19 de setembro de 2008

Da proposta social-democrata a aceitação do pensamento único. Este caminho tem volta?

Artigo

SAMUEL COSTA FILHO
Departamento de Ciências Econômicas - UFPI

16/04/2007
Durante a década de 90, após a derrocada do Socialismo real do Leste Europeu e do surgimento das idéias sobre fim da história predominou a visão de que o capitalismo liberal iniciara uma nova Era de Ouro. Os admiradores do capitalismo não se cansaram de afirmar a superioridade desse sistema e a falta de alternativa a economia de mercado. Foi apregoada uma era de prosperidade, de elevados investimentos dos países desenvolvidos nos países emergentes e de grande progresso tecnológico como resultado dessa nova etapa do sistema capitalista.

Nessa fase, batizada de globalização, se propaga a crença de que o sistema capitalista é a solução ideal para a sociedade representando a forma mais perfeita e acabada de organização humana. Cresceu a fé na economia de mercado  e na sua capacidade auto-reguladora. Para os seus apologistas, o capitalismo é o único sistema que por ter em vista a produção orientada para o mercado, atendendo preferencialmente os consumidores, opera nos setores mais lucrativos e adota os métodos mais eficientes, representando assim um sistema perfeito, desde que não sofra a desnecessária intervenção do Estado, que supostamente não poderia torná-lo mais eficazes.

O “novo liberalismo ” ocupou posição-chave como geradora primária de uma ideologia de defesa da livre empresa na esfera econômica e da democracia liberal na esfera política . Para os neoliberais só uma economia de mercado na qual os empresários tenham liberdade total de ação produziria bons resultados. Apresentam ainda uma negação das questões sociais de forma explicita e programática em proveito das questões econômicas.

A repetição constante desse “pensamento único ” em todos os meios de comunicação e por quase todas as matizes políticas conferiu ao “novo liberalismo” uma força de intimidação que encobriu e asfixiou toda tentativa de crítica e de reflexão livre sobre o que na realidade ocorria na “nova ordem mundial”.

A arrogância e força ideológica desse “novo liberalismo” possibilitaram uma política de controle social que desqualificava os críticos ou os que defendiam reformas sociais. Desqualificação em tal magnitude que classificava os críticos por meios de adjetivos como “atrasados ”, “retrógrados”, “dinossauros”, “radicais”, “esquerda burra”.

A Nível global, a revista The Economist, o The Wall Street Journal, o Financial Time, principais órgãos de informação econômica dos investidores e financistas repetiram e reproduziram o discurso “novo liberal”, apresentando a comunidade internacional de homens de negócio uma proposta editorial adequada à livre empresa e à expansão dos interesses globais das potências centrais, ou seja, no interesse das forças econômicas ligadas ao capital internacional.

No Brasil o jornalismo econômico disseminou com entusiasmo a expressão globalização como palavra mágica que a tudo justificava. Esse fenômeno foi apresentado como inevitável e irreversível , de tal forma que ninguém podia evitar o processo de globalização, sendo necessário adaptar-se o mais rápido e mais intensamente possível, iniciando um virtuoso futuro de crescimento econômico e elevação no nível de emprego.

Nesse contexto surgiu um consenso nos meios de comunicação em que todos os jornais, revistas  e redes de televisão brasileiras repetiam as teses liberais e escamoteavam as críticas. Os novos termos do jornalismo econômico brasileiro passaram a ser expressões como “Globalização”, “Custo Brasil”, “Mercados Emergentes” e “Reinserção Competitiva na Economia Mundial”. Todos essas palavras contaminadas com elevada carga ideológica  (Kucinski, 2000).

As forças conservadoras na periferia do capitalismo em meio a essa avalanche liberal e respaldado no Consenso de Washington implementaram políticas de cunho ortodoxo por quase toda a América Latina. Hoje se constata que todas essas políticas de liberalização da economia resultaram num enorme fracasso. Políticas de austeridade fiscal, altas taxas de juros, abertura comercial, liberalização da conta capital e dos mercados de capitais, e a política de privatização provocaram baixos níveis de crescimento, redução das taxas de investimento, crescimento acelerado do desemprego, crescimento da dívida interna e da dívida externa, queda do poder aquisitivo da classe trabalhadora e aumento da vulnerabilidade externa em todos os países que seguiram a política econômica recomendada pelo Consenso de Washington.

Infelizmente, o Brasil também optou pela inserção subordinada e passiva ao processo de globalização durante os anos 90. Analisando o desempenho do PIB brasileiro nesse período constatamos que a economia brasileira apresentou um quadro de semi-estagnação econômica com um crescimento médio que rivaliza com o da chamada “Década Perdida”. A política econômica implementada entre os anos de 1990 e 1992 resultou num período de forte instabilidade, seguindo-se um período de curta recuperação entre 1993/1995 decorrente do incentivo ao aumento do consumo interno promovido pelo Plano Real, e estagnação econômica entre 1996/1999.

O grande capital internacional e os mercados financeiros globalizados ditaram as regras que o Brasil se submeteu, elevando á já nossa grande vulnerabilidade e dependência de capitais externos. Essa política aumentou enormemente a dependência internacional do país a ponto de forçar a recorrer três vezes ao FMI nos últimos anos (1999/2004).

Desde 1999 estamos sob a tutela do Fundo Monetário Internacional – FMI, que determina a política econômica adotada pelo Brasil. O governo de Luís Inácio Lula da Silva ao assumir se viu na prisão dos devedores internacionais, presos pelas obrigações criadas por FFHH para com o Citibank e seu braço policial, o FMI (Palast. 2004).

Os idealizadores do modelo liberal brasileiro realizaram um processo de abertura da nossa economia prometendo a elevação na taxa de crescimento da produtividade que ensejaria o processo de crescimento econômico brasileiro e melhorias tanto na distribuição de renda quanto na competitividade da economia (Franco 1999).

Nesse período, parafraseando Delfin Netto (2004): “os noveux économistes” apregoaram a falsa idéia de que a abertura econômica do Brasil nos tornaria mais competitivos, eficientes e nos levaria ao “primeiro mundo”. Ocorre que há mais de uma década acreditamos que a estabilidade da moeda e o modelo liberal irão possibilitar essas mudanças e o crescimento econômico, mas os seus resultados são desalentadores. O que restou da grande aventura da “modernização” de 1990/2003 foi à substituição do fenômeno inflacionário pela grande armadilha do endividamento interno e externo.

Atualmente até o governo “social-democrata burguês” ou “neoliberal” de LULA tem claramente uma proposta de continuidade desse modelo, não somente no campo de política de gerenciamento macroeconômico de curto prazo, mas também na implantação e aprofundamento desse desastroso modelo liberal.

A surpresa experimentada pela sociedade e pelos sindicatos mais combativos com a linha adotada pela “burguesia petista” parece ter desorientado e anestesiado à luta dos progressistas por constantes mudanças sociais e o fim desse nocivo modelo implementado na década passada. Todavia não podemos esperar que o governo, associado as nossas elites, realize reformas estruturais de cima para baixo e modifique a atual situação da economia e sociedade brasileira.

Nessa linha devemos relembrar que as reformas liberais que assolam o mundo capitalista foram executadas em várias partes do planeta pelos partidos ditos progressistas ou de esquerdas. Como os partidos conservadores não tiveram força e coragem para implementar a realização de todas as reformas liberais de diminuição e sucateamento do Estado (corte nos gastos sociais e nos investimentos do setor público), redução dos direitos trabalhistas e enfraquecimento do poder dos sindicatos entregaram essa tarefa aos partidos de esquerda que sancionaram de forma “competente” tais políticas. São os partidos progressistas os encarregados de desmantelamento do Welfare State e da destruição do poder sindical, de tal modo que os capitalistas e o capital estão tomando de volta dos trabalhadores quase todos os ganhos sociais acumulados nos Trinta Anos Gloriosos (1940/1970).

Na Europa, o Partido Social-Democrata da Alemanha, a Democracia Cristã na Itália, os Partidos Socialistas na França, na Espanha e Portugal, e o Partido Trabalhista na Inglaterra foram os que realizaram o “jogo sujo” em favor do CAPITAL contra a classe trabalhadora e a maioria da população de seus países.

Na América Latina o comportamento não foi diferente. Realização similar ficou a cargo do Partido Peronista na Argentina, o partido Socialista e a Democracia Católica no Chile e da Social-Democracia do PSDB no Brasil. Assim, diferente do afirmado pelo “antigo PT” não é surpresa que o atual “governo liberal” de LULA esteja também a realizar as reformas que o governo de FFHH não conseguiu ou não quis realizar, realizando apenas o terceiro mandato do tucanato, que foi tão sonhado pelo ex-ministro Sergio Mota.

As argumentações infantis, simplistas e didáticas, próximas do senso comum, sobre as vantagens da globalização e do livre mercado não foram impedimentos para difusão rápida dessa ideologia devida não somente à renúncia dos intelectuais e partidos políticos “progressistas” de apresentar uma proposta alternativa, mas também em virtude da cooptação de intelectuais via farta verbas de pesquisa e/ou empregos na administração pública (Malaguti ett all, 1997).

Argumento ideológico que ainda se mantém apesar dos flagrantes desmentidos da história e dos desastres que provocou em todos os países que utilizaram as recomendações dos liberais. Em virtude da larga utilização do receituário “Novo Liberal” o continente latino-americano apresenta hoje um quadro de fragilidade na sua situação econômica, política e institucional, apresentando ainda um agravamento no quadro social (Soares, 2000).

A vitória da ideologia do “novo liberalismo” provocou o esgotamento da política social-democrata , deteriorou os serviços do Estado, ganhou os corações das novas gerações de tal maneira, que os jovens passaram a ter como projeto pessoal, somente “subir na vida”, transportando para o conjunto da sociedade os princípios darwinistas de sobrevivência do mais apto.

A “obsessão em vencer ”, o sucesso dos mais aptos, o estímulo ao desejo de atingir o topo da pirâmide social como sonho individual máximo realizado por poucos recria uma sociedade capitalista de rivalidade, incompatibilidade, antagonismos, racismo, xenofobia e violência, onde os vencedores não devem nada àqueles que esmagaram. Uma sociedade que ao lado de reduzido número de vencedores encontramos muitos rejeitados que não têm mais nada o que esperar.

Acontece que a história do capitalismo nos séculos XIX e XX foi, fundamentalmente, a história da redução dos excessos maléficos característicos do capitalismo, quer seja controlando o processo da concentração em oligopólios e monopólios, quer seja na regulação da sua lógica de exploração da força de trabalho, em virtude do ideal presente de pretender governar a sociedade com a afirmação dos princípios de igualdade, de justiça social e de solidariedade. Ocorreu a priorização da política e da ética em lugar dos princípios econômicos liberais.

O caminho da globalização da economia libertou o capitalismo das regras, procedimentos e instituições que permitiram a construção do “contrato social” do Estado do Bem-Estar Social ou Welfare State. Pela via da globalização o capitalismo reconstruiu, em escala planetária, seu enorme poder de concentração econômico, financeiro e político, de modo a levar que o mercado e a moeda sejam os únicos valores prioritários para a humanidade no atual estagiam do sistema capitalista globalizado.

No final do século XX o predomínio do “novo liberalismo” provocou o abandono das questões políticas e da responsabilidade social, levou a dilapidação dos bens públicos de tal modo que nenhuma força social ou política pode limitar as ambições dos ideólogos do liberalismo econômico. Os liberais difundiram a visão perniciosa da submissão do Estado as pensões e demandas da sociedade democrática, de tal forma que os governos teriam aumentado os orçamentos no limite do insustentável.

No atual contexto histórico-institucional financeiro em que existe desintermediação bancária, securitização, lançamento de título de dívida pública direta, títulos de propriedade e derivativos, globalização financeira, etc., estamos diante de uma globalização produtiva com supremacia da lógica e da ordem financeira.

Esse processo de globalização está associado às vertentes financeiras, produtiva-tecnológica e comercial. Na versão financeira apresenta-se sob forma de autonomia e mobilidade do capital financeiro pelo mundo a um custo bastante elevado no empréstimo do capital-dinheiro, na chamada financeirização da economia.

Os investidores preferem cada vez mais investir em títulos em detrimento do investimento produtivo. Conseqüentemente, a esfera financeira passa a ser o local principal de valorização do capital, nas transações com títulos públicos e privados, nas bolsas de valores, câmbio e nos mercados futuros.

Apenas uma fração reduzidíssima dessas transações relaciona-se com o financiamento de projetos criadores de emprego, além do que, a “regra de ouro” da empresa na atualidade passou a ser produzir sempre mais com menos trabalhadores assalariados. Diante deste quadro, além do crescimento econômico não criar mais tantos empregos, constatamos ainda que os novos sectores dinâmicos da economia necessitam de um efetivo menor de assalariados.

Acrescente-se a esse fato, que nessa realidade globalizada são justamente os trabalhadores dos países periféricos os que mais sofrem diretamente os efeitos da globalização devido à política de liberalização comercial e da desregulamentação do mercado de trabalho.

Segundo o professor Marcio Pochmann (2002:34) está em formação uma Nova Divisão Internacional do Trabalho que parece referir-se mais à polarização entre produção manufatureira, em partes dos países da periferia e a produção de bens industriais de informação e comunicação sofisticados e de serviços de apoio à produção gerado no centro do capitalismo.

Na periferia ocorre a geração de valor agregado na produção de manufaturas de menor valor agregado e baixo coeficiente tecnológico que requer mão-de-obra barata, uso extensivo de matéria-prima e energia em atividades insalubres e poluidoras do meio ambiente que não são mais aceitas nos países ricos. Por outro lado nos centro do capitalismo concentram-se nas atividades de mais alto valor tecnológico e de confecção de valor intangível.

Nessa nova divisão do trabalho, 70% do total da força de trabalho dos países ricos concentra-se no setor de serviços, que é menos globalizado, enquanto nas economias periféricas ocorre o contrário, ou seja, 70% das ocupações estão concentradas nos setores primários e secundários que são mais objeto de competição mundial.

A órbita produtiva-tecnológica está associada aos investimentos diretos no exterior, assim como na concentração produtiva e tecnológica que reforça o poder dos oligopólios. Na área da atividade de pesquisa, 89% dela é realizada nos países de origem da empresa. O oligopólio tem consolidado e avançado posições no mercado em que atua com aprofundamento da concentração da produção mundial. Há concentração dos investimentos no interior da tríade, composta pelo Estados Unidos da América, Japão e Europa Ocidental, proporcionando a integração de apenas uma pequena parte geográfica de países do globo.

Por último, a vertente comercial que diz respeito à multiplicação do fluxo de comércio mundial devido à queda generalizada das barreiras alfandegárias, à multiplicação dos acordos bilaterais e à formação de áreas de livre comércio.

Nessa linha, a globalização produtiva está restrita aos países da tríade e em alguns países que apresentam condições mínimas para produção industrial mais complexa na periferia, tais como Brasil, México, Argentina, etc., levando a baixo crescimento econômico com crescente desemprego e desnacionalização.

Nesse quadro, as finanças internacionais têm se desenvolvido de acordo com sua própria lógica, e não mais em relação direta com o financiamento dos investimentos e do comércio em nível mundial. Começa a se delinear um novo regime de acumulação mundial que adquiriu a marca, cada vez mais nítida, de um capitalismo predominantemente rentista e parasitário, subordinado as necessidades do capital-dinheiro (Chesnais, 1995). Desse modo, a economia mundial desde o fim do século XX passou a ser grandemente influenciada pelas relações monetárias e financeiras internacionais, provocando instabilidade e crises periódicas.

Acontece que, mesmo diante desse processo de globalização e do predomínio de uma nova dinâmica que assola o mundo, a forma capitalista de sociedade ainda é capitalismo. E o capitalismo globalizado elevou as enormes deficiências que são características desse sistema e que necessitam serem combatidas e até eliminadas. No capitalismo brasileiro essas deficiências e imperfeições se apresentam ainda maiores e mais graves. Nesse sentido, a via de liberalização do mercado não representa o melhor nem o único caminho para avançarmos rumo ao desenvolvimento econômico e a justiça social.

Nesses “novos tempos” liberais que prega consenso e certezas não devemos abdicar da nossa capacidade crítica de pensar. Pensar ainda é preciso e deixar de o fazer é renunciar a nossa capacidade humana de melhorar e decidir sobre o nosso amanhã. Atualmente, cada vez mais a realidades econômicas só atingem a consciência das pessoas sob uma forma deformada fazendo com que se confunda causa e efeito, o que têm levando a que as pessoas comuns tenham dos fenômenos econômicos uma concepção totalmente errônea. Desse modo se torna difícil à compreensão das verdades econômicas. Nessa linha e conforme já salientado, diferente das afirmações correntes, o capitalismo global continua apresentando muito dos seus vários defeitos congênitos e, alguns até sem solução dentro do sistema capitalista.

A sociedade brasileira e os progressistas devem pressionar o governo atual para abandonar o modelo liberal, pois a inserção subordinada ao capitalismo globalizado e a solução de mercado somente irão agravar os problemas sociais e econômicos brasileiros. Nessa linha se faz necessário que a classe trabalhadora e a população em geral compreendam as questões econômicas, sociais e políticas que estão em jogo, a fim de perceberem que a política do governo do PT DE LULA continua levando o Brasil rumo a instabilidade que nos mantêm presos numa camisa de força.

A utilização e justificativa da globalização têm na periferia servido aos interesses das elites conservadoras a tal ponto de esquecermos que o mundo continua capitalista e têm agravado os seus vários defeitos congênitos. Hoje em dia é comum o esquecimento de que o mundo capitalista em qualquer dos seus modelos (liberal americano, europeu ou asiático) apresenta uma desigualdade incorrigível, uma má orientação da produção e um desperdício de muitos dos seus recursos, visto que ao lado de amplas necessidades por satisfazer são encontrados meios de produção ociosos e desemprego grave e crônico, tanto no mundo desenvolvido quanto no chamado mundo subdesenvolvido. Dito de outra maneira, Capitalismo globalizado continua produzindo, de um lado, uma minoria privilegiada e, no outro extremo a sua grande maioria, produz miséria, exclusão, injustiça e a fome.

Alguns defeitos do capitalismo podem ser enfrentados por reformas, outros que decorrem da essência desse sistema não são suscetíveis de nenhum tipo de mudanças. Dentro dessa realidade convêm salientarmos que: 1) continua predominando a degradação constante do trabalho assalariado em decorrência da ameaça e/ou constante aumento do desemprego, provocando insegurança na vida e marginalização da classe trabalhadora, ou seja elevada exclusão social; 2) que as inovações tecnológicas a serviço da competitividade entre empresas nos mercados globais tem a predominância das inovações dos processos produtivos, o que provoca a permanente modificação das combinações dos fatores de produção tornando supérfluas quantidades crescentes de assalariados e elevando conseqüentemente a composição orgânica de capital, o que implica perdas adicionais de postos de trabalho; 3) que o sistema capitalista globalizado continua tendo como preocupação central o lucro, numa concorrência feroz entre capitalista visando prioritariamente superar os concorrentes próximos ou não; 4) que em decorrência desse último ponto, continua atual a disposição dos empresários de colocar em risco a saúde e mesmo a vida de seus trabalhadores, vizinhos e até clientes, quer seja através de más condições de trabalho, poluição e produtos nocivos, desde que sejam lucrativos e não seja detectado pelas vítimas ou por fiscalização dos governos; 5) que o atual capitalismo individualista elevou a grande desigualdade social e de riqueza característicos desse sistema. Quanto mais o mercado governa o futuro da sociedade, os indivíduos, grupos sociais, cidades, países e até continentes pouco competitivos ficam fora do processo de globalização, elevando as desigualdades a níveis irreversíveis entre os seres humanos; 6) que os países desenvolvidos continuam sendo os maiores criadores e detentores da moderna tecnologia, o que aumenta a dependência de países emergentes em relação a esses países ricos; 7) que no período da globalização financeira é cada vez maior a crença na importância do capital estrangeiro para os países subdesenvolvidos como forma de suplementar a poupança doméstica, para facilitar a transferência de técnicas modernas e para ampliar a capacidade de importações. Acontece que essa política somente tem tornado os países emergentes em exportadores líquidos de capital para os países ricos; e 8) a partir dos anos 80, o capital tem voado rapidamente de um país para outro procurando a maior taxa de lucros, e dessa forma, levando os países subdesenvolvidos concorrerem entre si para que o capital não migre para outros países. Qualquer deficiência encontrada em um desses países da periferia tais como: as estradas inadequadas, sindicatos que reivindicarem muito, impostos mais elevados que em outros países, faz com que o capital fuja para um país mais “seguro e confiável”.

Na realidade, é bom relembrar que no atual capitalismo globalizado os empresários capitalistas produzem ainda e cada vez mais com objetivo do lucro e não para atender a necessidade e interesses da sociedade. Nessa sociedade as influências do “efeito demonstração”, da “moda” e da publicidade convertem, cada vez mais, uma quantidade enorme de produtos e serviços supérfluos em “necessidades”.

A propaganda e a publicidade são constantemente manipuladas pelos “gênios” do marketing, objetivando elevar a demanda de produtos “supérfluos” e induzir os consumidores a escolher produtos nocivos ou poluidores e até antiéticos como cigarro, bebidas, drogas, filmes de violência, bingos e jogos, produção de armas, revistas pornográficas e programas de televisão sobre violência, músicas de gosto duvidosas, automóveis, celulares, etc.

Nos países da periferia o consumo imitativo e a importação de bens consumo de luxo e supérfluos pelas elites aculturadas representa para esses países uma drenagem de divisas, de tal forma que, diminui a capacidade de importação de máquinas, equipamento e tecnologia necessária ao desenvolvimento econômico. 

Os defensores do liberalismo sempre afirmaram que os gastos privados merecem preferência sobre os gastos públicos por serem feitos buscando a máxima satisfação das necessidades e aspirações pessoais.  Porém, propositalmente, esquecem que existem gastos públicos em saúde, educação, habitação, transporte coletivo, serviços básicos, subsídios à alimentação, etc., que são essenciais para a grande maioria da população . Por outro lado, não enfatizam a existência de muitos gastos privados, suntuários, que interessam apenas a minorias privilegiadas. Essa última característica é um fato marcante que predomina na atual sociedade brasileira.

Convém destacar que o setor público teve um extraordinário papel criando e suprindo economias externas (energia elétrica, comunicação, redes de água e esgoto, distritos industriais) ao setor privado e realizando investimentos de infra-estrutura socioeconômica no processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. No nosso país, o governo federal comandou a instalação até da indústria de base.

O setor público usualmente concedeu e concede ao capital uma série de vantagens tributárias, crédito, incentivos fiscais e cambiais, tais como a isenção de impostos, financiamento a taxas de juros subsidiadas, oferta quase gratuita ou doação de terrenos e a realização de políticas de desenvolvimento regional e nacional.

Atualmente a desigualdade, o desperdiço do esgotamento dos recursos naturais continua inerente ao sistema capitalista global. Nesse último ponto a Revista Carta Capital (No 280, 3 de março de 2004) traz reportagem segundo a qual documento do Pentágono prevê que o aquecimento global ameaça a estabilidade do mundo muito mais do que o terrorismo. Segundo a reportagem “O Apocalipse está aí”, um relatório secreto suprimido pelos chefes da Defesa norte-americana e obtido pelo The Observer, adverte para o risco de que cidades e países inteiros podem se tornar inabitáveis e a fome se agravarão em virtude de mudanças climáticas até 2020. Ainda, segundo o mesmo relatório, conflitos nucleares, grandes secas, fome e tumultos generalizados acontecerão ao redor do mundo e poderão criar o caos global. Dessa forma, se faz necessárias mudanças no ponto de vista da Casa Branca e do Governo dos Estados Unidos no sentido de assinar tratados globais para reduzir a taxa da mudança climática.

O Banco Mundial, no seu relatório de pesquisa política sob o nome Globalização, Crescimento e Pobreza (2003), reconhecem esses problemas causados pelas questões ambientais. Segundo a citada publicação, há uma ampla concordância entre os cientistas que a atividade humana causou o aquecimento global e que uma mudança climática ainda maior está por vir a não ser que ações corretivas sejam realizadas. Os responsáveis por este problema é o conhecido G- 7, grupo dos sete principais países industrializados, que respondem por 70 % das emissões de CO2 do planeta. Os Estados Unidos da América com apenas 4 % da população mundial, emite quase 25 % dos gases que causam o efeito estufa, se nega a cumprir o Protocolo de Kyoto.

Mesmo duvidando de previsões tão pessimistas não devemos nos esquecer que o capitalismo globalizado conserva sua característica inerentemente consumista e destruidora do meio ambiente. A destruição de parte da camada de ozônio, a poluição dos rios, a desertificação de diversas áreas do globo são algumas características que decorrem do desenvolvimento do capitalismo no último século.

Nessa sociedade desigual, o conceito de bem comum raramente tem conteúdo real servindo apenas como instrumento de mistificação. O capitalismo ainda procura incutir a crença na existência de um bem comum e na identidade entre os interesses das elites e os da sociedade como um todo, ou na defesa da liberdade e da democracia como uma bandeira a unir os interesses dos povos na terra. Nesse rumo, a grande maioria da população, que é cada vez mais marginalizada, sofre manipulação constante da mídia e de todos os grandes partidos conservadores na defesa desse sistema e para que mantenham a atitude de resignação com a própria sorte, ou com a própria desgraça, de tal forma a manterem sua postura submissa  (Browne, 1988).

Acontece que, no sistema capitalista globalizado, os atos governamentais continuam favorecendo em geral aos interesses dos grandes capitalistas e seus proprietários . Na periferia do capitalismo a democracia tem significado um instrumento forte e poderoso que ilude as populações desorganizadas e pobres, levadas a crer que essas exercem uma influência que de fato não possuem . A população não percebe claramente que a elite tem meio, não só para promoverem a eleição de políticos de sua confiança, como para evitar a de indesejáveis e cooptar adversários; e até mesmo para impedirem que os desfavorecidos se organizem e logrem participar do poder, mesmo que seja por intermédio de golpes de estado como sempre ocorreu na América Latina a exemplo do que ocorreu no Chile nos anos 70 e ainda está em curso na Venezuela.

Entre as funções de acumulação e legitimação, os governos têm preferencialmente optado pela primeira opção no sistema capitalista globalizado. Nesse sistema econômico a maioria das ações do setor público na esfera econômica afeta desigualmente aos diferentes grupos sociais, principalmente em beneficio da acumulação de capital e em detrimento da classe trabalhadora. No limite, classes inteiras são afetadas, como acontece com as classes trabalhadora e a capitalista em conjunto, por intermédio das leis defendendo e definindo as propriedades privadas, regulamentando o direito trabalhista e a organização sindical, a política de reajuste salarial, o incentivo ao capital, etc. Assim, o Estado reproduz e privilegia os interesses da acumulação de lucros em relação aos interesses do bem-estar social e aos interesses dos trabalhadores e da população em geral.

No caso brasileiro, a legislação trabalhista foi implementada autoritariamente de cima para baixo abrangendo, até recentemente, apenas uma parte da classe trabalhadora, ou seja, os trabalhadores urbanos eram quase os únicos que se enquadravam nessa legislação. Já no que diz respeito ao capital, o governo brasileiro ao promover o desenvolvimento econômico concedeu incentivos à iniciativa privada, basicamente constituída de subsídios ao capital via taxas de juros mais baixas ou negativas, isenção de impostos de produtos de importação, de tal forma que tornaram o capital o fator “mais barato” e encarecendo relativa e artificialmente o custo da mão-de-obra, o que veio a elevar o dramático problema do desemprego na economia brasileira (Cano, 1998).

No capitalismo globalizado continua válida a regra de que para “certos” partidos alcançarem o poder e o controle do aparelho governamental faz-se necessário tornar “confiável” ao Capital. O grande capital continua tendo como objetivo resguardar os seus interesses, do mesmo modo que se empenha para que seus membros ocupem posições estratégicas no governo, quer seja na burocracia executiva, quer seja no legislativo, ou pelo menos para que as pessoas que ocupam esses cargos tenham opiniões e valores idênticos aos seus.

O capital ainda pressiona os ocupantes das posições estratégicas através da persuasão, do oferecimento de vantagens tais como propinas, empregos futuros, empregos imediatos para parentes ou amigos, elogios públicos, ou até ameaças (Browne, 1988). Como se percebe não foi outro o motivo da mudança de discurso da “cúpula burguês petista” já antes das últimas eleições. No primeiro ano de governo de Luís Inácio Lula da Silva a mídia conservadora aplaudiu um presidente Lula que satisfez a agenda conservadora do capital financeiro. Atualmente encontramos o presidente Luis Inácio Lula da Silva deslumbrado com os elogios das elites conservadoras e com o poder.

Mesmo na atualidade, o capitalismo ainda apresenta a característica de que os partidos e seus candidatos mesmo incorporando em suas plataformas opiniões e reivindicações de seus membros e eleitores, a população não dispõe de muitos mecanismos para obrigar os eleitos a cumprirem suas promessas. Por essa linha, não é surpresa que hoje em dia o governo do PT, não só não esteja cumprindo com grande parte do prometido no seu programa de governo, como está seguindo as linhas mestras da política econômica do governo anterior, caracterizando um terceiro mandato de FHC a quem o PT combateu e criticou tão duramente (Cano, 2003).

Nessa sociedade individualista as pessoas são avaliadas em boa parte pelos ganhos e pelo que possuem. A norma que vigora é a oportunidade de ganhos elevados na forma de ganhos de capital, lucros e altos salários para determinadas categorias. Acontece que essa é uma especificidade do sistema econômico que objetivam prioritariamente o lucro e a acumulação ilimitada, não sendo possível impor limites quer ao enriquecimento e muito menos a cumulação de capital. Essa atitude provocaria a morte do sistema.

Dessa forma, no capitalismo globalizado continua, cada vez mais, valendo a máxima que torna respeitáveis os ganhos elevados e exorbitantes do capital e de certas profissões em virtude da argumentação de que eles são necessários para induzir o empresário a seguir caminhos arriscados e introduzir técnicas e/ou produtos novos, como também para atrair pessoas talentosas para determinadas funções.

Contudo, diferentemente do discurso ideológico do capital que afirma recair sobre os capitalistas os maiores riscos na sociedade capitalista, quer seja na orientação da produção ou no comando dos negócios, o que realmente ocorre é que nem todos os riscos e nem mesmo os mais sérios são suportados pelos capitalistas. Os riscos de invalidez, acidentes fatais e de desemprego são suportados principalmente pelos trabalhadores assalariados. Os principais riscos dos capitalistas são o de perder o capital aplicado, o acesso a cargos na direção das empresas, o privilegio dos cargos públicos ou nos diversos órgãos governamentais (Browne, 1988).

Atualmente, a sociedade e particularmente a classe trabalhadora dominada pelo pavor do desemprego crescente perdeu o respeito próprio e se tornou mais subserviente e indiferente a qualquer luta, aceitando qualquer tipo de trabalho e não se incomodando com as condições prejudiciais e arriscadas desse trabalho, nem com o caráter nocivo e perigoso dos bens ou serviços que produz.

As privatizações, as reestruturações, as fusões e aquisições, as terceirizações e os enxugamentos têm elevado a intensidade de trabalho e mais horas de trabalho. A perspectiva é a de que cada vez mais trabalhadores serão obrigados, ou convencidos, a adotar atitudes participativas, comprometidas com o sistema. Isso tudo em nome da modernização e da produtividade.

Diante dessa realidade, o projeto liberal ainda clama por mais desregulamentação do mercado  e das leis que regem o mundo do trabalho, afirmando que as negociações dos sindicatos em favor de seus membros e os direitos trabalhistas afetam a eficiência das empresas.

Constatamos nessa nova ordem global, de um lado o desemprego crescente e, do outro lado, um trabalho cada dias mais absorventes, exigentes, instáveis, estressantes. Quem tem a sorte de estar trabalhando sofre cada vez mais devido ao estresse e a depressão e por não ver sentido na tarefa que faz.

Frente à crise estrutural do emprego proliferam na sociedade brasileira estratégias de trabalho informal e de sobrevivência. A população recorre e recria formas cada vez mais ligadas à informalidade que ocupa as ruas das grandes cidades, esgarçando ainda mais o processo de precarização das condições e relações de trabalho no Brasil. Na economia brasileira os elevados índices de desemprego além de criar insegurança, têm fomentado a criminalidade, a marginalidade, a prostituição, ou seja, disseminado essa guerra civil em que vive diariamente o morador das periferias das grandes metrópoles (Tiriba, 2003).

As pesquisas da canadense Estelle Morin, professora de Comportamento Organizacional da HEC Montreal, uma afiliada da Business School of University of Montreal, e Ph.D. em Psicologia Organizacional e Industrial constatou que no Brasil, trabalha-se duas vezes mais do que no Canadá (Carvalho, In: Carta Capital, 263, 2003).

Porém, diante desse fato, o “mito do custo do trabalho” num universo de mercado de trabalho com elevado índice de flexibilidade e com poucas “regalias”, tem levado aos últimos governantes brasileiros a proporem diferentes reformas de mudança na legislação trabalhista que somente objetivam a redução nos direitos trabalhistas na forma de: 1) flexibilização dos direitos sociais; 2) implantação do contrato coletivo de trabalho; 3) redução de encargos trabalhistas; 4) eliminação do poder normativo da Justiça do Trabalho; 5) fim da contribuição sindical compulsória; 6) introdução do pluralismo sindical. O sindicalismo brasileiro precisa ficar alerta, pois o atual governo parece também sinalizar nessa linha. Mesmo fragilizado, o projeto neoliberal continua hegemônico no planeta e a sua ofensiva contra o direito ao trabalho será violenta na economia brasileira (Borges, 2004).

A situação do desemprego é tão grave que, não somente os principais sindicatos, mas também e até a classe trabalhadora perdeu a noção de que nesse sistema, o capitalista se apropria do excedente produzido pela classe trabalhadora. Voltamos ao velho discurso conservador do empresário criador de trabalho e riqueza. Dessa maneira passa a predominar novamente a visão do empresariado como um “benfeitor” e um “benemérito”, “empreendedor” que ao criar empresa e contratar mão-de-obra salva a vida do trabalhador.

Assim, como encontrado em Browner (1988:166) na guerra civil que impera no nosso país ficamos com a impressão de que o capitalista aparece como benfeitor a quem o trabalhador deve o seu sustento e não mais o inverso como é a característica no sistema capitalista. Assim, há algo de comum no empresário que nos livra do desemprego se aceitarmos doar-lhe parte do valor que o nosso trabalho cria, e no assaltante que nos leva a bolsa, mas nos poupa a vida: ambos nos possibilitam sobreviver.

Nesse contexto, o que predomina é idéia de “priorizar a competitividade” via redução dos custos de mão-de-obra, elemento considerado como a causa principal da diminuição da competitividade e do crescimento do emprego, em virtude do sistema de regulamentação existente e dos encargos trabalhistas criados pelo Estado do Bem-estar social.

Assim, não é surpresa o predomínio da tese de que a rigidez da legislação trabalhista, os altos custos dos salários e a falta de qualificação sejam os principais responsáveis pelo desemprego . Com o predomínio dessa idéia e em meio a um elevado desemprego, o grande contingente de pessoas procurando emprego está disposta a aceitar salários mais baixos, concorda com o desmantelamento dos mecanismos de proteção sindical e desautoriza a intervenção do Estado no campo social.

O “novo liberalismo” ressurge como ideologia no sentido meramente político-ideológico da modernidade pondo de novo nos sindicatos a culpa pela crise de desemprego . Diferente da era Keynesiana que afirmava ser o desemprego uma característica intrínseca do sistema capitalista, essa realidade liberal, torna necessário destruir o poder sindical, priorizar a livre iniciativa, reduzir os recursos de assistência social e iniciar a terceirização, incentivar o trabalho autônomo e sem vínculos empregatícios, iniciar estratégias de redução dos salários acompanhada pela redução da jornada de trabalho, provocar a redução do seguro-desemprego, etc; elevando o crescimento do trabalho informal e/ou sem registro, levando a que as pessoas acabem se sujeitando a empregos cada vez mais precários com salários reduzidíssimos como os de países asiático (Sayad, 1999).

A globalização propagou a crença ideológica de que qualquer grupo de países possa beneficiar-se com a participação em “mercado comum”. Todavia, no caso dos países subdesenvolvidos e em via de desenvolvimento, esse mito encobre três riscos sérios: 1) que esses benefícios da ampliação de mercado sejam colhidos principalmente pelas empresas estrangeiras e à custa de interesses nacionais; 2) que como essa associação reúne países em estágios muito distintos de desenvolvimento, a unificação dos mercados fará com que os países em desenvolvimento percam qualquer esperança de desenvolvimento; e 3) que a entrada do capital estrangeiro apresenta cada vez mais um alto grau de probabilidade de que, no longo prazo, provocará uma saída acumulada de divisas maior que a entrada.

A globalização tem possibilitado o enriquecimento ainda maior dos países de economia desenvolvida. Esses países elevaram o grau de monopólio do poder econômico, aumentaram o controle dos fóruns de decisões, expandiram o comando sobre os mecanismos de comércio e mercados financeiros, recursos naturais e maior controle sobre a tecnologia. Por outro lado, os países em desenvolvimento e pobres tornam-se altamente endividados e são forçados a pagar juros da dívida cada vez mais pesados diante de um rebaixamento histórico dos termos de troca e diante de condicionalidades ampliados econômicas e politicamente, ou seja, obrigados a adotar o projeto neoliberal que adequou os países devedores às exigências dos países ricos.
A globalização também legitimou a ocupação de novos espaços pelo capital financeiro mundial, especialmente nos países periféricos, sob o argumento de que se trata de um desenvolvimento natural das forças produtivas capitalistas.

Colocou para essas economias a necessidade inexorável de se reinserir nos mercados mundiais de modo competitivo e adverso às suas demandas sociais e a determinações nacionais, de tal forma a que se abandonou a idéia do desenvolvimento nacional autônomo com seus próprios recursos (Kucinski, 2000).

Historicamente, o afluxo de capitais para os países subdesenvolvidos tem levado esses países a grave crise de divisas, mostrando o paradoxo do subdesenvolvimento que é o da transferência líquida de recursos dos paises pobres para os países ricos. Nessa linha, ocorreu nas últimas décadas o agravamento do desequilíbrio cambial crônico dos países subdesenvolvidos devido à atração de capitais de curto prazo dos países ricos para os países ditos emergentes via diferencial entre as taxas de juros vigentes nos paises desenvolvidos e subdesenvolvidos provocando grande instabilidade nos mercados receptores (Cano, 1998).

Pelo apresentado, o capitalismo embora numa nova fase, isto é, no capitalismo globalizado, na sua essência ainda é capitalismo. Sistema individualista e darwinista repleto de vícios e defeitos. Diferente da pregação do fim da história, na era liberal de globalização financeira a história recusa-se a terminar e segue produzindo ironias e paradoxos. Não parece ter lógica, muito menos direção.

O capitalismo globalizado leva a uma revolução permanente negando qualquer autoridade ao passado, negando mesmo as condições que viabilizaram sua expansão. Tem levado a uma generalizada erosão na conduta pública e privada, reduziu enormemente a influencia da religião, propicia a disseminação da corrupção tanto no setor estatal quanto no setor privado, procura constantemente e crescente alienar os consumidores com a disseminação do fetichismo da mercadoria, leva a alienação de eleitores diante dos fatos políticos, provocando ainda atitudes de liberalização desenfreada da atividade sexuais e de produtos e serviços ligados a esta atividade, etc.

Nessa situação, o neoliberalismo ao mesmo tempo em que celebra a democracia se vê obrigado a demonizar quem se opõe a ele. Nessa linha, para os fundamentalistas de mercado o islamismo passou a ocupar o lugar do comunismo como o inimigo que precisa ser execrado e destruído. Esse fundamentalismo incomoda aos liberais pelo seu conteúdo antiimperialista e antagônico ao neoliberalismo.

O fundamentalismo islâmico necessita ser atacado e destruído porque não aceita aspectos essenciais ao capitalismo da nova era liberal, que apresenta a corrupção, a liberdade e libertinagem dos costumes, a amoralidade, a primazia do lucro e do mercado, a desqualificação da solidariedade social, da destruição das culturas e hábitos comunitários e nacionais como fatos comuns decorrentes do progresso (Kucinski, 2000). Progresso econômico desse capitalismo global, individualista, egoísta que tem sido o rumo seguido pelas elites brasileiras, desprezando o homem cordial e a solidariedade social que eram contribuições típicas de brasilidade para a humanidade.

O capitalismo brasileiro apresentou em grande parte do século XX um ritmo de crescimento elevado da economia, principalmente em setores que produz para a minoria privilegiada que imita os hábitos de consumo das elites dos países desenvolvidos. Por outro lado, o país possui hoje 54 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, segundo dados do IBGE. Esse número representa 31,8% dos cerca de 170 milhões de brasileiros. Desses 54 milhões, 49 milhões têm renda inferior a meio salário mínimo por mês e 5 milhões restantes são pessoas que sobrevivem sem nenhum tipo de renda.
A crise do modelo desenvolvimentista e a implantação do neoliberalismo fizeram crescer o predomínio do consumo suntuário das elites tradicionais que imitam os padrões de consumo dos países de elevado nível de desenvolvimento e agravou-se a condição dos desfavorecidos (Furtado 2002). Acrescente-se o fato de que no atual modelo, enquanto a grande maioria da população brasileira passa fome, boa parte das melhores terras e das águas escassas é utilizada no agronegócio para produzir alimentos que serão consumidos nos países ricos.

Constata-se a um retrocesso da economia brasileira rumo ao modelo primário-exportador via disseminação do agronegócio. Mostrando o retrocesso da economia brasileira rumo a reprimarização, não somente da sua economia como também de suas exportações, em 2003, ano em que a produção industrial brasileira sofreu uma forte retração, a participação do agronegócio no PIB voltou a crescer. Segundo dados da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) a participação do agronegócio no PIB subiu de 29% para 31% do PIB em 2003. Já o Ministério da Agricultura estima em 33% o percentual de participação do agronegócio no Produto Interno Bruto. Convém salientar que essa crescente participação do agronegócio tem sido resultada das sucessivas safras recordes e da retração dos outros setores. A bem da verdade, acrescente-se o fato de que a mensuração da presença do agronegócio, porém, é difícil de ser detectada porque o agronegócio inclui ramificações que vão além da agricultura e da pecuária, tradicionalmente classificados como um setor único (Folha de São Paulo, 14/04/2004).

A conclusão a que chegamos é a de que a economia brasileira aloca recursos escassos de forma socialmente ineficaz e economicamente ineficiente, à medida que, além de manter grande parte de seus recursos ociosos (Latifúndio é apenas um dos exemplos), não consegue ainda suprir as necessidades básicas da grande maioria da população, destinando parcelas significativas dos seus recursos à produção de bens supérfluos e não essenciais.

Globalização, esse nome pomposo para o estágio atual do capitalismo e da economia mundial, não tem produzido elevadas taxas de inflação, mas provocadas apenas baixas taxas de crescimento e muito desemprego. Nesse contexto, surge uma pergunta: Valerá a pena continuarmos a aprofundar um modelo de desenvolvimento que não contribui para diminuir a percentagem dos pobres e miseráveis e, até mesmo a maioria dos que dele se beneficiam está sendo condenada a viver permanente ameaça por assaltos, epidemias, exploração, más condições de trabalho, doenças provocadas pelo mundo do trabalho ou a triste opção do desemprego?

Diante da onda liberal existirá retorno? Por falta de uma alternativa melhor no horizonte histórico do capitalismo, o Welfare State ainda se apresenta como a alternativa mais viável de sociedade. Nessa linha, pode a sociedade reivindicar e o setor público brasileiro tentar corrigir algumas dessas anomalias apresentadas pelo sistema capitalista no Brasil por meio da manipulação de uma adequada política econômica objetivando conquistas sociais que priorize os interesses da nação. Reformas progressistas nas áreas tributária, agrária, urbana, educacional, monetária e até no seu comércio exterior.

Porém, não serão as elites e nem um governo comprometido com as políticas do FMI que realizará reformas estruturais necessárias à construção de uma alternativa. Além do que, o modelo liberal implementado no Brasil não é susceptível de remendos. Não há nenhuma forma de ajuste macroeconômico capaz de fazer com que a soberania econômica do país seja restaurada e o manejo da política econômica e da política de desenvolvimento possa ser, de novo, movida pelas decisões soberanas da nação dentro da alternativa liberal (Cano, 2003).

Diante da crise da dívida externa da Argentina, o melhor aluno do FMI e principal país a implementar as propostas consubstanciadas no Consenso de Washington na América Latina, das propostas de Hugo Chaves para Venezuela e a eleição de Lula no Brasil estão os países do Cone Sul (Brasil, Venezuela, Argentina, etc.) perdendo uma oportunidade histórica de mudar a jogatina contra os países da periferia.

Infelizmente o caminho seguido pelo “nova elite petista” segue na linha da submissão e da vulnerabilidade interna e externa. Do ponto de vista estrutural, o governo de LULA está aumentando a vulnerabilidade externa da economia brasileira não somente na dimensão comercial e produtiva, mas também na tecnológica e na dimensão monetária e financeira. Faz-se necessário e urgente romper com a política econômica imposta pelo neoliberalismo, gerenciado pelo “cão de guarda” do capital internacional o FMI, que prescreve superávit primário, juros elevados e recessão econômica. Ruptura essa indispensável para realização das mudanças (Gonçalves, 2003).

Lutar somente pelo crescimento econômico na linha atual significa a defesa do status quo. Dessa maneira é mais sensato implementar reformas estruturais e buscar novas formas menos elitistas de desenvolvimento ou, quem sabe, até esquecermos o crescimento econômico realizando apenas uma melhor distribuição de renda no Brasil, de tal sorte a eliminarmos a miséria, a fome, a exclusão e a injustiça.

O objetivo principal é tentar atenuar e “eliminar”, através de reformas, os principais defeitos do capitalismo brasileiro. Uma mobilização popular e organizada se faz necessária, para forçar e lembrar o governo petista qual o lado o elegeu, pois como afirma Marilena Chauí (2003) citando Espinosa: um direito não é algo concedido, mas algo que é conquistado e conversado, porque ele é poder. A construção e implementação de um projeto nacional claramente identificado com os interesses do povo brasileiro, com a utilização dos recursos primordialmente para melhorar a situação dos pobres e excluídos não virão de uma decisão do Estado.

O projeto de “modernização” no terceiro mandato de FFFHHH, ou seja, no governo LULA é um projeto de modernização conservadora que na sua realização exige mais capital internacional, mais liberdade e menos Estado e conseqüente redução do gasto social. Um projeto que exige que todos sejam mais eficientes, mais produtivos, mais econômicos e mais gananciosos. Enquanto isso cria cada vez menos emprego, os ricos ficam mais ricos e o contingente de pobres aumenta. O gasto público é elevado à condição de bode expiatório de todos os males e se pratica altíssimas taxas de juros que impõe limites à vida dos governos em todas as esferas (União, Estados e Municípios) originando a grande crise do setor público devido à política econômica equivocadamente escolhida.

O Brasil que necessita de justiça social, prosperidade e democracia, com a “modernidade” ressalta as vantagens do mercado livre, da terceirização, da automação, da economia de mão-de-obra e da necessidade dos trabalhadores se aposentarem mais tarde. Por outro lado, execra o déficit público, luta pela diminuição da carga tributaria e questiona os benefícios sociais. O mundo dos liberais recomenda que sejamos mais cruéis e impiedosos com os menos capazes, os ineficientes e os excluídos. Problemas como saúde, educação e segurança do cidadão não são considerados problemas graves e emergenciais, podem esperar mais um pouco. Enfatizam as questões econômicas, numa linha de predomínio do econômico sobre o político, o cultural e o social. Um discurso vulgar e mal fundamentado. Discussão liderada pelas elites aculturadas atenta e embevecida pelos termos metropolitanos e que não entende direito e com realismo os problemas do Brasil (Sayad, 1999).

Concluindo gostaria de deixar a mensagem de Maria da Conceição Tavares (1999:73) para qual: “O Brasil é um país continental, tem potencialidades de desenvolvimento, tem condições objetivas que independem do capital especulativo, que independem da globalização. Tem condições de dar alimentação, vestuário, calçado, escola e um mínimo de saúde e seguridade social à sua população. Embora possa levar algum tempo, existem condições objetivas de converter o país em nação, como o fizeram, aliás, vários paises do mundo, nas crises internacionais anteriores e nas situações mais diversas de desenvolvimento e organização social da produção e sistema político”.

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