dos EUA, tendo como principal cidade Los Angeles; Chippits, localizada nos grandes lagos nos EUA; Tokaido, localizada no Japão; e a megalópole européia que inclui áreas de vários países. No Brasil temos a megalópole Rio-São Paulo, localizada no sudeste brasileiro, no vale do Paraíba, incluíndo municípios da região metropolitana das duas grandes cidades, o elo de ligação dessa megalópole é a Via Dutra, estrada que interliga as duas cidades principais.

g) Megacidade: Corresponde ao centro urbano com mais de dez milhões de habitantes. Hoje em torno de 21 cidades do mundo podem ser consideradas megacidades, dessas 17 estão em países subdesenvolvidos. No Brasil São Paulo e Rio de Janeiro estão nessa categoria.

h) Técnopolo: Corresponde a uma cidade tecnológica, ou seja, locais onde se desenvolvem pesquisas de ponta. Como exemplo temos o Vale do Silício na costa oeste dos EUA; Tsukuba, cidade japonesa, dentre outras. No Brasil, temos alguns técnopolos localizados em especial no estado de São Paulo, como Campinas (UNICAMP), São Carlos (UFSCAR), e a própria capital (USP, etc.).

i) Cidade global: são as cidades que polarizam o país todo e servem de elo de ligação entre o país e o resto do mundo, possuem o melhor equipamento urbano do país, além de concentrarem as sedes das instituições que controlam as redes mundiais, como bolsas de valores, corporações bancárias e industriais, companhias de comércio exterior, empresas de serviços financeiros, agências públicas internacionais. As cidades mundiais estão mais associadas ao mercado mundial do que a economia nacional.

j) Desmetropolização: Processo recente associado à diminuição dos fluxos migratórios em direção das metrópoles. Esse processo se deve em especial a chamada desconcentração produtiva, que faz com que empresas em especial industrias, se retirem dos grandes centros onde os custos de produção são maiores, e se dirijam para cidades de porte médio e pequeno, onde é mais barato produzir, em função de vários fatores como, por exemplo, os incentivos fiscais. Hoje no Brasil cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo não são mais aquelas que recebem os maiores fluxos de migrantes, mas sim regiões como interior paulista, o sul do país ou até mesmo o nordeste brasileiro.

k) Verticalização: Processo de crescimento urbano que se manifesta através da proliferação de edifícios. A verticalização demonstra valorização do solo urbano, ou seja, quanto mais verticalizado, mais valorizado.

l) Especulação imobiliária: Os especuladores imobiliários são aqueles proprietários de terrenos baldios no espaço urbano que deixam estes espaços desocupados a espera de valorização. Uma das conseqüências da especulação é a falta de moradias em locais mais bem localizados, fazendo com que as populações de mais baixa renda tenham que viver em áreas distantes do centro (crescimento horizontal), ou em favelas.

m) Condomínios de luxo e favelas: os dois estão aqui juntos, pois são fruto da segregação social e econômica que se vive nas cidades, sendo eles o reflexo espacial dessas. Os condomínios são áreas fechadas muito protegidas e bem estruturadas, onde em geral mora a elite; as favelas são áreas sem infra-estrutura adequada e com graves problemas como o tráfico de drogas, onde grande parte da população está desempregada, e a maioria dela é pobre.

TIPOS DE CIDADES

As cidades podem ser classificadas da seguinte forma:

a) Quanto ao sítio: sítio urbano refere-se ao local no qual está superposta a cidade, sendo assim a classificação quanto ao sítio leva em consideração a questão topográfica. Como exemplo temos: cidades onde o sítio é uma planície, um planalto, uma montanha, etc.

b) Quanto à situação: situação urbana corresponde à posição que ocupa a cidade em relação aos fatores geográficos. Como exemplo temos: cidades fluviais, marítimas, entre o litoral e o interior, etc.

c) Quanto à função: função corresponde à atividade principal desenvolvida na cidade. Como exemplo temos: cidades industriais, comerciais, turísticas, portuárias, etc.

d) Quanto à origem: pode ser classificada de duas formas: planejada e espontânea. Como exemplo temos: Brasília, cidade planejada e Belém, cidade espontânea.

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