8 de outubro de 2010

Um golpe de Estado financeiro-1

MICHAEL HUDSON*

  A maior parte da imprensa descreveu as manifestações e greves europeias de quarta-feira em termos do exercício habitual dos trabalhadores nos transportes que irritam viajantes com redução de velocidade no trânsito e grandes multidões a despejar sua ira. Mas a história é muito mais profunda do que simplesmente uma reação contra o desemprego e as condições da recessão econômica. Estão em causa proposta para mudar drasticamente as leis e estruturas de como a sociedade europeia funcionará na próxima geração. Se as forças antitrabalho tiverem êxito, elas fragmentarão a Europa, destruirão o mercado interno e tornarão aquele continente uma periferia. Este é o grau de seriedade do golpe de estado financeiro em curso. E está em vias de ficar muito pior – rapidamente. Como afirmou John Monks, responsável da Confederação Sindical Europeia: “Isto é o começo do combate, não o fim”.

  A Espanha recebeu maior parte da atenção, graças à sua greve de dez milhões (confirmadamente, a metade de toda a força de trabalho). Ao efetuar a sua primeira greve geral desde 2002, o trabalho espanhol protestou contra o seu governo socialista que utiliza a crise bancária (decorrente de maus empréstimos imobiliário e hipotecas com situação líquida negativa, não de custos laborais elevados) como uma oportunidade para mudar as leis e permitir às companhias e corpos governamentais despedirem trabalhadores à vontade e reduzir suas pensões e despesas públicas sociais a fim de pagar mais aos bancos. Portugal está fazendo o mesmo e parece que a Irlanda o seguirá – tudo isto nos países cujos bancos foram os prestamistas mais irresponsáveis. Os banqueiros estão exigindo que reconstruam suas reservas para empréstimos às expensas do trabalho, tal como no programa do presidente Obama aqui nos Estados Unidos, mas sem disfarces hipócritas.

  O problema à escala da Europa na verdade está centrado na capital da União Europeia, Bruxelas, onde cinquenta a cem mil trabalhadores reuniram-se para protestar contra a proposta transformação de regras sociais. No mesmo dia em que os grevistas se manifestavam, a Comissão Europeia (CE) delineava uma guerra completa contra o trabalho. A campanha mais antitrabalho desde a década de 1930 – ainda mais extrema do que os planos de austeridade impostos pelo FMI e o Banco Mundial ao Terceiro Mundo em tempos passados.

  A Comissão Europeia utiliza a crise hipotecária da banca – e a desnecessária proibição de os bancos centrais monetarizarem o deficit orçamentário dos governos – como uma oportunidade para multar governos e levá-los mesmo à bancarrota se não concordarem em baixar salários do setor público. A CE diz aos governos para tomar emprestado aos bancos, ao invés de levantarem receita tributando-os tal como têm feito durante meio século após o fim da II Guerra Mundial. E se os governos forem incapazes de conseguir dinheiro para pagar os juros, eles devem encerrar os seus programas sociais. E se este encerramento contrair a economia – e, portanto, receitas fiscais do governo – ainda mais, então o governo deve cortar mais as despesas sociais.
De Bruxelas à Letônia, planejadores neoliberais tem expressado a esperança de que salários públicos mais baixos propagar-se-ão também ao setor privado. O objetivo é contrair suas economias para reduzir níveis salariais em 30% ou mais – níveis de depressão – na crença de que isto “deixará mais excedente” disponível para pagar serviço de dívida. Os governos devem tributar o trabalho – não as finanças, seguros ou imobiliário (FIRE), impor novos impostos sobre o emprego e as vendas enquanto reduz pensões públicas e gastos públicos. Com isso, a Europa está para se transformar numa república de bananas.

  “Junte-se ao combate contra o trabalho, ou nós o destruiremos”, a CE está dizendo aos governos. Isto exige ditadura e o Banco Central Europeu (BCE) assumiu este poder [próprio] de um governo eleito. Sua “independência” do controle político é celebrada como “suprassumo da democracia” pela nova oligarquia financeira de hoje. A atual cruzada de notícias evoca a visão de Platão de que a oligarquia é simplesmente o estágio político subsequente à democracia. O próximo passo da nova elite nesse eterno triângulo político é se fazer hereditária – pela abolição de impostos sobre o patrimônio, para começar – e se transformar numa aristocracia absoluta.

  É de fato um jogo muito velho. Portanto, é hora de colocar de lado as teorias econômicas de Adam Smith, John Stuart Mill e da Era Progressista, esquecer Marx e até Keynes. A Europa está ingressando numa era regida pelo totalitarismo neoliberal. É disso que as greves e manifestações de quarta-feira tratavam. A guerra de classe da Europa está de volta – com uma vingança!

  Isto é suicídio econômico, mas a UE está exigindo que os governo da euro-zona mantenham seus deficits orçamentários abaixo dos 3% do PIB, e sua dívida total abaixo dos 60% do PIB. Na quarta-feira a UE aprovou uma lei para multar governos em mais de 0,2% do PIB por não “consertarem” seus deficits orçamentários através da imposição de tal austeridade fiscal. Nações que tomam emprestado para se engajarem em investimentos contra-cíclicos de “estilo keynesiano” que elevem a sua dívida pública ao nível de 60% do PIB terão de reduzir o excesso em 5% ao ano, ou sofrer dura punição. A Comissão Europeia vai multar os Estados da área do euro que não obedecerem suas recomendações neoliberais - de forma ostensiva para “corrigir” desequilíbrios orçamentários.

  A realidade é que toda “cura” neoliberal só torna pior as coisas. Mas ao invés de se ver a elevação dos níveis dos salários e das condições de vida como pré-condição para mais elevada produtividade do trabalho, a CE vai “monitorar” os custos do trabalho assumindo que aumentos de salários prejudicam a competitividade ao invés de elevá-la. Se os membros do euro não podem depreciar suas moedas, então devem lutar contra o trabalho - mas nunca taxar os imóveis, as finanças ou outros setores que se alimentam de renda, não deve regulamentar monopólios nem fornecer serviços públicos que possam ser privatizados a custos mais elevados. A privatização não está destinada a impedir a competitividade - só os aumentos de salários, independente de considerações de produtividade.

  A privatização financeira e o monopólio na criação de crédito que os governos cederam aos bancos, agora estão a caminhos de serem compensados – ao preço da quebra da Europa. De forma diferente dos bancos centrais em outros lugares do mundo, a carta do BC europeu (independente da política democrática, mas não do controle por seus membros, os bancos comerciais) proíbe a monetarização da dívida governamental. Os governos devem tomar emprestado dos bancos, que sua vez criam uma dívida carregada de juros nos teclados de seus computadores ao invés de fazerem seus bancos nacionais perfazerem a dívida sem custo.

   Os membros não eleitos do Banco Central Europeu usurparam o poder de planejamento de governos eleitos. Preso a sua constituição financeira, o BCE teve pouca dificuldade em convencer a comissão da UE a apoiar a nova captura oligárquica do poder. Esta política destrutiva foi bem testada acima de tudo nos países bálticos, usando-os como cobaias para ver até aonde os trabalhadores podem ser pressionados até se levantarem. A Lituânia deu rédia livre à política neoliberal impondo impostos de 51% acima sobre os trabalhadores enquanto os imóveis permaneceram virtualmente livres de taxas. Os salários dos servidores públicos foram reduzidos em 30%, levando os trabalhadores de 20 a 35 anos a emigrarem em quantidades. Isto, é claro, contribui para a queda nos preços dos imóveis e da arrecadação de impostos.
*Michael Hudson é ex-economista de Wall Street, escritor e professor e pesquisador da University of Missouri. (Continua na próxima edição)

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