Filho de poderoso fazendeiro, Manuel Zelaya foi eleito em 2005 pelo Partido Nacional Hondurenho, de direita, com um programa também de centro-direita, num cenário em que poucas famílias da elite controlavam a economia local, e onde a esquerda havia sido escanteada do poder. Apesar disso, Zelaya promoveu reformas econômicas e sociais consideradas de esquerda, custando-lhe a perda do apoio da elite. O artigo é de Larissa Ramina.
Larissa Ramina (*)
Em 28 de junho, Manuel Zelaya fora expulso de seu país, que deixara vestindo pijamas. Destituído por um golpe de Estado, amplamente condenado pela comunidade internacional, refugiou-se na vizinha Nicarágua. Após 3 meses de tentativas frustradas, atravessou clandestinamente as fronteiras hondurenhas e abrigou-se na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, no dia 21 de setembro. Seu retorno ocorre em um momento crucial, na véspera da reunião da Assembléia Geral da ONU, que deverá reunir em Nova Iorque chefes de Estado de todo o planeta.
O governo golpista de Roberto Micheletti apressou-se em adotar medidas militares, dispersando violentamente os cerca de 4000 partidários de Zelaya reunidos no local. Um toque de recolher foi imposto na capital, e os aeroportos, escolas e comércio foram fechados. Água, luz e telefone da Embaixada foram cortados. A OEA adotou resolução pedindo a recondução do líder deposto ao poder e o respeito de sua integridade física. O governo brasileiro solicitou a intervenção do Conselho de Segurança da ONU para garantir a segurança da Embaixada.
Mas afinal, quem é Manuel Zelaya, o homem no centro da crise hondurenha?
Candidato conservador às eleições de 2006, Zelaya transformou-se após o golpe em herói popular, sendo tratado pela oposição como esquerdista e comunista. Todavia, o homem de chapéu estilo “cowboy”, camisa desabotoada, botas texanas e bigode marcante não é facilmente descrito.
Filho de poderoso fazendeiro, fora eleito em 2005 pelo Partido Nacional Hondurenho, de direita, com um programa também de centro-direita, num cenário em que poucas famílias da elite controlavam a economia local, e onde a esquerda havia sido escanteada do poder. Apesar disso, Zelaya promoveu reformas econômicas e sociais consideradas de esquerda, custando-lhe a perda do apoio da elite.
Diante de uma urgência financeira para concretizar reformas sociais no país em que 70% da população vive abaixo da linha da miséria, Zelaya buscou ajuda no setor privado, que firmemente lhe virou as costas. O Banco Mundial, por sua vez, ofereceu-lhe uma ajuda irrisória de U$ 10 milhões. O empréstimo relevante, de U$ 132 milhões, veio de Hugo Chávez.
A aliança com a Venezuela, sacramentada na adesão à Alternativa Bolivariana para as Américas, marcou a espetacular virada de Zelaya à esquerda, ilustrada pelo aumento de 65% do salário mínimo hondurenho, que passou de U$189 para U$ 289. Esse fato marcou o rompimento definitivo com o conservadorismo local. Não obstante, Zelaya foi o primeiro chefe de Estado hondurenho a visitar Cuba desde 1959, onde se desculpou publicamente com Fidel Castro pelo fato de seu país ter servido de base norte-americana para a luta contra a guerrilha; aproximou-se de Daniel Ortega na Nicarágua e protestou contra a ingerência dos EUA na Venezuela e na Bolívia. Para coroar sua posição, declarou na Assembléia Geral da ONU que o capitalismo estaria “devorando os seres humanos”.
Em seguida, isolado pelo patronato e por seu próprio partido, e já começando a inquietar os EUA, Manuel Zelaya insistiu no que chamou de “revolução pacífica” para a instauração de uma “democracia participativa”, convocando um referendo para consultar acerca da possibilidade de modificar a Constituição e permitir a reeleição do chefe de Estado. Essa empreitada, já iniciada por outros chefes de Estado na América Latina, entre os quais Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e também o conservador Álvaro Uribe, foi considerada ilegal pela Corte suprema hondurenha, apoiada por alguns membros do Congresso, por parte do Exército e pelos meios empresariais. Zelaya foi preso pelos militares na manhã do referendo, no dia 28 de junho de 2009. No Brasil, encontrou o apoio que lhe permitiu retornar a seu país. Porque o Brasil e não Venezuela? A resposta é estratégica, e o Presidente brasileiro tem reputação na Europa e nos EUA muito melhor do que o Presidente venezuelano.
O golpe de Estado dirigiu-se a um Presidente que fora eleito por um partido de direita, e que no decorrer do mandato deu uma guinada à esquerda. Micheletti anunciou que Zelaya seria preso e julgado por traição, caso entrasse em Honduras. O homem no centro da crise fora considerado, portanto, um traidor: um traidor da elite hondurenha.
Larissa Ramina, Doutora em Direito Internacional pela USP e Professora da UniBrasil.
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