PAUL HARRIS
A eleição de Barack Obama como o 44º Presidente dos EUA – e seu primeiro líder negro – tem sido celebrada como uma revolução e uma transformação. A ala direita dos Republicanos teme que seu país esteja aderindo ao presidente mais radical desde Roosevelt. Mas a análise dos votos e da própria personalidade de Obama revela muito menos mudança do que se está pensando.
Paul Harris - The Guardian
Data: 10/11/2008
Teve certamente a aparência de uma revolução. Em todos os recantos do país, partidários republicanos foram expulsos de seus postos. Estados que ao longo de uma geração não tinham votado pelos democratas tornaram-se azuis. De cidade em cidade, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas. Nos portões da Casa Branca, uma multidão se reunia e gritava: “Obama! Obama!”.
Agora, enquanto a América encara o fato de que Barack Obama será seu próximo presidente, muitos estão se perguntando se as mudanças políticas terão a mesma dimensão que a dessa campanha política. Alguns estão falando num novo New Deal. Eles vêem uma oportunidade de os democratas transformarem a América. Eles calculam uma hegemonia democrata por no mínimo uma década. Isso, sinceramente, tem mais com o novo do que com o velho.
Os números frios parecem reforçar esse argumento. Obama foi o primeiro democrata, desde 1976, a vencer com mais de 50% dos votos. Ele trouxe os democratas de volta ao poder no Sul Profundo, no Meio-Oeste e nas Montanhas Rochosas. Os Democratas são, de novo, uma parte do todo do país. Os republicanos parecem uns bundões.
Durante a campanha, a máquina republicana de ataque chamou Obama de marxista e socialista. Ele era um democrata tax-and-spend (1); o mais liberal dos políticos do Senado; um radical perigoso. E ainda assim a América votou nele. E não apenas isso, eles dobraram as esquinas aos montes e esperaram horas nas filas para eleger o primeiro Presidente negro. “Essa é uma mudança fundamental. Era totalmente imprevisível até há um ano atrás”, disse David Peritz, um cientista político do Sarah Lawrence College, de Nova York.
Fez a América liberal lamber os beiços. Obama usou o slogan de uma só palavra – mudança – e essa mudança é o que seus apoiadores querem. Alguns ativistas vêem uma chance de transformarem a América do mesmo modo que o fez Franklin Roosevelt. Controlando todos os níveis do governo, Obama pode redesenhar uma nação e os republicanos podem fazer pouco para interditar isso. Essa parece uma visão sedutora. Mas é real?
A história da esquerda norte-americana não tem sido uma história feliz. Parece que o país tem um conservadorismo inato que faz com que os políticos de esquerda sofram. Ainda assim Obama já começou a tarefa de preparação para governar. Ele está reunindo seu time e estabelecendo metas. A propaganda e os sonhos da campanha acabaram. Agora a América quer saber se a revolução de Obama é um artigo genuíno. Em breve saberá.
Às vezes, os momentos mais eloquentes de uma campanha aparecem nos detalhes esquecidos. Lá em janeiro, Obama encontrou editores de um jornal de Nevada, o Reno Gazette-Journal. Ele os surpreendeu elogiando o presidente Ronald Reagan, não apenas por suas políticas, como por sua habilidade para mudar a América. “Ele estabeleceu uma marca fundamentalmente diferente, porque o país estava preparado para isso.”, disse Obama. Os comentários causaram um breve tumulto. Hillary Clinton atacou Obama como se este tivesse reivindicado o legado de direita de Reagan. Então, isso desapareceu de vista.
Até agora. No rastro da sua vitória eleitoral na semana passada, esses detalhes puderam ser vistos sob nova luz. Muitos democratas estão esperando que Obama possa ser uma versão de esquerda de Reagan. Ele pode mudar a América por uma geração. O reaganismo, afinal de contas, dominou a vida política americana de 1980 até a semana passada. Todos os políticos depois dele, inclusive Bill Clinton, tiveram de ser pró-mercado, pelo corte de impostos, pró-guerra e do campo anti-governamental que Reagan criou. Agora, muitos liberais dizem que Obama tem o mandato para fazer a mesma coisa. Mas ao contrário. “Há muita gente falando em Washington sobre o fim da era Reagan”, disse John Fortier, um pesquisador visitante no conservador American Enterprise Institute.
Obama construiu uma grande e viável coalizão de apoio, composta de universitários brancos, negros e hispânicos e de jovens eleitores. Essa coalizão impulsionou o partido para fazer estados como Ohio, Iowa e Florida mudarem. Ela tornou estados vermelhos como Indiana, Colorado, Novo Mexico, Nevada, Virginia e Carolina do Norte em azuis. Obteve grandes avanços no Congresso, dando a Obama o controle sobre o governo. “Ele claramente tem um mandato. O poder está lá. A questão agora é quando ele fala que traz mudanças. O que ele quer dizer?”, disse David Frum, um quadro republicano e ex-assessor do Presidente George W. Bush.
Essa é a questão que está na cabeça de todo mundo. Durante a campanha a agenda era ambiciosa, potencialmente transformadora. No Iraque, Obama prometeu trazer as tropas americanas de volta para casa, talvez em 16 meses. Ele vai conversar com líderes de países como Irã, Cuba e Coréia do Norte. Ele prometeu uma maciça ampliação do serviço de saúde. Ele quer cortar impostos da classe média e aumentar os da classe alta, revertendo a tendência dos anos Bush.
Ele quer uma expansão maciça da indústria verde e de energia alternativa. Quer fazer com que serviços nas Forças Armadas, escolas e no exterior sejam trocados em créditos para pagar a universidade. A tudo isso seria acrescida a mudança mais fundamental de todas: trazer o governo de volta para a vida das pessoas.
Mas Obama tem mais do que influência política e idéias de esquerda. Sua campanha não foi comum. Foi um movimento de massa na idade da tecnologia. A campanha de Obama atraiu mais de 3,1 milhões de doadores e voluntários via internet. Eles existem como ativistas potenciais em todos os distritos congressuais no país, prontos para agitar e fazer lobby e campanha para a agenda de Obama. Essa é uma força que nenhum outro político americano jamais teve, antes; uma militância massiva online. Num e-mail enviado momentos antes ele fazer seu discurso da vitória, na última terça-feira, Obama disse-lhes para se prepararem: “Temos muito o que fazer para trazer nosso país de volta aos trilhos e em breve entrarei em contato para tratar do que vem depois”, ele escreveu.
Essa perspectiva amedronta alguns americanos. Literalmente. No Bar Madison, no subúrbio de Beaumont, Texas, o partido republicano local na semana passada assistiu ao desenrolar da vitória de Obama. Os apoiadores se aglomeravam em cima das televisões que faziam a cobertura ao vivo. Havia uma consternação geral. Mesmo que o Texas tenha permanecido solidamente vermelho, estava claro que muitos do resto do país estavam, de repente, num curso diferente. “Eu acho que ele é um socialista. Eu não penso que o povo que votou nele agora sabe o que é o seu verdadeiro plano”, disse Marilyn Martindale.
Essa era uma visão comum. Como o humor no Bar Madison foi ficando mais deprimido, a conversa giravam em torno do pior sob Obama. “Como ele pôde ter ganho a confiança do país? Eu tenho medo que nossa vida esteja para mudar drasticamente”, disse Sue Harris enquanto a Fox News alardeava os detalhes da mais recente perda dos republicanos.
Mas há fortes sinais de que o maior dos medos dos Republicanos – e os mais ambiciosos sonhos dos Democratas – não têm bases sólidas. Obama não apenas enfrenta um ambiente de potencial intoxicação econômica, ele mesmo se parece muitíssimo mais com um moderado do que com um radical. Contrariamente às preocupações dos Republicanos no Texas, muita gente pensa que Obama não é revolucionário. Tampouco que a eleição lhe deu uma licença para fazer uma revolução.
Muito da campanha de Obama estava baseado em sólidos fundamentos de centro. Seu apelo, do seu discurso na convenção de 2004 a esta campanha de 2008, sempre foi pela unidade. Ele disputou a eleição defendendo o direito constitucional de defesa dos proprietários de armas de fogo. Ele apoiou a pena de morte. Ele apostou nas promessas de cortes de impostos. Seus planos para a assistência em saúde era menos radical do que aquele da sua maior rival Democrata, Hillay Clinton ou John Edwards. Ele falou aos homens negros sobre a importância de assumir responsabilidade pela vida familiar. Seu discurso de campanha estava frequentemente inflado de valores religiosos.
Na verdade, Obama vestiu sua fé cristã mais abertamente, na disputa eleitoral, do que John McCain. “Eu acho que ele vai proceder agressivamente, mas não radicalmente”, disse Larry Haas, um comentarista político e ex-assessor de Clinton na Casa Branca.
Um olhar sobre as figuras determinantes da eleição também revela que a América não se tornou uma nação liberal da noite para o dia. McCain enfrentou um ambiente quase impossível para um Republicano concorrer. Ainda assim ele obteve 46% dos votos. A vitória de Obama na Carolina do Norte, Indiana, Ohio e Florida foi por poucos pontos percentuais.
Uma enquete recente mostrou que apenas 22% dos americanos se identifica com os liberais. Não deveria ser esquecido que McCain terminou as convenções à frente nas pesquisas. Foi somente depois da pior crise financeira desde a Grande Depressão que Obama conseguiu se tornar uma liderança sólida. Sua vitória não foi esmagadora como a de Roosevelt quando ele levou 48 estados em 1936, ou a de Reagan em 1984, que venceu em 49. Na realidade, Obama ainda perde dentre os votos dos brancos por 12 pontos percentuais e os brancos ainda são 74% dos votantes.
“Isso não é de fato uma onda. É um tipo de pequeno terremoto; ainda que, claro, quando você está no topo de um, o pequeno possa parecer bastante grande”, disse Darrell West, um diretor de um think tank de centro-esquerda da Brookings Institution.
Talvez não seja surpresa que dirigentes Democratas – ao contrário dos ativistas da esquerda do partido – não estejam clamando por revolução. “Este governo deve ser de centro”, disse a presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi na semana passada. “Eu não acho que este seja um mandato para New Deal”, ecoou Howard Dean, dirigente do Comitê Nacional Democrata. De fato, as ambições de Obama parecem limitadas e serão profundamente tolhidas pelas brutais condições econômicas que irá enfrentar. O há tanto tempo querido sonho de uma política de assistência em saúde será realizado em estágios, não de uma só vez.
“Eu não vejo a assistência em saúde acontecendo logo. É mais provável que se faça mudanças de incremento”, disse West. Muitos programas governamentais vão enfrentar arrocho orçamentário ou cortes de gastos. A opinião popular americana também permanece a mesma. Não houve um abraço massivo aos valores liberais. Muito do país permanece essencialmente de centro-direita. É só olhar a rejeição do casamento gay na Califórnia, semana passada.
Em nenhum outro lugar isso será mais claro do que na política externa, a despeito da euforia mundial da última semana. “Houve quase sempre continuidade na política externa Americana”, disse Haas. Na semana passada Obama começou a ter acesso aos mesmos informes da inteligência de Bush. Ele receberá um por dia pelo resto de sua presidência. São eles que provavelmente desenharão sua política externa, muito mais do que os ideais liberais.
Obama pode ser mais aberto para falar com nações como Irã, Cuba, Venezuela ou Coréia do Norte. Mas as forças armadas americanas permanecerão com seus postos militares avançados em todo o mundo. Na verdade, quando se chega a questões como Paquistão e Israel, Obama tem sido às vezes mais hawkish (2) do que McCain ou Bush. Ele tem falado sobre sua vontade de usar a força. Os países que receberam bem a vitória de Obama irão provavelmente entender rápido que as relações de poder no mundo permanecem as mesmas. A Realpolitik é um jogo que todos os presidentes norte-americanos jogam.
Mas, se a eleição de Obama não representa suficientemente um abraço americano à esquerda, ela mostra uma coisa: uma clara rejeição ao estilo Bush de republicanismo. A esse respeito uma nova era está nascendo. A eleição lançou o partido Republicano na selvageria política. Muita gente pensa que o movimento conservador popularizado por Reagan tem de mudar ou acabar. “Claramente houve uma rejeição massiva ao conservadorismo de Bush. Foi o fracasso daquela filosofia”, disse John Halpin, pesquisador convidado sênior no Centre for American Progress, umathink tank liberal dedicada a fortalecer a vida dos americanos através de idéias e ações.
Na semana passada o partido Republicano começou a superar essa rejeição. Num retiro de fim-de-semana na zona rural da Virgínia do ícone conservador Brent Bozell, fundador do grupo cão de guarda Media Research Centre, em torno de 20 grandes lideranças se encontraram para discutir o futuro do partido. Entre os convidados estavam o cruzado anti-impostos Grover Norquist e Al Regnery, publisher da American Spectator. Depois de conversas Bozell deu uma tele-conferência onde explicitou as conclusões do encontro. “A ala moderada do partido Republicano está morta”, disse ele. Isso ecoou os ataques conservadores aos moderados do partido, tais como os colunistas David Brooks e Peggy Noonan, que tinham criticado a direita durante a campanha. Alguns lhes pediram para deixar o partido.
Isso soa quase como música nos ouvidos democratas. Os democratas, longe de estarem lançando uma revolução de esquerda, ganharam muito apoio ao centro. Os Republicanos têm sido reduzidos aos seus recônditos. Como consequência, o partido Republicano está mais de direita e mais conservador do que o próprio país e pode se mover ainda mais para a direita. Isso também anuncia uma batalha amarga que durará, provavelmente, para além de 2012. “Eles vão fracionar severamente”, disse Haplin.
A guerra civil vai dar o tom da base conservadora do partido, provavelmente numa linha Sarah Palin, contra os reformadores que querem conversar com os moderados. É o mesmo processo por que os conservadores na Grã Bretanha passaram depois da vitória de Tony Blair em 1997. Ou os trabalhistas depois do triunfo de Margaret Thatcher em 1983. Os Republicanos estão fora, neste momento, das preocupações dos americanos. As pedras-de-toque das questões sobre aborto e o combate ao casamento gay despertam paixões mas não vencem mais eleições.
O ganho de Obama dos votos dos hispânicos também é crucial. Bush e seu guru político, Karl Rove, lutaram muito pelo rápido crescimento demográfico. Mas o colapso da reforma da imigração nas mãos dos conservadores republicanos acabaram com isso. Isso deixou o partido distintamente branco, ao tempo em que os votos das minorias se tornaram mais numerosos e mais poderosos.
Está difícil estimar um rápido caminho de volta para os Republicanos, seria necessária uma espetacular má-administração da presidência de Obama. Frum previu uma amarga avaliação das chances do seu partido nos próximos anos. Se a história serve de algum exemplo, a base dos conservadores vai agora tomar o partido, forçando uma plataforma de direita para seus candidatos de 2012. Só uma nova derrota presidencial convencerá o partido de que seu futuro está rumo ao centro. “É possível que possamos estar de volta na próxima eleição presidencial. Mas, para ser honesto, isso parece sempre mais distante que em um ano”, Frum, ex-assessor de Bush, disse.
Mas, apesar de a política dessas coisas ser complexa, houve poucas dúvidas que uma mudança genuína estava no ar na última semana. Isso pôde ser sentido até no coração da terra vermelha do Texas. Do lado de fora de um barraco na union hall (3) em Beaumont, Claudia Deshotel tinha clareza por que tinha votado em Obama. “Eu quero simplesmente algo diferente. Nós precisamos de mudança. Alguma coisa deve ser melhor do que o que temos agora”, ela disse.
Ela teve sorte. A direita foi rejeitada, mesmo que a esquerda não tenha sido plenamente abraçada. Obama escolherá um cuidadoso percurso entre o desejável e o possível para conduzir o país a um caminho diferente. Mas há uma área da política americana que foi plenamente transformada. A campanha de 2008 pôs um homem negro na Casa Branca. O poder simbólico disso não pode ser revertido. Quebrou-se uma barreira que parecia insuperável há uma geração.
Ao mesmo tempo, Hilary Clinton e então Palin superaram obstáculos para a as mulheres concorrerem aos mais altos postos. Isso também pôs a América num caminho sem volta. Um futuro de crescimento das minorias e das mulheres em ambos os partidos é inevitável. Nesse sentido, a campanha de 2008 criou um bravo mundo novo.
Publicado no The Guardian, onde Paul Harris é colunista, em 9 de novembro de 2008
Tradução: Katarina Peixoto
(1) Que cobra mais imposto para financiar programas distributivos. Político que taxa e gasta. N.de T.
(2) Denominação informal – significa falcão - para políticos pró-armas, ou pró-guerras, dos EUA. N.d.T.
(3) Região censo-designada do estado norte-americano da Virgínia, no Condado de Franklin. Da Wikipedia. N.deT.
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