14 de fevereiro de 2009

Demandas crescentes, fundos minguantes

 

FRANCISCO REY MARCOS *

29-01-2009

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Terminou esta semana em Madri a Reunião de Alto Nível sobre Segurança Alimentar para Todos, que pretendia dar continuidade ao Plano Global de Ação das Nações Unidas e traçar uma rota que permita garantir o cumprimento de todos os objetivos e compromissos assumidos na Conferência de Roma, em junho de 2008. Também esta semana, em Genebra, foi lançada a campanha de emergência do Unicef para 2009, que visa arrecadar um montante de mais de um bilhão de dólares.


Os dois acontecimentos tiveram um tom muito diferente: um diplomático e conciliador e o outro levemente alarmista, mas em ambos não se pôde ocultar o cenário de preocupação pelos efeitos da crise financeira sobre as populações vulneráveis dos países empobrecidos e, também, pelas maiores dificuldades em conseguir fundos públicos e privados para cobrir suas necessidades. Sobretudo, uma das necessidades mais básicas: a alimentação. E o efeito que produz a não satisfação deste direito: a fome.

Conscientização
A Conferência de Roma foi um ponto chave na tomada de consciência da comunidade internacional sobre a crise dos preços dos alimentos. Perto da mítica cifra de um bilhão de pessoas que passam fome, a conferência pediu atenção para o problema, colocando a crise dos alimentos como um dos maiores desafios de nosso tempo.

A reunião de Madri terminou com um balanço discreto e com a sensação de que o mais grave ainda está por acontecer. Mas destacou-se pontos importantes como o necessário apoio aos pequenos agricultores e a participação protagonista dos países afetados pela crise. Alguém disse com sabedoria: "A crise nos países desenvolvidos é um parêntesis; nos países em desenvolvimento é uma forma de vida."

Retrocesso
Em matéria de financiamento, poucas novidades, mas algumas interessantes. O ministro espanhol Moratinos, anfitrião da reunião, lançou a ideia da obrigatoriedade de 0,7% do PIB dos países ricos para ajudar ao desenvolvimento, mas até hoje, após cinquenta anos de descumprimento, e com a maior parte dos países doadores reduzindo seus fundos, essa proposta parece fadada ao fracasso. Poucos países mantiveram seus compromissos em matéria de financiamento do desenvolvimento nos últimos anos - a Espanha foi um que aumentou suas quantidades - e não parece que esta ideia possa ser aceita.

Mas o mais preocupante em matéria de financiamento é o retrocesso dos fundos privados. Há alguns meses, quando se começou a conhecer as cifras de 2007, analisávamos a freada dos fundos oficiais de ajuda ao desenvolvimento (os que vêm de fundos públicos) e se constatava que, pela primeira vez nas últimas décadas, o componente dedicado a responder a emergências provocadas por desastres e conflitos havia reduzido.

Agora, o que mais se comenta no setor humanitário é o retrocesso do financiamento privado, inclusive o decréscimo significativo de sócios, colaboradores e doadores das organizações. Parece que muitos cidadãos, ao ter que reduzir seus gastos, começam por coisas como dar baixa nestas organizações e diminuir seu compromisso com causas humanitárias.

Campanha
Consciente do aumento da crise que se vive na atualidade e de suas consequências humanitárias, o Unicef está solicitando este ano 17% a mais de fundos que em 2008 e põe em destaque em sua campanha os efeitos da mudança climática e as consequências dos desastres naturais.

Mas tanto no Unicef como em outras grandes organizações solidárias, públicas ou não governamentais, já se sente os efeitos da crise e as previsões são preocupantes. Ainda mais quando muitos dos desastres que vive nosso mundo são crises esquecidas, com pouco impacto mediático, em que a resposta privada tende a ser mais errática. O que aconteceria com a resposta cidadã se acontecesse hoje um grande desastre internacional? Oxalá não aconteça.

Neste cenário de preocupação, teve início a conferência de Davos, que todos os anos reúne os ricos do planeta. Mas não parece que estes aspectos da crise serão abordados, apesar do slogan deste ano do Fórum Econômico Mundial. O tema é Committed to improving the state of the world (Comprometidos a melhorar o estado do mundo). Bonito, mas não mais que isso.

* Francisco Rey Marcos é Co-diretor do Instituto de Estudos sobre Conflitos e Ação Humanitária (IECAH)

http://www.parceria.nl/atualidade/organizacao/20090129-qg-demanda

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