Extinta durante o governo FHC e recriada pelo governo Lula, Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste está se reestruturando e já começa a investir em arranjos produtivos locais. Autora de uma tese de doutorado sobre a extinção do órgão, economista Fernanda Ferrário analisa como essa decisão significou uma marco das transformações na política de desenvolvimento regional no Brasil.
Clarissa Pont
A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) foi extinta durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, por meio da Medida Provisória n° 2.156-5, de 24 de agosto de 2001. No dia 3 de janeiro de 2007, a Sudene foi recriada pelo governo Lula através do Projeto de Lei Complementar n° 125. Essa diferença indica algumas das principais diferenças entre esses dois governos no que diz respeito ao tema do desenvolvimento regional, avalia a economista Fernanda Ferrário, autora de “A Extinção da Sudene – um marco das transformações na política de desenvolvimento regional no Brasil”, tese de doutorado defendida na Faculdade de Economia da Unicamp, em 2006.
Neste trabalho, Ferrário pesquisa como e por que a entidade criada para o fomento econômico da Região Nordeste do Brasil, foi extinta durante o governo FHC. Criada em 1959, no final do governo de Juscelino Kubitscheck, a Sudene nasceu para pensar soluções que permitissem a progressiva diminuição das desigualdades verificadas entre as regiões do Brasil. Absorvida pelas administrações que se seguiram e desviada de seu centro durante a Ditadura Militar, acabou sendo considerada foco de corrupção. No final da década de 90, a imprensa iniciou um debate sobre a existência do órgão, extinto em 2001.
Em entrevista à Carta Maior, Fernanda Ferrário conta como a idéia de uma instituição corrupta foi alardeada justamente para o fechamento do órgão.
Carta Maior – Como foi o processo de extinção da Sudene no governo Fernando Henrique Cardoso?
Fernanda Ferrário – O cenário que levou à extinção da Sudene no governo FHC tem que ser melhor esclarecido. A mídia toda propagou e o que ficou, para grande parte da população, foi que o órgão de planejamento regional seria fechado por causa de uma má versação dos recursos públicos. Eu resolvi investigar com mais profundidade e o que ocorreu de fato não foi apenas isso, ou isso não foi o determinante para que se extinguisse a Sudene. Na verdade, o Governo FHC já vinha dando sinais, há muito tempo, de que o Nordeste não era prioridade e achou por bem que justo quando o governo estava passando por sérias crises de credibilidade (inclusive com a violação do painel do Senado e outras ações) extinguir esses órgãos como forma de dizer à opinião pública que o governo era ético e correto. Mas o que a pesquisa indica é que não houve só a questão da má versação dos recursos públicos. Ela existiu, apesar de não na dimensão em que foi propagada e isso não foi o fator determinante. Inclusive, eu recupero na pesquisa o caso de outros órgãos que já tinham passado pelo mesmo problema e nem por isso foram extintos.
CM – Qual comparação pode ser feita entre o governo atual e o anterior no tema do desenvolvimento regional?
FF – O governo FHC poderia ter sido um governo mais preocupado com o desenvolvimento das áreas menos dinâmicas e mais estagnadas, mas isso não ocorreu. Na verdade, ele já tinha resolvido um problema muito sério que dominou a questão nos anos 80, porque a inflação já estava de fato controlada. Havia espaço para o Brasil voltar a pensar em políticas industriais de mais longo prazo com impactos diferenciados nessas regiões. FHC não recupera o planejamento em seu governo, muito pelo contrário. O único documento que se aproximou um pouco disso foram os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Antes de se constituir um estudo de planejamento para repensar o problema nacional, foi na verdade um portfólio de investimentos que tinha por objetivo dizer às áreas dinâmicas do país que receberiam investimento. As áreas estagnadas e pobres do país ficam completamente de fora deste estudo.
O governo Lula começa completamente diferente com uma preocupação muito maior. Durante a campanha ele já diz que vai recriar a Sudene e coloca isso no papel e recria. Além disso, outras coisas importantes são feitas como o lançamento da política nacional de ordenamento territorial, a política nacional de desenvolvimento regional, o plano do semi- árido, o plano de desenvolvimento do Nordeste, o plano do desenvolvimento do Centro-Oeste e o plano da Amazônia. Também todas as políticas industriais, tecnológicas e de comércio exterior. Ele volta a pensar o país de forma planejada e a gente começa a ver que essas políticas estão tendo impactos diferenciados nas regiões. O objetivo é justamente diminuir as diferenças não apenas entre as grandes regiões do país, mas também entre regiões. Esses impactos estão sendo diferenciados e o "gap" está diminuindo.
CM – Após sua recriação, a quais temas a Sudene vem se dedicando hoje?
FF – A Sudene ainda está se estruturando. De fato, ela só começou os seus trabalhos em fevereiro deste ano. Houve uma reunião do conselho deliberativo, e a própria instituição está sendo redimensionada e reorientada. Mas nós já criamos um comitê de instituições federais na região, vamos criar vários comitês temáticos de acordo com as necessidades regionais. A Sudene já liberou 2,2 bilhões para a Transnordestina, estamos trabalhando também para criar o novo plano de desenvolvimento para o Nordeste, que fará parte do Plano Plurianual, com duração de quatro anos. Estamos trabalhando também com arranjos produtivos locais, como algodão colorido, a mamona e o biodiesel, onde estamos muito fortes. O programa do biodiesel na região é comandado pela Sudene. Mas ainda estamos no começo.
A Sudene pretende contribuir, ao mesmo tempo, com os outros ministérios para pensar a região conjuntamente. Por exemplo, já estamos trabalhando junto com o Ministério da Ciência e da Tecnologia e assim vamos fazer em todas as áreas com o objetivo de melhorar a sustentabilidade da economia da região e, principalmente, a qualidade de vida dos nossos cidadãos.
CM – Quais os principais desafios para enfrentar o tema das desigualdades regionais hoje no Brasil?
FF – Várias coisas, mas sempre colocar o planejamento como ferramenta indispensável. Nós temos que ter políticas diferenciadas, idéia presente desde que a Sudene foi criada, Celso Furtado já colocou isso como um diferencial para atrair investimentos para a região. Temos várias coisas que poderão vir a ser feitas e todas nesse sentido de tentar melhorar econômica e socialmente a região.