A solução dos monopólios financeiros é carrear uma hemorragia de recursos nacionais para os seus cofres, quebrando o país
Todas as encenações “econômicas” (e “sensatas”) sobre a Grécia e a suposta irres-ponsabilidade dos gregos como causa da crise, esmaeceram de repente no meio da semana passada, depois que o Banco da Espanha interveio na CajaSur, uma caixa de poupança de Córdoba, para evitar a sua falência. O rombo da Cajasur é de 800 milhões de euros. Um executivo do banco norte-americano Brown Brothers Harriman (o banco de Averell Harriman e Prescott Bush, pai de George H. Bush) disse, algo dividido entre o pavor de ser tragado pela crise e o voraz desejo de canibalizar os espanhóis: “A Espanha é um gorila de 400 kg na sala. Grécia e Portugal são países pequenos, mas o PIB da Espanha é cinco vezes maior do que os deles”.
Podemos reduzir o problema atual da crise europeia à sua essência: os bancos europeus, como os norte-americanos, estão falidos. A solução dos monopólios financeiros é canalizar uma hemorragia de recursos nacionais para os seus cofres, fazendo governos subservientes cortarem empregos, salários, aposentadorias, investimentos produtivos, em suma, quebrando o país. Na Espanha, segundo o economista-chefe do Barclays, segundo maior banco inglês, as coisas estão andando muito lentas - “não há tempo a perder”, disse ele à Agência Dow Jones.
O Barclays, desde agosto de 2007, subsiste com dinheiro do Banco da Inglaterra. Em setembro de 2008, o governo inglês “injetou” mais 40 bilhões de libras esterlinas (US$ 69 bilhões) em três dos maiores bancos do país (Royal Bank of Scotland, Barclays e Lloyds). O economista-chefe do Barclays não acha, certamente, nada de absurdo nisso. Absurdos são os espanhóis que querem conservar seus empregos.
DÍVIDA
O pacote de 750 bilhões de euros, anunciado pela União Europeia (UE), não resolve problema algum, nem mesmo do ponto de vista mais estúpido: o Natixis, da França, um banco espe-culativo e consultoria financeira, calcula que só para “salvar a Espanha” serão necessários 400 a 500 bilhões de euros (cit. em Frédéric Lordon, “Sauver les banques jusqu’à quand?”, Le Monde Diplomatique, 11/05/2010).
Obviamente, “salvar a Espanha” (como diz Lordon, diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS) é salvar os credores da Espanha, isto é, os bancos franceses e alemães - às custas de destruir a Espanha e depau-perar o povo espanhol, acrescentamos nós.
O aporte da União Europeia ao seu próprio pacote é ridículo: 60 bilhões de euros, menos do que o FMI (250 bilhões). Os restantes 440 bilhões viriam dos “fundos de garantia”, em suma, dos depósitos compulsórios dos próprios bancos no banco central de cada país, que têm como função proteger os depósitos contra as quebras de bancos. Dinheiro que, evidentemente, pertence aos depositantes.
Um dos boletins do Natixis traz um estudo interessante: depois de expor a “estrutura” da dívida pública da Espanha e da Grécia em janeiro de 2010, conclui-se: “a falta de pagamento (défaut) dessas dívidas públicas pode deflagrar uma crise sistêmica, pois implicaria em pesadas perdas para os bancos, que detêm 140 bilhões de euros da dívida grega e 120 bilhões de euros da dívida espanhola, fora àquela que é devida ao BCE”. (Patrick Artus, “Qui détient les dettes dangereuses?”, Flash Éco-nomie Natixis nº 118, 23/03/2010, págs. 5 e 6).
PERDAS
Na verdade, as perdas serão muito maiores, pois nesses números não está computada a dívida com fundos de investimento, seguradoras, etc., que são dependentes dos bancos, quando não pertencem diretamente a eles. A dívida com o Banco Central Europeu (BCE) - e outros bancos centrais - é 33,3% da dívida pública espanhola. Todo o resto, 66,7%, está em mãos de bancos ou fundos de investimento, seguradoras, etc. Isoladamente, os bancos franceses são os principais credores - 25,11% da dívida pública espanhola (Artus, art. cit., pág. 5).
Há algo peculiar nessa dívida. A dívida externa mobiliária (isto é, em títulos) da Espanha é US$ 1,108 trilhão e somente US$ 312 bilhões - isto é, 28,1% - são em títulos públicos (cf. Broyer e Brunner, “Qui détient les dettes publiques euro-péennes?”, Flash Économie Natixis nº 124, 24/03/2010, pág. 2).
Por que, então, a crise atual da Espanha é tratada como uma crise da dívida pública, se, ao contrário da Grécia, que tinha 95,6% da dívida em títulos públicos, a dívida pública externa (em títulos) do país ibérico não chega nem a um terço da dívida total?
Porque a dívida privada tornou-se, na verdade, pública, depois do estouro de 2008, quando os governos europeus concederam garantia aos títulos privados, sobretudo aos títulos dos bancos. Por isso, fala-se em crise da “dívida soberana” (que tem esse nome, provavelmente, porque nada há de menos soberano nesses países do que essa dívida...). A mal chamada “dívida soberana” é a soma da dívida pública com os títulos privados que são garantidos pelo Estado. Certamente, se algum governo não puder pagar a sua dívida, menos ainda terá condições de garantir a dívida de particulares...
Com essa garantia, esses governos jogaram sobre a sociedade, e o Estado, a inadimplência dos bancos. O que nos conduz à razão mais profunda, e mais escamoteada, pela qual a crise europeia é tratada, inevitavelmente, como uma crise da dívida pública: trata-se de uma crise da capacidade dos Estados de continuarem sustentando bancos falidos. Mas, se os governos não têm caixa para continuar colocando dinheiro nos bancos, a solução destes é fazer os governos saquearem a população, para que o Erário continue sustentando-os.
Lordon observa que em 2008, quando os Estados europeus, seguindo os EUA, abriram o Tesouro para cobrir os rombos dos bancos, afetados pelos pacotes de derivativos de vento que compraram dos norte-americanos, “os Estados em questão ainda tinham dívidas públicas moderadas e pareciam em situação de exterioridade e solidez em comparação com o setor bancário” (Lordon, “Sauver les banques jusqu’à quand? - Le ‘plan de stabilisation’, ou les risques du bootstrapping”).
Em suma, em 2008 os governos europeus plantaram uma crise da dívida pública enviando bilhões para um buraco negro e dando garantia aos títulos privados. O buraco negro bancário continua engolindo dinheiro público, enquanto os bancos continuam a fazer a mesma coisa: segundo o BIS, os derivativos aumentaram 12% entre 2008 e 2009, atingindo US$ 615 trilhões em dezembro (um ano antes, eram US$ 548 trilhões - cf. BIS, “Semian-nual OTC deriva-tives statistics, December 2009”).
Agora, esses governos estão colhendo o que plantaram com sua subserviência ao caminho que o governo dos EUA escolheu. A sua capacidade de colocar mais dinheiro nos bancos sem quebrar o país - sem cortar empregos, salários, aposentadorias, investimentos, etc. - está praticamente esgotada.
Antes da crise, Sarkozy, observa Lordon, queria reduzir as aposentadorias na França porque, pelas suas contas, se continuarem as atuais regras, haveria, em 20 anos, um déficit de 30 bilhões de euros na previdência. Agora, os mesmos elementos falam em 400 bilhões, 500 bilhões, 750 bilhões de euros - em um, dois ou três anos -, para salvar bancos falidos, como a coisa mais natural e racional do mundo.
Fazer o povo espanhol, ou grego, ou de outros países europeus, concordar em perder empregos, aposentadorias, salários, para continuar salvando bancos falidos, inteiramente parasitários - e subsidiários da especulação norte-americana - não é o único problema desses governos. Mas é, já agora, o maior. E só aumentará de tamanho, se a política da UE não mudar.
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