30 de agosto de 2009

EUA: com os pés na Colômbia e os olhos no Brasil

 

Os EUA querem manter um papel protagonista no mundo e, para tanto, tentam expulsar a China da África e impedir uma aliança entre Rússia e Europa Ocidental. Essas duas grandes estratégias estão fracassando, daí a necessidade de garantir que a América Latina seja sua zona de influência exclusiva. A presença militar na Colômbia é um passo nesta direção, mas o verdadeiro alvo de Washington na região é o Brasil, país com maior poder relativo da região. A análise é dos cientistas políticos argentinos Marcelo Gullo e Carlos Alberto Pereyra Mele.

Agencia Periodística del Mercosur

Nos centros de planejamento do traçado estratégico dos Estados Unidos sabe-se que passou o tempo da potência única e global. Para enfrentar a União Européia, China e Rússia, Washington quer assegurar o controle da América Latina. Para isso precisa “acabar” com o Brasil. As possibilidades de resistência na região, o papel da Unasul e outras iniciativas de integração – esses pontos foram de uma entrevista exclusiva à Agencia Periodística del Mercosul, concedida pelos cientistas políticos especialistas e geopolítica, Marcelo Gullo (autor dos livros “Argentina-Brasil: a grande oportunidade” e “A insubordinação fundadora. Breve história da construção do poder das nações”) e Carlos Alberto Pereyra Mele, do Centro de Estudos Estratégicos Sulamericanos.
Para Gullo, o interesse geopolítico dos Estados Unidos consiste em atrasar o processo de passagem da condição de potência global para a de uma potência regional. A crise que atingiu o país, acrescenta, não é conjuntural, mas sim estrutural, porque, pela primeira vez desde 1970, ocorreu uma dissociação entre os interesses da alta burguesia norte-americana e os do Estado. A partir da década de 80, as indústrias estadunidenses, buscando pagar salários mais baixos, foram para a Ásia para produzir para o mercado interno norte-americano, alimentando assim um processo de desindustrialização dentro do próprio território. “Isso gerou um enorme processo de desemprego. Esse seria o eixo conceitual da crise financeira global, deixando os EUA desindustrializado, sem empregos suficientes e com 40 milhões de pobres”, diz Gullo.
E acrescenta: “Os EUA querem manter um papel protagonista e, para tanto, tentam expulsar a China da África e impedir a aliança entre Rússia e Europa Ocidental. Essas duas grandes estratégias estão fracassando, daí a necessidade de colocar um pé na Colômbia, um passo para que a América Latina seja sua zona de influência exclusiva”.
Os EUA, lembra, só produzem 15% da energia que consome e a América Latina provê 25% de suas necessidades em matéria de recursos. Pereyra Mele assinala que “a Colômbia é um país bioceânico, é vizinho do país (Venezuela) que vende 15% do petróleo consumido pelos EUA e também do Equador, outro país petroleiro. Desde as bases navais de Málaga e Cartagena de Índias, Washington tem rápido acesso ao maior ponto de comunicação comercial do mundo, o canal do Panamá”. Na mesma direção, Gullo observa que a importância geopolítica da Colômbia para os EUA se expressa tanto no plano tático como no estratégico.
Do ponto de vista tático, ele assinala: “o complexo militar necessita criar focos bélicos para justificar a produção e renovação de material bélico. Sem tal esquema, esse aparato não tem como justificar sua existência”. E do ponto de vista estratégico, “o objetivo é conseguir a capitulação do poder nacional brasileiro; para isso, procura traçar um cerco em volta do Brasil, começando na Colômbia e com a idéia de continuar pela Bolívia e pelo Paraguai”.
Nesse marco, a América Latina é obrigar a reforçar seus acordos regionais, como Unasul, Comunidade Andina de Nações e Mercosul, para evitar fraturas e controlar as turbulências domésticas (como o golpe de Estado em Honduras), que possibilitem a expansão das forças armadas dos EUA na região. Para Pereyra Mele, “a solução ao problema colocado pela ofensiva estadunidense sobre a América do Sul passa pela defesa irrestrita das áreas por onde fluem e se conectam os três sistemas hidrográficos mais importantes: o Orinoco, a Amazônia e o Prata”.
“Para isso devem ser desenvolvidas políticas internacionais coerentes, levando em conta as limitações colocadas pela potência hegemônica. É muito importante aprofundar o Mercosul, aumentar a presença da Unasul e dos organismos de defesa regionais. É necessária a criação de um complexo industrial militar argentino-brasileiro para melhorar nossa capacidade de defesa, sem dependência externa, incorporando outros países”, conclui Pereyra Mele.
Para Marcelo Gullo, a América a conforma uma comunidade cultural única. “Lamentavelmente, do ponto de vista político, a região está dividida em duas. De um lado México, América Central e o Caribe, zona de influência exclusiva dos EUA, e de outro a América do Sul”.
A respeito dessa última reflexão, talvez pudesse se acrescentar que o ódio sistemático dos poderes estadunidenses à Revolução Cubana pode ser explicado pelo fato de esta ter sido a única experiência concreta de freio à hegemonia de Washington sobre as regiões Norte, Central e Caribenha da América Latina. Diante disso, conclui Gullo, “a responsabilidade principal é do Brasil, por ser o país com maior poder relativo da região. O problema é que a classe dirigente brasileira não compreende adequadamente que, para resistir à agressão dos EUA, precisa de sócios fortes e não fracos. Devem compreender que o importante não é sua industrialização isolada, mas sim a industrialização de toda a América do Sul”.
As mudanças de política militares que Barack Obama prometeu em sua campanha presidencial até agora não apareceram. A menos que alguém queira que o caráter identitário passa exclusivamente pela pigmentação da pele, nem que sequer podemos dizer que um afroamericano chegou à presidência. Para além do discurso, Obama solicitou ao Congresso dos EUA a aprovação de 83,4 bilhões de dólares em fundos extras para financiar as aventuras bélicas no Iraque e no Afeganistão, avança com a instalação de novas bases militares na Colômbia e manteve uma posição mais do que ambígua em relação ao golpe de Estado em Honduras.
O orçamento do Pentágono é 50 vezes superior ao total de gastos militares do conjunto de países do sistema internacional. Além disso, realiza os maiores investimentos, em nível mundial, em pesquisas militares e espaciais. Essa disponibilidade de recursos permite aos EUA agir de forma simultânea com ingerências bélicas em diferentes áreas do planeta.
Tradução: Katarina Peixoto

Onde é mesmo que fica o Brasil?

 

Para a maioria da imprensa estrangeira, se não estamos no melhor dos mundos, estamos fora do pior deles, pois o Brasil é um dos únicos países em que a pobreza está diminuindo, apesar das fragilidades e distâncias sociais continuarem de monta. Por outro lado, na imprensa brasileira, o presidente Lula ora aparece como um parvo, ora como um monstro, ora como apequenado. O caso Sarney – agora em vias de ser remetido a um sussurro obsequioso por ter se enredado no caso Arthur Virgílio – começa a ceder passo ao caso da ex-secretária da Receita Federal versus a ministra chefe da Casa Civil. O artigo é de Flávio Aguiar.

Flávio Aguiar

Data: 12/08/2009

Depois que os portugueses chegaram ao futuro Brasil, formaram-se duas visões complementares sobre a nova terra. Algumas descrições cobriam a “nova” terra com sinais paradisíacos, a partir mesmo da própria carta redigida por Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel. O clima ameno, as populações nativas num estado semelhante ao que Adão e Eva deveriam estar ao sair do Éden bíblico, as frutas suculentas e estranhas para os europeus, entre muita outra coisa, por exemplo. Tudo isso foi estudado no notável “Visão paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil”, de Sérgio Buarque de Hollanda.
Por outro lado, motivos infernais também passaram a “povoar” a nova terra: seus jaguares, suas jibóias e sucuris gigantescas, o fumo por parte dos nativos, sua “indolência” na descrição dos europeus, tudo isso eram “coisas do demônio”. Também a situação social entrou nessa classificação, consagrando e criando a dicotomia. André João Antonil (pseudônimo do padre toscano João Antonio Andreoni) escreveu em seu livro “Cultura e opulência do Brasil por suas Drogas e Minas” que nossa terra era “o inferno dos negros, o purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos e das mulatas”. Na verdade, o que Antonil apontava era a formação de uma nova população mestiça em todas as classes sociais, mais afeita às coisas da terra do que os europeus recém-chegados (que tinham a idéia de voltar à sua terra de origem) e do que os africanos escravizados ou seus descendentes. Mas a dicotomia pegou: Brasil, paraíso e inferno simultaneamente. Até mesmo porque na cosmogonia medieval (ainda viva nos tempos coloniais e até hoje, aqui e ali) a saída do inferno ficava no sopé do monte do paraíso terreal.
Hoje, ressalvadas as proporções, tem-se a mesma impressão sobre o Brasil, lendo-se a mídia convencional estrangeira ou a nossa, nacional. Para aquela, se não estamos no melhor dos mundos, estamos fora do pior deles, pois o Brasil é um dos únicos países em que a pobreza está diminuindo ao invés de aumentar, e apesar das fragilidades e distâncias sociais continuarem de monta. Digamos que na imprensa internacional o Brasil é descrito como atravessando um ciclo virtuoso, com a melhora da situação social fortalecendo a democracia e vice-versa. Não que não haja problemas referidos, é óbvio. Mas a moldura é aquela. E isso vale para jornais e publicações que vão da centro-direita à centro-esquerda (para usar uma classificação vigente nas próprias publicações européias, pelo menos).
Já entrando pela nossa congênere nacional, quanto ao Brasil só dá m... , para referir uma palavra do calão que serve como autêntico eufemismo para o que descreve do nosso país. O presidente Lula ora aparece como um parvo, ora como um monstro, ora como apequenado, ora como onipotente. O caso Sarney – agora em vias de ser remetido a um sussurro (silêncio seria demais de vergonhoso) obsequioso por ter se enredado no caso Arthur Virgílio – começa a ceder passo ao caso da ex-secretária da Receita Federal versus a ministra chefe da Casa Civil. E isso é o de menos. Dá-se ao contrário: não é que não haja virtudes a se referir sobre o país. Mas elas são sistematicamente escamoteadas. E isso vale para toda a nossa imprensa convencional (com exceção de Carta Capital e mais alguma que agora me escape), da direita à direita, porque todas as outras estão neste canto do ringue, acuadas ou desferindo murros à esquerda e à esquerda.
Brasil, paraíso, inferno, inferno, paraíso: a dicotomia continua. Mas o interessante é que na última moldura política a nossa extrema esquerdireita também entrou em ação. Refiro-me aos internautas que, propondo-se de esquerda, ativam ou repetem toda a cantilena da direita. Recentemente, por exemplo, recebi num de meus endereços da internete interessante mensagem do sr. Pedro Porfírio, ativíssimo crítico do governo Lula, pretendendo-se pela esquerda, contra Sarney e sua “defesa pelo governo”. Vem até uma convocatória para manifestações nacionais, no dia 15/08, contra Sarney, etc. Pois na mensagem consta um libelo contra Sarney, o governo e seus programas sociais, assinado pelo General de Exército Gilberto Barbosa de Figueiredo, presidente do Clube Militar.
Pasmo, não pude deixar de ler, entre outras bobagens, que o programa Bolsa Família é “o maior programa de compra de votos do mundo”, que o governo quebra “o espírito combativo que era marca do movimento estudantil”, que “eliminou-se toda a possibilidade de agitações de rua indesejáveis” (por um momento pensei que o general e o Pedro Porfírio estavam se referindo ao golpe de 64, mas não, era ao governo Lula mesmo).
Confesso que o nojo subiu-me à cabeça. Já andava cansado de ler em comentários de leitores nas páginas na internete dos jornais tradicionais a defesa dos golpistas de Honduras. Mas agora que se queira misturar tantos alhos e bugalhos numa pretensa crítica “avançada” ou “progressista” ao governo Lula, foi demais.
Diz-me com quem andas, e dir-te-ei quem és. Aconselho esses notáveis escribas e políticos que enveredem pelo mesmo caminho a visitar o site do Clube Militar (www.clubemilitar.com.br) . Lá encontrarão, entre pressurosas defesas do golpe em Honduras, esta interessante manifestação do seu general presidente sobre um brasileiro ilustre, feita em 26 de janeiro de 2007 e também publicada na revista do Clube, n* 424, de abril daquele ano, durante um almoço que homenageava este personagem de nossa história:
“a [sua] luta continua sendo uma batalha em prol da democracia, na medida em que representa a verdade contra a mentira, a dignidade contra a infâmia, a honradez contra a vilania, o patriotismo contra a traição”.
O patriota em questão, também homenageado na ocasião por discurso do ex-senador Jarbas Passarinho, era o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-CODI, em São Paulo.

26 de agosto de 2009

Quem quer tomar o pré-sal do Brasil e os seus lobbies

 

FERNANDO SIQUEIRA*

A primeira fonte de pressão sobre o pré-sal são os Estados Unidos, com 29 bilhões de barris de reservas e consumo anual de 10 bilhões. A segunda fonte é o cartel das Sete Irmãs, que já teve controle de 90% das reservas mundiais e hoje tem em torno de 3 a 6% dessas reservas. E nessa condição estão fadadas a desaparecer.

Quem dominou o setor durante 150 anos, com todo tipo de atitude, como subornar, destituir ou assassinar presidentes que nacionalizaram o petróleo, como Jayme Roldós do Equador, que foi assassinado, Enrico Mattei da Itália, que foi assassinado, Mohamad Mossadeg do Irã, que foi deposto. Foram assassinados oito poetas da Nigéria porque eles gritavam ao mundo que a Shell estava destruindo as terras agricultáveis do povo Ogani e agora a Shell está sendo processada, 20 anos depois. A Exxon está sendo processada por causa do derrame no Alasca. Enfim, essas empresas dominaram o setor com mão de ferro e não vão vender barato a sua derrota, sua extinção.

A primeira providência da Exxon foi se fundir para sobreviver. A Exxon e a Móbil se fundiram e criaram a ExxonMobil, a maior empresa de petróleo do mundo e não tem reservas. Mas tem um faturamento brutal, o maior faturamento do mundo.

A Chevron se fundiu com a Texaco e com a Gulf (todas americanas). A British Petroleum da Inglaterra se fundiu com a Amoco dos Estados Unidos. Essas empresas estão se fundindo para não desaparecer. Mas só a fusão não é suficiente. É preciso reservas. Então elas querem o pré-sal, até porque três delas são americanas e uma é anglo-saxônica.

A Total, européia, se fundiu com a Fina. Uma francesa com uma belga. E a Totalfina com outra francesa, a Elf. Essas empresas formam o novo cartel denominado “BIG OIL” e se fundem para sobreviver. Estão atuando fortemente nos três Poderes brasileiros. Nós tivemos esse ano, quatro audiências públicas no Senado. Cada audiência pública com cinco meses de exposição, debate; cada mesa com dois lobistas de peso. No dia 3 de junho, foi feita a primeira na Câmara. Coincidentemente, os lobistas defensores da atual legislação são os mesmos. É o presidente do IBP, João Carlos de Luca, que também é presidente da Repsol, que é uma empresa espanhola comprada pelo Royal Bank of Scotland, que também é dono do Santander, que comprou o Banespa numa condição absolutamente indefensável. Enfim, a Repsol é uma empresa anglo-saxônica, braço das Sete Irmãs.

Comprou a YPF da Argentina e a ENI da Itália. Ela está na Argentina, na Colômbia, na Bolívia, no México, enfim, essas empresas estão fazendo todo o possível para que não mude o marco regulatório brasileiro, para que elas mantenham as vantagens nele contidas. Em contrapartida, “as novas irmãs” são oito estatais que detêm 65% das reservas: Saudi Aramco, Gazprom (Rússia), Inoc (Irã), Petronas (Malásia), PDVSA (Venezuela), Pemex (México), Petrochina e Petrobrás. Além dessas, tem a Nigeriana NNPC e a NIOC do Iraque.

Estão nas mãos das empresas estatais cerca de 80% das reservas, com tendência a aumentar essa posse porque as empresas e os governos se deram conta do alto valor estratégico que o petróleo representa. As chances das irmãs privadas conseguirem novas reservas são muito complicadas. O pré-sal é uma das alternativas que está mais à mão delas, se nós brasileiros não reagirmos, claro.

* Presidente da AEPET.

Texto extraído do livro  “O  pré-sal é nosso - pelo retorno da Lei 2004”.

6 de agosto de 2009

Os interesses econômicos que sustentam o golpe em Honduras

 

Honduras tem muito petróleo, conforme mostraram as prospecções feitas por uma empresa norueguesa há um ano, a pedido do presidente Zelaya. O presidente deposto acionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro a seu país e se juntou ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela. O projeto de Zelaya para a nova Constituição previa que os recursos naturais de Honduras não poderiam ser entregues para outros países. O artigo é de Frida Modak, ex-secretária de imprensa do presidente Salvador Allende.

Frida Modak - ALAI-AmLatina

Completou-se um mês do golpe de Estado em Honduras e, como em toda a ditadura, se mantém o Estado de Sítio, as garantias individuais existem só no papel e os poderes Legislativo e Judiciário são um apêndice do regime de fato. Os hondurenhos, assim como a quase totalidade dos povos latinoamericanos, já viveram essa realidade antes e a rechaçam.
A comunidade internacional também rechaçou o golpe de 28 de junho e adotou acordos claros de condenação aos golpistas, demandando a restituição em seu cargo do presidente constitucional Manuel Zelaya. Mas as coisas já não são tão claras nem categóricas e os motivos são alheios aos interesses do povo hondurenho e dos latinoamericanos em geral. Da mesma maneira, as justificações dadas pelos golpistas não são verdadeiras porque o golpe serve aos interesses do grupo de poder encabeçado pelo ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, cujos operadores há tempo pululam pela região e buscam infiltrar-se nos governos.
O grupo de Cheney, do qual são parte também os Bush, se interessa fundamentalmente no petróleo, por isso invadiram o Iraque e o Afeganistão, avançaram contra o Irã e tentam derrubar o presidente Hugo Chávez, fazem o mesmo com Evo Morales, atacam o presidente equatoriano Rafael Correa e desejam o petróleo cubano da zona do golfo do México.
Honduras tem muito petróleo, como disse Gerardo Yong no dia 19 de julho. As prospecções foram feitas por uma empresa norueguesa há um ano, convocada pelo presidente Zelaya que, como já foi informado, acionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro a seu país e se juntou ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela.
A empresa norueguesa que fez as prospecções e as financiou, entregou um relatório ao governo de Zelaya e ficou com uma cópia que pode negociar com empresas que estejam interessadas na informação sobre essas reservas. Para além disso, porém, e isso se sabia, se fosse aprovada a consulta destinada a determinar se deveria ser instalada a quarta urna nas eleições de novembro, na qual se votaria sim ou não à convocação de uma Assembléia Constituinte, o projeto de Zelaya na eventual nova Constituição era estabelecer que os recursos naturais do país não poderiam ser entregues para outros países.
Em conseqüência, o pretexto para o golpe de Estado foi a consulta sobre a quarta urna, mas o objetivo foi evitar que se pudesse ditar uma Constituição que impedisse apoderar-se do petróleo hondurenho. Nessa conspiração, estiveram Otto Reich e sua “fundação” Arcadia, e o embaixador estadunidense em Honduras, Hugo Llores, nomeado pelo governo de Bush e Cheney. Mas também participaram do complô os donos dos meios de comunicação, porque se estimava que a nova Constituição deveria promover uma distribuição igualitária do espectro radioelétrico, garantindo a participação dos grupos comunitários. Daí a desinformação que sai hoje de Tegucigalpa.

As mediações
Na reunião da Assembléia Geral da OEA, realizada em São Pedro Sula, Honduras, viu-se que a secretária de Estado dos EUA não gostou da intervenção do presidente Zelaya em defesa da revogação da expulsão de Cuba desse organismo. Dado o escasso conhecimento da sra. Clinton sobre a América Latina e estando ela rodeada de funcionários do “establhisment” e de outros mais perigosos, como John Negroponte, sua reação ao golpe hondurenho foi superficial, assim como foram vagos os comentários iniciais feitos pelo presidente Obama.
Quando toda a América Latina e o Caribe, a Assembléia Geral das Nações Unidas e a União Européia já tinham condenado categoricamente o golpe e pediam a restituição de Zelaya, os EUA modificaram seu discurso e o Departamento de Estado propôs a mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, em um contexto que pedia, na verdade, o cumprimento dos acordos das entidades internacionais. Arias, que não foi “o” pacificador da América Central, porque foram muitos, e que recebeu um prêmio Nobel da Paz destinado originalmente a Costa Rica por ser um país sem exército, aceitou a mediação e entregou uma proposta que foi rechaçada pelos golpistas porque defendia a restituição de Zelaya na presidência. Então, elaborou outra fórmula, que satisfaz melhor os interesses estadunidenses, na medida em que converte Zelaya em uma figura decorativa e antecipa as eleições de novembro, com o que se passa um borrão, zera-se a conta, e o golpe de Estado desaparece em um passe de mágica.
Esta segunda proposta tropeça no mesmo obstáculo; o regime de fato sequer aceitou a restituição de Zelaya no cargo de presidente e deu início a uma farsa mediante a qual “consultarão” os outros poderes. O Legislativo se reuniu e tratou de vários pontos da proposta, menos o relativo à restituição do presidente. O poder Judiciário tampouco aceitou esse ponto, sobretudo pelo fato de que o presidente da Corte Suprema já reconheceu que ele também poderia ocupar a presidência de acordo com a “Constituição”, justificando o golpe como “um caso de necessidade”.
Neste contexto, o secretário geral da OEA buscou outros mediadores: os ex-presidentes Ricardo Lagos, do Chile, e Julio Maria Sanguinetti, do Uruguai, aos quais se somaria o peruano Rafael Pérez de Cuellar, ex-secretário geral da ONU. Ao escrever estas linhas ainda não havia sido formulada a idéia, mas outra equipe mediadora implica dar mais tempo ao regime de fato e, com isso, pode-se terminar avalizando a trapaça para chegar às eleições de novembro ou antecipá-las, deixando o golpe de Estado no limbo.

Os golpistas
Como se tornou visível, os golpistas vivem em um passado muito passado. Quando se reuniram no Congresso para “substituir constitucionalmente” a Zelaya, a sessão parecia com a de uma confraria de séculos atrás, com todo um cerimonial que já não é empregado em parte alguma. Seus chanceleres dão uma idéia do segmento social que representam. Ortez, o primeiro deles, retratou a todos quando disse a respeito de Barack Obama: “esse negrinho não sabe onde fica Tegucigalpa”. Mudaram-no de lugar, mas quando foi falar do secretário geral da ONU, repetiu a dose: “esse chinesinho que não me recordo como se chama”.
Ortez já está em sua casa, mas por ser imprudente e não porque suas palavras não representem o pensamento da soberba oligarquia hondurenha que tomou o poder, entre os quais há muitos com aparência de “negrinhos” e “chinesinhos” que não se vêm a sim mesmo como tais, mas sim ao povo que desprezam. Portanto, o desafio que representa a reação popular ao golpe é intolerável.
O grupo golpista é liderado por Roberto Micheletti, um empresário do setor de transporte que fez fortuna. Nunca conseguiu que seu partido, o Liberal, o nomeasse candidato à presidência; perdeu em todas as oportunidades que tentou e tem a fama de homem bruto. Na Secretaria de Defesa dos Direitos da Mulher há três denúncias contra ele, sendo que nenhuma delas foi levada adiante pelo órgão.
Um dos incidentes ocorreu na reunião de seu partido que definiu o candidato presidencial do Partido Liberal para as eleições de novembro. Micheletti não só perdeu, como foi vaiado pelos assistentes. Como prêmio de consolação, deram a ele a presidência do Congresso e quando ia subir no palanque do encontro, uma jovem do grupo de protocolo, chamada Suyapa, pediu que ele esperasse um momento porque não tinham terminado de colocar as cadeiras. Irritado pelas vaias que havia levado, Micheletti desferiu um tapa na cara de Suyapa, causando-lhe um corte na boca.

Um mês de protesto popular
Desde o momento em que os hondurenhos se inteiraram do golpe de Estado, é preciso recordar que os meios de comunicação foram censurados, e os protestos têm sido permanentes. Os manifestantes estão na rua todos os dias e não estão dispostos a ceder. A imprensa dos EUA reconheceu isso e realizou pesquisas rápidas junto aos manifestantes. Eles responderam que Zelaya foi o primeiro presidente que havia se preocupado com eles e que com quem podiam falar sem termos sobre seus problemas e aspirações. O resultado dessas pesquisas foi publicado pelo Washington Post.
Em Honduras, que tem um pouco mais de 7 milhões de habitantes, a maioria é pobre, mas há cerca de 1,5 milhão que são absolutamente pobres. O governo de Zelaya começou a se ocupar dessa parcela da população através do programa Rede Solidária, coordenado pela esposa do mandatário. Para determinar o grau de pobreza, tiveram que fazer uma medição baseada em averiguar se comiam. E se a resposta fosse afirmativa, perguntar o quê e quantas vezes ao dia.
Também foi preciso estabelecer onde e como viviam, se era em casas, se essas casas tinham portas e janelas, se tinham algum serviço, porque não tinham trabalho nem endereço fixo. Cerca de 200 mil famílias já tinha sido incorporadas ao programa e, desde o início do golpe, não recebem ajuda alguma. Inclusive é possível que não alguns nem saibam o que ocorreu; outros saberão por causa da repressão.
No entanto, apesar do Estado de Sítio e do toque de recolher, aumenta a cada dia o número dos que chegam a El Ocotal, na Nicarágua, para somar-se ao acampamento daqueles que apóiam o presidente Zelaya, que se encontra ali, depois de ter ingressado em território hondurenho (e retornado). O presidente solicitou às Nações Unidas o status de refugiado e a ajuda correspondente a todos os que estão ali para acompanhá-lo, porque se regressarem a Honduras estão ameaçados com uma condenação a seis anos de prisão por “traição à pátria”, a qual, pelo visto, só pertence aos golpistas.
Ao longo desta semana, estão convocadas greves e muitas outras manifestações de protesto. A pergunta que fica é até que aponto podem seguir sendo ignoradas e reprimidas em defesa de interesses alheios e de um governo ilegítimo. Ainda mais quando essa manipulação aponta também para toda a América Latina e para as instituições criadas recentemente: Unasul, Mercosul, Alba, Petrocaribe, Banco do Sul, Grupo do Rio e alguma outra que me escapa agora, na medida em que priorizam os interesses da região.

Frida Modak é jornalista, foi secretária de imprensa do presidente Salvador Allende, no Chile.
Tradução: Katarina Peixoto

A geopolítica e a geoeconomia das nações no início do século XXI

 

As transformações geoeconômicas e as reconfigurações geopolíticas deste início de século XXI explicitam a natureza do poder capitalista em geral, mas não evidenciam a derrocada do poder norte-americano em particular. Essa é uma das teses centrais do livro "O mito do colapso americano" (Record), de José Luís Fiori, Carlos Medeiros e Franklin Serrano, que consagra uma década e meia de reflexões críticas sobre as transformações nas relações entre poder e dinheiro, Estados e moedas, no capitalismo contemporâneo. A resenha é de William Vella Nozaki.

William Vella Nozaki (*)

Resenha de:
FIORI, José Luís; MEDEIROS, Carlos & SERRANO, Franklin. O mito do colapso do poder americano. Record: Rio de Janeiro, 2008.

O mito de um colapso
O livro, lançado recentemente, "O mito do colapso do poder americano", consagra uma década e meia de reflexões críticas sobre as transformações nas relações entre poder e dinheiro, Estados e moedas, no capitalismo contemporâneo.
A tese partilhada pelos três autores, e explicitada já no título da obra, é inequívoca e serve como um alerta para os analistas apressados que, em tempos de crise financeira internacional, encontram ora a derrocada de um império e o fim do capitalismo, ora a desestruturação de uma hegemonia e a ascensão de uma ordem internacional mais equilibrada e pacífica.
Na contramão desses dois formatos de análise, o livro tomado em conjunto parece dizer: o analista que deseja argumentar em favor do colapso do poder americano deveria comprovar a diminuição da presença dos EUA, ou o enfraquecimento na representação de seus interesses nacionais, nos principais conflitos mundiais (José Luís Fiori). Mais ainda, deveria comprovar a desestruturação interna da economia, e, sobretudo da moeda, dos EUA (Franklin Serrano). E, além disso, deveria comprovar a fragilização externa do Estado americano, sobretudo diante do surgimento econômico do China e do ressurgimento militar da Rússia (Carlos Aguiar de Medeiros). Como não estamos assistindo a nenhum desses processos, o colapso do poder americano só pode ser um mito.

O poder americano
Em diálogo com as teorias do imperialismo e com as teorias dos ciclos hegemônicos, José Luís Fiori apresenta o diagnóstico acerca do poder global e da economia mundial que alinhava a obra: o autor nos lembra que ao menos desde a década de 1970 as tentativas de se prever o fim do poder americano, encontrando nele o colapso do próprio capitalismo, tornaram-se freqüentes. Entretanto, mais do que nunca, atualmente, tornou-se evidente como cada sinal apontado como indício do declínio americano converteu-se em manifestação de seu fortalecimento.
Assim é que, afirma Franklin Serrano, na década de 1970 a desestruturação do sistema monetário-financeiro internacional de Bretton Woods ao invés de questionar a importância do dólar coroou sua centralidade dando-lhe mais flexibilidade; do mesmo modo, na década de 1980, os EUA tornaram-se os principais devedores e importadores mundiais, mas antes do que provocar um desequilíbrio macroeconômico tais características serviram de motor à economia mundial; já durante a década de 1990, a difusão das políticas neoliberais serviu como instrumento para uma virada estratégica internacional norte-americana a fim de consolidar sua capacidade de revolução tecnológico-militar; por fim, na década atual, a derrota política no Iraque não foi capaz de diminuir o poder militar e bélico dos EUA, e, apesar da crise financeira global, não há indicativos de que a importância do dólar ou dos títulos da dívida americana seja reduzida.
Do mesmo modo, anota Carlos Aguiar de Medeiros, a recente ascensão de países como Rússia e China, ainda que partindo de determinantes nacionais, teve forte influência dos EUA.
Na Rússia, a recentralização do Estado à partir da mistura entre quadros políticos e militares consolidou uma nova realidade macroeconômica, marcada pela recuperação do complexo industrial-militar, pela ampliação dos investimentos e do consumo, pela consolidação das empresas estatais de petróleo e gás e pelo crescimento econômico, colocando a Rússia em lugar de destaque no sistema mundial. Mas essa nova realidade foi, quase sempre, condicionada pelas políticas dos EUA, desde o colapso da antiga URSS, passando pelos anos Ieltsin e culminando na ampliação do poder americano na Ásia Central e no Leste Europeu, o ressurgimento russo permanece ocorrendo à sombra dos interesses americanos.
Na China, a ascensão da economia a partir da combinação entre iniciativas de mercado e estratégias estatais introduziu novas políticas de investimento em setores de alta tecnologia e de infra-estrutura, o que vem gerando grandes mudanças em sua estrutura produtiva e nas condições sociais do país. A persistência do crescimento econômico acelerado faz da China um país decisivo na definição dos preços globais de matérias-primas e energia, colocando-a na posição de grande player internacional. Mas é bastante conhecida a simbiose entre a produção industrial chinesa e a circulação monetária do dólar, de maneira que a China deve ser percebida não como substituta dos EUA, mas como seu mais perfeito complemento no sistema mundial contemporâneo.
Com isso, anotam os autores, não se trata de deixar de perceber as mudanças e dificuldades porque passa a economia mundial e norte-americana, mas de ressalvar o que parece ser mais importante: o fato de que com certeza não se trata do fim do poder americano. O que parece acontecer, ao contrário, é uma alteração na direção de uma nova ordem mundial, com características mais imperiais do que hegemônicas.

Causas estruturais
Mas a interpretação desse processo passa por uma reconceituação da própria noção de poder, nesse sentido, o esforço teórico de José Luís Fiori merece atenção, pois traz novos elementos para a composição de uma teoria estrutural das dinâmicas conjunturais. Aqui, as clássicas relações entre Estado, capital e industrialização são substituídas por conexões entre guerra, moeda e mercantilização.
Para Fiori, a história do sistema interestatal capitalista pode ser compreendida em quatro etapas: o embrião do primeiro sistema europeu de guerras e trocas (1150-1350), o nascimento do sistema interestatal europeu (1450-1650), a formação do sistema interestatal capitalista, propriamente dito (1790-1914), além de um quarto momento, atual, em curso desde a década de 1970.
A eclosão de cada uma dessas etapas teria como causa a pressão competitiva entre os Estados, e como conseqüência o alargamento das fronteiras internas e externas, assim é que naquele primeiro momento as invasões mongóis e o expansionismo das Cruzadas resultaram na composição de unidades territoriais soberanas e competitivas; já no segundo momento, os conflitos intra-europeus entre Portugal e Espanha, e mais tarde entre Holanda, Inglaterra e França, desaguaram na colonização dos territórios americanos; enquanto no terceiro momento, a emergência de três grandes potências, EUA, Alemanha e Japão, resultou na incorporação dos continentes africano e asiático.
Por trás dessa lógica de sucessivas pressões e explosões situa-se o que o autor denomina de “associação indissolúvel e expansiva entre a necessidade da conquista e a necessidade do excedente”. Tal associação materializa-se num esquema hobbesiano em que as guerras estimulam a criação de impostos para financiá-las, as moedas surgem como forma de delimitar o horizonte territorial de captação de tributos, e, por fim, a circulação de uma unidade de valor padronizada acaba engendrando a troca e o comércio. Portanto, a anterioridade do poder sobre a riqueza é um dos princípios teóricos para se interpretar o capitalismo. Desse modo o império ou a vontade imperial, assim como a guerra e a preparação para a guerra, são os pré-requisitos para a existência dos Estados-nacionais, e a hierarquia entre eles é determinada pela capacidade de lastrear e firmar o valor de sua moeda privada e de seus títulos públicos.
Nesse arcabouço é logicamente impossível que algum Estado possa ou consiga estabilizar o sistema mundial, instável por natureza; além disso, a própria potência hegemônica, que deveria ser o elemento estabilizador, mais do que todos os outros precisa da guerra e da competição para seguir acumulando poder e riqueza, mais ainda: para se expandir, muitas vezes, ele precisa ir além e destruir as regras e instituições que ele próprio construiu.
A principal tese de Fiori, é que no nosso sistema interestatal capitalista ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra são elementos inerentes, por isso guerras e crises não indicam, necessariamente, finais ou colapsos dos Estados e economias envolvidas. Desse modo, as guerras e crises em curso desde a década de 1970 fazem parte de uma mudança estrutural de longo-prazo que aponta para um aumento da pressão competitiva mundial, para o início de uma nova corrida imperialista que se prolongará pelas próximas décadas e que terá a participação decisiva do poder americano.

Consequências conjunturais
A partir desses pressupostos é que se pode iniciar uma releitura da nova geopolítica internacional, destacando a dinâmica dos subsistemas estatais e das hegemonias regionais a fim de ressaltar como a presença norte-americana é atuante, e pode ser decisiva, em cada um dos tabuleiros da conjuntura internacional.
Para Fiori, a projeção internacional do poder americano é um fenômeno que começa pouco depois da independência desse país e se prolonga de forma contínua pelos séculos XIX e XX, entretanto, apenas no pós-guerra os EUA revelam sua estratégia hegemônica, convertida em estratégia imperial depois das crises da década de 1970. Além disso, os atentados de 11 de setembro de 2001 parecem desnudar o fato de que as disputas, típicas da Guerra Fria, entre as grandes potências não teve fim, nem após a queda do muro de Berlim tampouco após a desintegração da URSS. Vale lembrar, em 1989, o governo de George Bush (pai) é quem formula e anuncia pela primeira vez a doutrina estratégica norte-americana para o século XXI de “contenção preventiva universal”, contra qualquer tipo de concorrente que pudesse reproduzir a ameaça soviética ao poder americano; em 2001, o governo de George Bush (filho) converte aquele projeto em uma postura bélica explícita, assim sendo, as intervenções no Iraque, Afeganistão e a Guerra contra o Terror parecem sinalizar não a crise do poder norte-americano, mas a existência de contradições em uma tentativa expansiva. E, lembra o autor, apesar de seus revezes militares e de suas dificuldades econômicas os EUA seguem como o único player global, presente em todas as disputas decisivas ao redor do mundo.
A partir do exposto acima, vale a pena resgatar as principais consequências conjunturais decorrentes da análise estrutural apresentada pelos autores do livro.
Para José Luís Fiori, na geopolítica das nações deste início de século XXI, o Oriente Médio ocupa posição central dada a efervescente combinação entre disputas territoriais, conflitos religiosos e abundância de recursos energéticos. Desse modo, o fortalecimento do Irã e o radicalismo de Israel tendem a desencadear a hostilidade regional, com ressonância sobre países como EUA, China e Rússia cujo interesse no petróleo e no gás da região é crescente e estratégico. Mais ainda, uma aproximação entre o Oriente Médio e a Ásia Central envolveria todos os poderes que, de alguma maneira, estão envolvidos na disputa pela hegemonia eurasiana.
A Europa, por sua vez, repousa sob um dilema, a utopia pacifista e internacionalista da União Européia e a realidade pragmática e nacionalista de seus três principais sócios: França, Grã-Bretanha e Alemanha. Enquanto os franceses seguem desmontando as conquistas políticas e históricas do velho continente, os britânicos caminham rendendo graças ao americanismo do novo continente, ambos temem o fortalecimento dos alemães que já se apresentam no comando da política macroeconômica da região e são fortes candidatos a comandar, também, a política externa do continente, por intermédio de uma aproximação com a Rússia.
Aliás, um desafio e uma incógnita é desvendar o papel ocupado pela Rússia nesse novo cenário. A fragmentação imposta ao território russo após o fim da União Soviética, o apoio sistemático dado pelos EUA e pela União Européia à autonomia dos países da antiga zona de influência soviética, assim como a tentativa norte-americana de expandir sua fronteira bélica pelo Leste Europeu, não podem ser encarados como um avanço sobre uma área derrotada, aliada ou neutra. A reconstrução do Estado e da economia russas através do investimento no seu complexo industrial-militar e por meio da nacionalização de seus recursos energéticos não pode passar despercebida, arremata Carlos Aguiar de Medeiros.
No que se refere a Ásia, além de a região ter se transformado em um dos pólos fundamentais da acumulação capitalista e do desenvolvimento da economia mundial, uma disputa pela hegemonia regional envolve potências como Japão, China e Coréia. Enquanto a China patrocina uma aproximação estratégica com a Rússia, o Japão conta com o apoio permanente dos EUA. A situação torna-se mais complexa quando levamos em consideração a Índia, dado que o crescimento intenso desse país e da China os colocam frente a frente na competição, cada vez mais intensa, por recursos energéticos e alimentos.
A África, por seu turno, que seguiu à margem da globalização comercial e financeira nas últimas décadas, agora se apresenta como principal fronteira para a acumulação primitiva e para a expansão política e econômica do capitalismo asiático. Atualmente existem, principalmente, na África Negra uma centena de companhias chinesas e de projetos de investimento indianos, para não mencionarmos diversos outros países que buscam consolidar suas segurança energética a partir do território africano. Tudo indica que a África está se transformando em uma região privilegiada para uma nova corrida imperialista.
Por fim, na América do Sul, a emergência de forças políticas nacionalistas, desenvolvimentistas e até mesmo socialistas foi possibilitada pelo ciclo de crescimento da economia mundial, e, sobretudo, pelo peso decisivo da demanda e da pressão asiática. Em particular a China tem sido grande importadora de minérios, energia e grãos, estimulando o aumento no preço das commodities, fortalecendo a formação de reservas em moeda forte e a capacidade fiscal dos Estados, o que tem diminuído a fragilidade externa e melhorado a capacidade de negociação internacional desses países.
O Brasil, em particular, goza de posição favorável dada sua intensa capacidade de produção e exportação de petróleo e alimentos, além de controlar a maior parte do território da Amazônia. Vale notar que certa inserção externa ingênua e amistosa da América do Sul e do Brasil estão chegando ao fim, no médio prazo, é provável uma competição cada vez mais intensa entre o Brasil e os EUA pela supremacia na região.

O sistema mundial no século XXI
O quadro sintetizado acima evidencia a importância crescente do eixo oriental e a presença constante da força norte-americana. Com destaque especial para a associação econômica entre EUA e China (Franklin Serrano), para a aproximação entre Rússia e China (Carlos Aguiar de Medeiros) e para a possível aliança política entre Alemanha e Rússia (José Luís Fiori). É importante sublinhar, o soerguimento da China e a ressurreição da Rússia são pontos centrais para quem quer que pretenda analisar a conjuntura internacional atual, mais ainda, os simples rótulos de países emergentes ou de potências que combinam economia de mercado e planejamento estatal são insuficientes para flagrar o verdadeiro significado desse processo.
Além disso, pela primeira vez na história do sistema mundial, as relações entre países não desenvolvidos adquirem uma densidade e um dinamismo expressivo, mas antes de adotar fórmulas fáceis, como aquela que agrupa os países do chamado BRIC. Fiori destaca certas “convergências assintóticas” entre quatro grandes Estados-nacionais que se destacam no redesenho das relações internacionais, mas com papéis diferentes, assim o autor analisa as pretensões de hegemonia regional na China e na Índia e a falta de um projeto nacional claro no Brasil e na África do Sul.
Ou seja: as transformações geoeconômicas e as reconfigurações geopolíticas deste início de século XXI explicitam a natureza do poder capitalista em geral, mas não evidenciam a derrocada do poder norte-americano em particular.
Por fim, vale ressaltar, se nesse novo cenário como afirma José Luís Fiori, a América Latina começa a entrar em sua fase adulta, então o pensamento crítico produzido por esses três autores não pode ser outra coisa senão a primeira expressão dessa maturidade.

(*) Bacharel em Ciências Sociais (FFLCH/USP); mestrando em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: História Econômica (IE/UNICAMP). E-mail: willnozaki@gmail.com

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